Acórdão nº 00309/15.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório ALD – Associação de LD, com os sinais nos autos, inconformado com a decisão proferida no TAF de Mirandela, em 8 de Janeiro de 2016, através da qual foi “indeferida a providência cautelar requerida”, apresentada contra o Ministério da Agricultura e do Mar e Instituto do Vinho e da Vinha IP, tendente, em síntese, a obter a suspensão da eficácia do Despacho nº 5610/2015, publicado no “DR”, 2ª série, nº 102, de 27 de maio de 2015 que designou a FRD (contrainteressada) como associação de direito privado que sucedeu à associação pública Casa do Douro, veio, em 29 de Janeiro de 2016, recorrer da decisão proferida, na qual se conclui: “1. A sentença proferida pelo tribunal a quo não está fundamentada no que diz respeito ao prejuízo de difícil reparação, na modalidade de facto consumado.

  1. A decisão recorrida nada diz sobre os factos que tomou em conta para afastar a alegada situação de prejuízo de difícil reparação na modalidade de facto consumado, não procurando enquadrar a situação de facto do processo e as suas especificidades e limitando-se a transcrever o conteúdo de uma norma legal (o art. 173.º do CPTA – fls. 17 da sentença) e colocar entre parêntesis uma nota citando doutrina.

  2. As decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b) e c) do CPC.

  3. A decisão recorrida carece, em absoluto, de fundamentação, ou, no mínimo, carece de clareza que a torne inteligível (615.º, n.º1-c) CPC) – a fundamentação deve permitir a inteligibilidade dos motivos, da decisão e da articulação lógica entre a motivação e a decisão.

  4. Considerou (mal) a sentença recorrida que não se mostrava verificado o requisito do fumus boni juris, porquanto os factos alegados pela Requerente não traduzem uma situação de manifesta ilegalidade que permita concluir pela evidência da procedência da ação principal, com o que não se concorda, conforme se passa a expor.

  5. Desde logo, quanto à desconsideração da adesão das cooperativas membros da U..., a sentença ignorou que a Requerente, mediante requerimento de 03.11.2015, informou os autos de que tinha sido proferida decisão que julgou procedente a oposição deduzida pela U... e a absolveu da instância, pondo termo à providência cautelar, juntando para o efeito cópia da sentença.

  6. Acresce que, ainda quanto à desconsideração dos membros da U..., dispõem os presentes autos de elementos suficientes que permitem concluir pela manifesta evidência de procedência da ação principal, ao contrário do que o Mmo. Juiz decidiu – desde logo, a decisão da providência cautelar, que confirma o facto de que o júri deveria ter suspendido a decisão do concurso que está na origem dos presentes autos até que a mesma fosse proferia, pois o número de viticultores que integram as cooperativas membros da U... era muito relevante para o desfecho do concurso.

  7. Considerou a sentença que o procedimento deveria ter sido suspenso nos termos do disposto do art. 31.º do CPA e 38.º do NCPA para que o júri pudesse verificar a existência documental das inscrições dos viticultores (logo, o júri não deveria ter desconsiderado os sócios individualmente inscritos na ALD). Contudo, não obstante este entendimento, a mesma sentença considera que a junção de documentos padece de inutilidade superveniente dado que a lista de ordenação dos candidatos apresentada no presente relatório, não seria alterada face ao apuramento da representatividade, o que não se concebe, nem se concede, sendo tal fundamentação manifestamente impercetível, desconhecendo-se as razões que levaram o Mmo. Juiz a decidir com uma alegação não fundamentada do júri.

  8. A sentença recorrida, sobre a inadequação dos estatutos da ALD, considerou que não era evidente a procedência da ação principal fundada na causa de pedir alegada nos arts. 79.º a 95.º Ri, porquanto os municípios de Resende, Alfândega da Fé, Mirandela e Figueira de Castelo Rodrigo não têm representatividade na Assembleia Geral da ALD. Porém, resulta suficientemente alegado e demonstrado nos autos que tais municípios não integram a RDD e que não é obrigatória a sua representatividade na assembleia geral da ALD, ao contrário das freguesias do Barrô, Vilarelhos e Escalhão que, apesar de pertencerem a concelhos que não integram a RDD, estão representadas na assembleia geral da Requerente, estando assim garantida a participação dos viticultores de tais freguesias nos órgãos sociais da RDD.

