Acórdão nº 11139/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Fernando …………………….

intentou no TAF de Leiria uma acção de contencioso eleitoral contra a Freguesia de União de Freguesias de …………………….

, e contra José ………………, José Carlos ……………… e Maria …………………, pedindo a anulação do acto de eleição dos vogais do órgão executivo da entidade demandada, que teve lugar no dia 20-11-2013.

Por acórdão datado de 19-3-2014, a acção foi julgada procedente e, em consequência, foi declarada a nulidade da eleição dos vogais da União de Freguesias de ………………, com fundamento na falta de quórum deliberativo [cfr. fls. 218/249 dos autos].

Inconformada, a ré interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos: “1ª – Salvo o devido respeito, julga-se ser por demais evidente que o acórdão em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar que o acto eleitoral para a eleição de vogais da Junta de Freguesia estava sujeito à exigência de quórum prevista no artigo 54º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, o que representa uma violação dos princípios constitucionais que regem os processos eleitorais – particularmente em matéria de igualdade do voto e do valor do voto expresso por cada eleitor – e da própria tramitação definida na lei para tal acto eleitoral – a qual não prevê nem podia prever, sob pena de inconstitucionalidade, a exigência de um determinado número mínimo de votantes –, para além de traduzir uma indevida e infundada importação de uma regra própria dos procedimentos administrativos para os processos eleitorais.

Na verdade, 2ª – Por força do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, em qualquer processo eleitoral "...cada eleitor tem um voto e o voto do cada um vale o mesmo que o voto de qualquer outro" [vd., neste sentido, o artigo 10º da Constituição e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, CRP Anotada, Tomo I, pág. 106], pelo que seguramente nunca em qualquer acto eleitoral a possibilidade de votar e o valor do voto de cada um pode estar dependente da decisão de outro eleitor votar ou não votar.

Acresce que, 3ª – O legislador constitucional sentiu necessidade de autonomizar o processo eleitoral para a junta de freguesia, determinando que lei especial regularia tal processo eleitoral [vd. nº 3 do artigo 239º da Constituição], pelo que não só é manifesto que o legislador constituinte separou e autonomizou este processo eleitoral de qualquer procedimento administrativo, como pretendeu que este processo eleitoral se regesse por normas diferentes das que regulam os procedimentos administrativos, razão pela qual é claramente abusivo que o aplicador do direito esqueça o que foi determinado e pretendido pelo legislador constituinte e decida mandar aplicar aos processos eleitorais as regras que são próprias do procedimento administrativo e que o legislador constituinte não pretendeu nem mandou sequer aplicar.

4ª – Consequentemente, ao anular o acto eleitoral para a eleição de vogais de uma junta de freguesia com fundamento na ausência de quórum, o aresto em recurso começou logo por violar frontalmente o disposto nos artigos 2º, 10º e 239º da Constituição, efectuando uma interpretação totalmente desconforme aos princípios e regras ali consagradas e ainda uma interpretação que não tem o menor apoio no texto da lei – da qual resulta que o acto eleitoral se regerá por uma disciplina e tramitação específica e não por uma normação geral que, ainda por cima, só é aplicável aos procedimentos administrativos e não aos processos eleitorais.

Para além disso, 5ª – Em conformidade com o imperativo constitucional, o legislador ordinário veio disciplinar a tramitação própria do processo e do acto eleitoral para a eleição dos vogais das juntas de freguesia – tendo-o feito nos artigos 9º e segs. da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro – e em parte alguma dessa normação impôs ou sequer previu a aplicação a tal processo eleitoral – nem ao menos uma aplicação subsidiária – do Código do Procedimento Administrativo ou das demais regras que disciplinam a procedimento administrativo, pelo que também no plano legal é claramente abusivo considerar-se que a tal processo eleitoral se devem aplicar as regras próprias do procedimento administrativo, podendo-se dizer que o julgador mandou aplicar a um processo eleitoral aquilo que nem o legislador constituinte nem o legislador ordinário pretenderam aplicar ou alguma vez mandaram aplicar, razão pela qual também por este prisma é notório que a decisão em recurso violou frontalmente a tramitação específica constante dos artigos 9º e segs. da Lei nº 169/99.

Por fim, 6ª – O desacerto do aresto em recurso decorre ainda do facto de as normas do CPA apenas serem aplicáveis exclusivamente aos procedimentos administrativos, entendidos como a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à prossecução de uma actividade materialmente administrativa e à obtenção e uma decisão final, expressa num acto administrativo, num regulamento ou num contrato administrativo [vd., neste sentido, ESTEVES DE OLIVEIRA e OUTROS, CPA Comentado, 1º Vol., págs. 96 e 97 e, no mesmo sentido, PAULO FERREIRA DA CUNHA, O Procedimento Administrativo, págs. 57 e segs, e JOSÉ FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2010, pág. 201].

7ª – Consequentemente, a eleição dos vogais de uma junta de freguesia é fruto de um procedimento eleitoral e não de um procedimento administrativo, pelo que, da mesma forma que tal eleição deve observar as regras legais que disciplinam o acto eleitoral – "in casu", as previstas nos artigos 9º, 17º, nº 1 e 24º da Lei nº 169/99 –, também não está sujeita às normas que regulam o procedimento administrativo de formação de um acto administrativo, de um regulamento administrativo ou de um contrato administrativo, pela simples razão que a eleição não traduz nenhum destes instrumentos de prossecução da actividade materialmente administrativa.

” [cfr. fls. 263/273 dos autos].

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul não emitiu parecer.

Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade relevante dada como assente pelo acórdão recorrido foi a seguinte: A) No acto eleitoral autárquico de 29-9-2013, foram eleitos para a Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de ……………, concelho de …………….., o ora autor, os ora contra-interessados José ……………………., José Carlos ………………. e Maria ……………………. – facto admitido por acordo; B) A 16-10-2013, pelas 16.30, todos os membros eleitos compareceram na Vila ……………., concelho de ……………………, na sede da Junta de Freguesia de …………………, perante o...

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