Acórdão nº 12520/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Lidice …………………….. (Recorrente), cidadã angolana, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção especial urgente de pedido de asilo por si proposta contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho do Director Nacional Adjunto daquele Serviço de 12.08.2014 que indeferiu o pedido de asilo que a Autora havia apresentado para si e para a sua filha menor de nove anos de idade e não lhes concedeu autorização de residência por razões humanitárias formulado.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I- Não obstante o relato da Requerente, que de forma ingénua referiu a apresentação dos vídeos como forma de obter uma bolsa de estudo, isto traduz o desespero em que se encontrava e tal desespero tinha de facto a ver com o facto de ser filha de uma "persona non grata" dentro do atual Sistema político; II - A decisão encontra-se integralmente ausente da fundamentação, não tendo sido recolhida durante a instrução, existiu assim défice de instrução; III - De facto a Requerente demonstrou ter medo de voltar para o seu país, estando, assim dentro do âmbito do auxílio solicitado dada a factualidade apresentada pela requerente como é patente na informação sobre o país de origem que juntou aos autos e que não foi feito pelo SEF apesar de a isso estar obrigado, como mencionado supra; IV- Houve ainda na especificação dos fundamentos de facto da decisão, insuficiência de fundamentação, nos termos do n .º 4 do artigo 607 .º do CPC, limitando-se a Mª Juiz a referir que as declarações da requerente são vagas e pouco esclarecedoras e que não faz uma associação credível, entre o ataque de que foi vítima e os fundamentos da seu pedido de proteção, e ainda que o receio invocado assume uma natureza meramente subjetiva.
V- A Sentença recorrida sofre de um vício porquanto a Mmª Juiz fez errada apreciação dos fundamentos do pedido.
Devem pois proceder as presentes conclusões, e, por via disso, o recurso obter provimento, anulando-se o decidido pelo Tribunal "a quo", nos termos do artigo n.º 662 do CPC. Assim sendo, deverá ser modificada a Sentença de que ora se recorre, e substituir-se por outra que julgue procedente a presente acção, pelo menos quanto ao pedido subsidiário.
• O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não conhecimento do objecto do recurso jurisdicional.
• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
• I. 1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação; - Se o Tribunal a quo errou, de facto de direito, ao ter julgado improcedente a acção, designadamente por não ter verificado a deficiente instrução do procedimento de asilo.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: a) A A. nasceu em 25/08/1980, em Angola e tem nacionalidade angolana - cfr. doc. de fls. 9 do P.A.; b) É filha de Sebastião …………………. e de Eugénia………………. - cfr. doc. não numerado junto com a P.I..; c) É mãe de Shakina ……………………., nascida em 02/01/2005 - doc. de fls. 11do P.A.; d) Em 10/09/2011, as autoridades da Noruega decidiram expulsar a A. da Noruega e do espaço Schengen por um período de 5 anos (até 10/09/2016), por a A. lhes ter prestado falsas informações - fls. 49 do P.A.; e) Em 22/09/2013, apresentou um pedido de asilo junto das autoridades Norueguesas -fls. 20 do P.A.; f) Em 28/02/2014, a A. e a sua filha, foram transferidas da Noruega para Portugal, por se ter entendido, em razão das mesmas serem titulares de Visto emitido pelas autoridades portuguesas, serem estas as competentes para apreciar o pedido de asilo apresentado pela A. - fls. 22 do P.A.; g) Em 04/03/2014, a A. compareceu no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, tendo apresentado um pedido de protecção para si e para a sua filha -cfr. doc. de fls. 1do P.A.; h) Alegou que é perseguida desde 2007 pelo facto do seu pai ter sido vice-ministro das relações exteriores de Angola e se dizer que queria dar um golpe de estado, não tendo onde morar, nem família e que dorme na rua - fls. 5 do P.A.; i) Em 08/07/2014 prestou as seguintes declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF: "(...) P: Qual o seu Estado Civil? R: Solteira. P: Qual o seu nível de escolaridade? R: 1 ° ano da licenciatura em Relações Internacionais. P: Qual a sua religião? R: Cristã.
P: Qual a sua profissão? R: Secretária Executiva da Administradora para a área postal dos Correios de Angola.
P: Já pediu asilo anterionnente? Se sim, onde e quando? R: Sim, em 2007 na Noruega e em 2013 também na Noruega. P: O que aconteceu com o seu o primeiro pedido de asilo? R: Concederam-me autorização de residência por motivos humanitários de 2007 renovável a cada ano. Mas em 2010 abandonei a Noruega e regressei a Angola.
P: Depois da sua saída da Noruega para Angola, esteve quanto tempo em Angola? R: De 2010 a Setembro de 2013.