  9. Face ao facto considerado provado em 27) [As associações e adegas cooperativas mencionadas em 1) a 20) da escritura pública mencionada em 19) não ratificaram a constituição da contrainteressada FRD – os documentos apresentados pela contrainteressada a fls. 505 a 610 apenas comprovam que aquelas associações e adegas cooperativas ratificaram a adesão à FRD e não o ato de constituição desta associação] não se compreende como é que a douta sentença relega para conhecimento na ação principal da ilegalidade da constituição da FRD.

  10. Também quanto à suscitada questão da duplicação de viticultores, a sentença não apreciou um único dos argumentos invocados pelo Requerente, sendo manifesto que existem nos autos elementos suficientes que permitem concluir pela manifesta evidência de procedência da ação principal com base neste fundamento.

  11. No presente caso, decidir a questão do periculum in mora (prejuízo de difícil reparação na modalidade de facto consumado) através da enunciação da regra jurídica e da declaração de concordância com autores de Direito Administrativo, não satisfaz os requisitos mínimos da fundamentação das decisões judiciais.

  12. A sentença recorrida não faz qualquer subsunção jurídica da situação de facto alegada, não recorta a situação de facto pertinente e não exterioriza as razões do seu entendimento (as razões porque neste caso concreto a situação de facto consumado não se verificava), pelo que, a sentença recorrida não está fundamentada no que respeita à refutação do prejuízo de difícil reparação, na modalidade de facto consumado, nulidade que expressamente se invoca.

  13. A decisão recorrida elimina a alegação de facto consumado remetendo para execução de julgado anulatório (art. 173.º do CPTA) a reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado. Ou seja, de acordo com a sentença do tribunal a quo, a execução do julgado satisfaz a pretensão do interessado se este tiver razão. A lei não pode ser interpretada nestes termos! 15. Uma providência cautelar tem como objetivo garantir a utilidade prática (concreta) da hipótese de ganho de causa. E o juízo sobre o periculum in mora deve ser feito apesar da existência de normas sobre a execução do julgado anulatório. Trata-se do prejuízo ou dano do facto consumado que a execução do julgado anulatório, porque tardia, não pode ressarcir ou não pode ressarcir com facilidade.

  14. O facto consumado, como decorre do art. 120.º, n.º 1, c) do CPTA, deve ser encarado como um modo de se manifestar o prejuízo irreparável ou de difícil reparação e não pode ser genericamente eliminado com o argumento de que o cumprimento do julgado anulatório apaga os vestígios danosos da imediata execução do ato, pois isso não é sempre verdade. Desde logo porque o ato a proferir na sequência da anulação pode não ter eficácia retroativa (e, dessa forma, o ato que dê cumprimento ao julgado pode não refazer a situação passada).

  15. O tempo é irreversível e a irreversibilidade da linha do tempo delimita a situação de facto consumado, sendo facto consumado aquele que já não pode ser refeito, mesmo que a sentença final seja favorável, o que ocorre, claramente, neste caso com a entrega da Casa do Douro à Contrainteressada: essa entrega, com todos os atos a ela inerentes de transferência de domínio e de atuação junto dos viticultores da Região Demarcada, pode ser anulada, mas o tempo em que essa entrega perdurou não pode ser apagado. E nesse sentido é um facto consumado, com consequências verdadeiramente catastróficas para os interesses da ora recorrente, uma vez que se constituiu com a finalidade de suceder à Casa do Douro.

  16. A acrescer, corre-se, ainda, o risco da Administração (mesmo que o ato seja anulado) vir invocar uma situação de causa legítima de inexecução caso o processo se arraste por longos anos em Tribunal (hipótese, normal, pois reconhece-se que a questão principal é de alguma complexidade jurídica e factual), o que seria paradoxal - não haver perigo de uma situação de facto consumado e mais tarde invocar uma situação de facto consumado para justificar o incumprimento legítimo de uma decisão anulatória.

  17. A terminar, entende a recorrente que, na pendência da ação, o interesse público nada sofre com a suspensão de eficácia do ato, sendo do interesse público que a transferência da Casa do Douro seja feita definitivamente e não sob condição de eventual nulidade, não havendo qualquer prejuízo relevante se o ato (objeto de impugnação) não for desde logo executado.

  18. Por outro lado, é indiferente, para o interesse público que seja a Requerente ou a Contrainteressada a suceder à Casa do Douro, uma vez que os critérios da transferência são os que decorrem da lei e, portanto, o interesse público só é verdadeiramente satisfeito com a decisão certa.

  19. Não há qualquer preponderância do interesse de qualquer das concorrentes, pelo que parece evidente que o dano que resultará da concessão da providência não é superior àquele que resulta da decisão contrária.

    Face ao exposto, deve a decisão recorrida ser...

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