Acórdão nº 00683/15.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A... – Ambiente e Sistemas de Informação Geográfica, S.A.

, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 02.12.2015, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual que deduziu contra o Município de Mira, e em que foi indicada como contra-interessada a AIRC.

Invocou para tanto, em síntese, que: a remissão feita na decisão recorrida para a decisão proferida no processo 339/15.8 CBR que assenta em factos diversos constitui, por tal, um clamoroso erro de julgamento, por violação, designadamente, dos n.ºs 2 e 5 do artigo 94º, ex vi dos artigos 100º, nº1, e 102º, nº1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que manda aplicar as normas correspondentes aos factos provados no processo; em todo o caso, a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, as normas contantes dos artigos 3º e 10º do Código de Procedimento Administrativo, artigos 1º, n.º4, e 49º, nº1, do Código de Contratos Públicos, artigo 7º do Decreto-Lei nº 252/94, o princípio do primado do Direito Europeu e do artigo 8º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, e o princípio da legalidade, consagrado no artigo 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa; a interpretação do artigo 9º do Código Civil que vingou na decisão recorrida é inconstitucional porque viola o princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2º e 111º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que permite que o Tribunal se substitua ao poder legislativo.

Apenas o Município recorrido apresentou contra-alegações, a defender a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª - A sentença proferida no processo nº 339/15.8BECBR foi proferida após diligências de prova que não ocorreram nos presentes autos e com base em factos provados que não se incluem naqueles que o Tribunal considerou provados na sentença recorrida.

  1. - O que se mostra particularmente evidente ao segmento da decisão em que o Tribunal se permitiu desaplicar regras e princípios essenciais da contratação pública, com base num suposto princípio da eficiência administrativa alegadamente prevalecente, cujo suporte factual radica nos factos provados 17 a 19 no processo nº 339/15.8BECBR que não se encontram entre os factos provados nestes autos, nem têm qualquer paralelo com estes.

  2. - A remissão para a decisão proferida naquele processo carece, nos presentes autos, do imprescindível suporte nos factos provados, configurando, como tal, um clamoroso erro de julgamento, por violação, designadamente, do artigo 94º, nº 2, ex vi dos artigos 100º, nº1 e 102º, nº1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que manda aplicar as normas correspondentes aos factos provados no processo.

  3. - A fundamentação da decisão da questão de direito por mera remissão viola ainda o disposto no nº 3 da mesma norma, uma vez que a questão jurídica não é simples, não tão pouco foi objecto de decisão dos Tribunais de modo uniforme e reiterado.

  4. - A sentença recorrida considera que a única maneira de assegurar uma estrita igualdade de oportunidades dos concorrentes em matéria de condições de acesso e de adjudicação, era, com efeito, abrir um concurso para contratação do fornecimento e implementação de um novo sistema informático, de raiz, que abrangesse as utilidades ou aplicações e ferramentas já existentes e as novas, prescindido de todo o sistema informático já instalado.

  5. - Esta conclusão não encontra fundamento na factualidade provada nestes autos, de onde não resulta, de todo, que esta conclusão tenha validade.

  6. - Por outro lado, também não tem adesão à realidade material, já que o respeito pela igualdade e concorrência entre operadores se bastaria com a indicação dos modelos de dados dos sistemas de informação em uso, para que o novo contraente pudesse, ele próprio, desenvolver as ferramentas necessárias a assegurar a interoperabilidade daqueles com os novos sistemas a adquirir.

  7. - Essa indicação seria certamente fácil de obter junto do fornecedor dos sistemas em uso, a AIRC, uma vez que esta não se trata de uma empresa em busca do lucro, mas de uma associação de municípios de fins específicos, a quem cabe, à semelhança do que sucede com a entidade demandada, a prossecução do interesse público.

  8. - Toda a tese desenvolvida na sentença recorrida se baseia no errado pressuposto acima referido, da imprescindibilidade de substituição de todos os sistemas de informação em uso, que ficariam inutilizados, por um novo que integrasse aqueles e ainda as funcionalidades que se pretendem adquirir no âmbito do concurso sub judice.

  9. - Faltando àquele pressuposto a imprescindível sustentação factual e técnica, é evidente que tal implica o erro de julgamento subsequente de toda a decisão recorrida.

  10. - Ainda que assim não fosse, a sentença recorrida padece de graves erros de natureza jurídica que importa invocar.

