Acórdão nº 11559/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução06 de Novembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

S......, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, dela vem recorrer, concluindo como segue: A. Ao julgar que a Recorrente carece de interesse em agir cautelarmente através da pretensão deduzida no presente processo e que a providência requerida não é adequada, com o fundamento de que a licença suspendenda, por ser emitida sem prejuízo de direitos de terceiros, não é imediatamente lesiva para a Recorrente, a douta sentença recorrida enferma de erro de direito na interpretação e aplicação das normas jurídicas que regem os efeitos das licenças de operações urbanísticas e, consequentemente, daquelas normas jurídicas que exigem o interesse em agir cautelarmente e a adequação da providência cautelar requerida como pressupostos da tutela cautelar (normas jurídicas não identificadas na douta sentença recorrida e que apenas implicitamente se retiram de vários textos normativos vigentes, salva a norma que exige a adequação da providência cautelar requerida, decorrente do art. 268. 2 4 CRP e do art. 122.5, l CPTA).

B. É pacífico que, em geral, as licenças de construção são concedidas sob reserva de direitos de terceiros, no sentido de que se limitam a averiguar a conformidade da pretensão de quem os requer com as normas aplicáveis de direito público, não conformando direitos privados do requerente ou de terceiros, mas esta regra tem como pressuposto que as situações jurídicas dos terceiros não são consideradas na emissão da licença e que os direitos de terceiros não são abrangidos pelos seus efeitos.

C. Assim sendo, a cláusula de reserva de direitos de terceiros não se pode aplicar a licenças que, como aquela cuja suspensão se requer no presente processo, permitam a realização de operações urbanísticas num terreno da propriedade de um terceiro, pois, em primeiro lugar, nos termos do art. 9º/l RJUE, o interessado na realização de uma operação urbanística tem que ser «titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística», facto que cabe ao órgão competente apreciar, ainda que com base em prova por presunção, e, em segundo lugar, porque uma licença como a emitida em tais condições tem necessariamente, em virtude do respectivo conteúdo, um efeito permissivo da realização de determinadas operações materiais de edificação e, em virtude do respectivo objecto, essa permissão respeita a um determinado prédio, que precisamente um terceiro, neste caso a Recorrente, alega ser seu.

D. Assim, se se pode afirmar que a licença suspendenda foi emitida sem prejuízo de direitos de terceiros no sentido em que não constituiu, modificou ou extinguiu relações jurídicas privadas, não se pode afirmar o mesmo no sentido de a mesma licença ser irrelevante para a Recorrente por dela não resultarem efeitos directamente lesivos, sendo claro que, pelo contrário, a licença de construção suspendenda implicou a atribuição de uma permissão para que o seu beneficiário introduza modificações na realidade material relativamente a um prédio que é da propriedade da Recorrente, permissão essa que de forma óbvia e inescapável constitui um efeito lesivo do direito de propriedade da mesma Recorrente sobre o mesmo prédio.

E. Pelas razões apontadas nas conclusões anteriores, a jurisprudência administrativa e a doutrina, incluindo os arestos e autores citados na douta sentença recorrida, inequivocamente consideram que as licenças relativas a prédios da propriedade de terceiros não podem ser consideradas como emitidas sem prejuízo dos direitos destes, sendo em simultâneo inoponíveis pelo seu titular em relação ao verdadeiro proprietário e inválidas por falta do pressuposto consistente na titularidade de direitos que legitimassem o seu beneficiário a realizar a construção pretendida; e não menos inequivocamente consideram que o terceiro titular de direitos reais sobre o prédio a que se refere a licença preserva a possibilidade de reagir junto dos tribunais judiciais contra as condutas materiais que o titular da licença nele pretendesse realizar e, em simultâneo, o poder de reagir junto dos tribunais administrativos contra a licença e os seus efeitos jurídicos.

F. Sendo uma matéria do âmbito da jurisdição administrativa e estando um particular legitimado para obter tutela definitiva dos seus interesses através de um meio processual principal dessa jurisdição (que, no caso vertente, é a acção administrativa especial da qual dependem os presentes autos), o princípio da tutela jurisdicional efectiva impõe, sob pena de inconstitucionalidade por violação do art. 268.5, 4 CRP, que, na mesma jurisdição administrativa, lhe seja facultado um meio processual cautelar adequado (que, no caso vertente, é precisamente o presente processo cautelar).

G. É, assim, manifesto que, ao contrário do julgado na douta sentença recorrida, a Recorrente tem interesse em agir mediante a providência cautelar requerida, na medida em que, como a própria sentença recorrida reconhece, é «óbvio [...] que da efectivação deste poder [conferido pela licença suspendenda], traduzida na actuação material da contra-interessada - com a realização das ditas intervenções e transformações da realidade material - resultam, evidentemente, prejuízos para a requerente», sendo certo que a anulação da licença suspendenda e a suspensão da sua eficácia só podem ser obtidas mediante a intervenção judicial, designadamente a título cautelar; e é também manifesto que a providência cautelar requerida é adequada, já que é a única que, dentro da jurisdição administrativa, permite à Recorrente assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, a correr na mesma jurisdição, de impugnação do acto administrativo suspendendo.

H. Ademais, os fundamentos da sentença em caso algum serviriam para afastar o carácter lesivo do direito de propriedade da Recorrente sobre a área controvertida resultante da...

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