P: Tem ou alguma vez pediu autorização de residência em Portugal? R: Não.
P: Quais as razões que determinaram a saída do país? R: Saí porque em Dezembro de 2012 fiz uma filmagem de actos violentos no mercado dos Escongolenses, e usei essa filmagem para ver se conseguia uma bolsa interna na Faculdade Lusíada de Angola ao delegado do camarada Jorge………….
R: E quando mostrou essa filmagem? R: Por volta de Agosto/Setembro de 2013. P: Quem é Jorge ………..? R: É o actual vice-ministro do ministério das relações exteriores de Angola. P: Ele é portanto um membro do governo? R: Sim.
P: E como relaciona esse seu acto com a sua saída de Angola? R: Depois disso, comecei a receber mensagens de ameaça. Ele acreditou que eu poderia ter mais vídeos comprometedores. Era sempre de número privado.
P: Que actos violentos foi esses que filmou? R: Os polícias agrediam as senhoras vendedoras ambulantes que vendiam na rua. Uma senhora estava a dar de mamar ao bebé. E o polícia, em vez de bater na senhora, rebentou com a cabeça do bebé. E eu fiz essa filmagem. Eu estava no local a fazer compras.
P: Porque estava a polícia a agred ir as senhoras? R: Para as expulsar, porque já tinha saído uma lei que proibia vendas na rua. E por isso, a ideia era destruir os produtos.
P: E achou que essa filmagem lhe permitiria obter uma bolsa porquê? R: Para continuar com a faculdade. Porque eles não me queriam dar a bolsa interna.
P: Mas porque é que achou que essa filmagem lhe iria permitir obter uma bolsa? R: Porque ele começou com disparates para cima de mim dizendo que 110 meu tempo das vacas gordas já tinha terminado há muito tempo".
P: Mas em que sentido, como, e de que forma essa filmagem lhe permitiria obter uma bolsa na faculdade? R: Devido ao facto de ser filha do funcionário que era (do pai) para obter urna bolsa interna.
P: Quem é o seu pai, e que funcionário é? R: Sebastião…………………….. e, actualmente, está desempregado. É ex-vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores.
P: No entanto, no inquérito preliminar que preencheu, afirmou ser foragida porque em 2007 o seu pai foi acusado de querer dar um golpe de estado. Porque está agora a afirmar que não pode regressar a Angola devido a umas filmagens que fez? R: Mas isso foi em 2007, quando eu fugi primeiro. Mas quando já me estava a enquadrar e1n Angola, achei que tendo feito o que tinha feito, poderia Obter a bolsa interna.
P: Mas porque é que no inquérito preliminar indicou um tnotivo e agora indica outro? R: Porque quando vim da Noruega, o polícia norueguês disse-me que eu só tinha que dizer o que realmente me faz fugir de Angola.
P: E o que realmente a faz fugir de Angola? R: Estas filmagens. P: Que tipo de perseguição receia? R: O telefone de onde recebia chamadas era de número privado. E as mensagens diziam para eu devolver os vídeos que tinha. Eu não tinha mais vídeos. Só tinha aquele.
P: E o que aconteceu ao vídeo que filmou? R: Ele - o delegado do vice ministro Jorge………… - partiu o meu telefone por eu lhe ter mostrado o vídeo, e eu disse que havia mais vídeos e que os iria colocar no youtube, no Facebook, etc, pelo que ele ficou ainda mais furioso.
P: Como se chamava esse senhor? R: Eu não sei o nome dele.
P: Então que tipo de ameaça receia? R: Um dia apareceram-me dois homens em casa e espancaram-me e disseram que aquele era só um aviso para eu dar mais vídeos e eu dizia que não tinha mais vídeos. Eu fiquei internada no hospital 2 dias.
P: Quando foi isso? R: Em Janeiro de 2013.
P: Comunicou o sucedido e o seu receio às autoridades? R: Sim, no hospital disse à polícia. Talvez tivesse sido um acto de assalto ou não. Isso só começou depois de eu ter mostrado as filmagens.
P: Então acha que poderia ter sido um assalto? R: Não. Porque eles diziam para eu dar os vídeos mas eu não tinha mais vídeos. E marcaramme com uma faca nas costas (a requerente mostra uma cicatriz nas costas).
P: E qual foi a resposta obtida por parte das autoridades? R: Que não poderiam fazer nada, porque não se podia provar que tinha sido o camarada do Jorge …………..
P: É, ou alguma vez foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social em Angola? R: Não.
P: Alguma vez foi presa, detida, ou interrogada no seu país ou em algum outro país? R: Não.
P: Tem alguma documentação de suporte ao seu relato? R; Tenho declaração da minha inscrição na...
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