  11. - O artigo 9º do Código Civil contém uma directriz hermenêutica fundamental no sentido de que se determinada solução foi positivada na lei, devemos presumi-la como acertada.

  12. - O que significa precisamente o contrário do que resulta da sentença recorrida, segundo a qual aquele preceito autorizaria o intérprete a afastar as soluções legalmente consagradas que reputasse como manifestamente desadequadas.

  13. - Esta interpretação do artigo 9º do Código Civil é inconstitucional porque viola o princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2º e 111º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que permite que o Tribunal se se substitua ao poder legislativo.

  14. - O artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo apenas consagra um princípio disciplinador da organização e estruturação da Administração Pública, pelo que ao invocar aquele preceito como fundamento legal de um denso princípio regulador dos actos da administração que permite aferir e avaliar a respectiva eficiência económica e controlar a sua legalidade em função do respeito pelo dever de buscar as soluções mais económicas possíveis, a sentença recorrida faz dele interpretação errónea e sem o mínimo de respaldo na letra da lei.

  15. - O que a sentença recorrida faz é afastar os efeitos de uma norma legal, o artigo 49º, nº1 do Código dos Contratos Públicos e dos princípios da igualdade de e da concorrência, também com consagração legal expressa no art. 1º, nº 4, do Código dos Contratos Públicos, em função de um juízo seu sobre a razoabilidade, em termos de eficiência económica, que a aplicação daquelas regras teria na situação da vida regulada.

  16. - O que não é aceitável num Estado de Direito Democrático e viola de forma gritante o princípio da separação de poderes (artigos 2º e 111º da Constituição da República Portuguesa), já que configura uma clara invasão da esfera do poder legislativo, democraticamente legitimado.

  17. - Mas põe também em causa o fundamental princípio da legalidade (artigos 266º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo, na versão aplicável), na medida em que legitima uma actuação administrativa desconforme com as normas legais aplicáveis, por razões de natureza e critério economicistas.

  18. - Havendo uma norma expressa, o artigo 49º, nº1, do Código de Contratos Públicos, considerada aplicável, não pode a mesma ser desaplicada com fundamento na sua antinomia, na situação concreta, com um princípio de fonte e hierarquia normativas idênticas, como é o caso do suposto princípio da eficiência económica (artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo).

  19. - Acresce que os princípios da igualdade e concorrência, consagrados no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos, dos quais o artigo 49º, nº1 do Código dos Contratos Públicos, constitui concretização, constituem princípios fundamentais especiais da contratação pública.

  20. - Deste modo, no caso dos autos, em que está em causa a legalidade de um procedimento de contratação pública, seriam sempre prevalecentes, designadamente sobre o suposto princípio da eficiência económica.

  21. - Errou, pois, gravemente a sentença recorrida ao decidir o contrário.

  22. - A norma prevista no artigo 49º, nº1, do Código dos Contratos Públicos e os princípios da igualdade e concorrência consagrados no artigo 1º, nº4, daquele diploma têm lugar paralelo no Direito Europeu derivado que constitui a sua fonte, mais precisamente nas Directivas 2004/18/UE e 2004/24/UE.

  23. - Assim sendo, ao fazer prevalecer o princípio da eficiência económica sobre normas e princípios de direito europeu, a sentença recorrida incorre em clara violação do princípio do primado do Direito Europeu e do artigo 8º, nº4, da Constituição da República Portuguesa.

  24. - No juízo de ponderação da eficiência económica, a sentença recorrida pura e simplesmente ignorou factores relativos às perdas de eficiência e competitividade inerentes a uma adjudicação que perpetua a aquisição a um operador económico fora das regras do mercado, que se impõe como único adjudicatário possível, por dele depender a interoperabilidade com todos os sistemas de informação em uso na entidade adjudicante.

  25. - Impedindo a entidade adjudicante de beneficiar das vantagens de aquisição em mercado concorrencial, no que respeita à diversidade de soluções, qualidade das propostas e competitividade dos preços.

  26. - A omissão da ponderação destes factores redunda em erro de julgamento.

  27. - Afigura-se impertinente e juridicamente errado sustentar a legalidade das normas do caderno de encargos com fundamento no artigo 7º do Decreto-Lei nº 252/94, que não põe, minimamente em causa a violação do artigo 49º, nº1, do Código dos Contratos Públicos...

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