Acórdão nº 13158/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO INÊS …………………….. E IRMÃ FILIPA …………………, menor representada por sua mãe, Isabel ……………., ambas a residir na Praceta Pedro …………., lote 48, 1º Fte, na Amadora, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de SINTRA ação administrativa especial contra INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP – Centro Nacional de Pensões, com sede no Campo Grande, nº 6, em Lisboa, Sendo contrainteressada Marília ………………, com domicílio profissional na Rua ………………., na Amadora.

Pediram o seguinte: - A anulação dos atos administrativos consubstanciados nas cartas que constituem os DOCs. 1, 2, 3 e 4, onde o Instituto informa que vai reduzir a pensão de sobrevivência que as requerentes auferem para o montante de €: 226,40 e as intima para que procedam à devolução de €: 2492,41 que «receberam indevidamente»; - A condenação do Instituto à prática do ato devido em substituição daquele, - A condenação a demandada a adotar os atos necessários a reconstituir a situação que existiria se aqueles atos não tivessem sido praticados.

Após a discussão da causa e por acórdão de 24-9-2015, o referido tribunal decidiu absolver o réu dos pedidos.

* Inconformadas com tal decisão, as autoras interpuseram o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida fundamenta-se apenas no caso julgado, esquecendo, porém, que para o caso julgado ter valor, terá que ser respeitado o princípio do contraditório -art. 3º, n.º 3 do CPC.

  1. Esse princípio nunca foi respeitado, nem na decisão proferida no processo cível n.º 3284/08.2YXLSB-A, da 1ª secção da 6ª Vara Cível de Lisboa, nem sequer na presente sentença.

  2. O princípio do contraditório fica muito fragilizado porque as instituições contra as quais estas ações (neste caso o processo cível n.º 3284/08.2YXLSB tendente à declaração de uma união de facto) são intentadas não dispõem dos meios que lhes permitam pôr em prática - efetivamente - esse princípio, visto não terem o conhecimento das realidades subjacentes a estes casos.

  3. Num processo deste tipo é necessário mitigar, de algum modo, a importância do "caso julgado" sob pena de se estar a perpetuar uma situação fáctica absolutamente contrária à Justiça.

  4. No processo cautelar destinado a obter a suspensão da eficácia de atos, o qual correu como o Proc. n.º 2608/10.7BELSB desse Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, apenso aos autos, se deu como provado que aquela contrainteressada trabalha, auferindo mensalmente a quantia de € 1.034,28, é possuidora de uma quota na sociedade "Vivas ……………., Lda." e é ainda proprietária de dois imóveis na área da Grande Lisboa -als. W), X) e Y) da "Fundamentação de facto" do processo cautela r (a fls. 8 da decisão proferida no mesmo).

  5. Se a Contrainteressada não carecia daqueles montantes (para a sua subsistência), então os mesmos não lhe devem ser pagos, uma vez que é ilegal o facto de a contrainteressada estar beneficiar do "Regime de Prestações por Morte" originado pelo falecimento do beneficiário Sérgio ………………………, pai das ora recorrentes, beneficio esse que só era admissível à luz do disposto na Lei n.º 7/2001, de 11/05 - na redação que esta tinha à data da ocorrência dos factos (2005/2007) - ou seja, só se aquela Contrainteressada tivesse necessidade dessa prestação para a sua é que teria direito a ela, o que, como já se viu, não é o caso.

    Porque, 7. "E aparentemente a Contrainteressada não carece(r) dos montantes que a entidade requerida lhe abona ao abrigo de decisão judicial. " - V/6º parágrafo de fls.17 da decisão proferida no procedimento cautelar.

  6. A união de facto pressupõe, em relação a cada um dos sujeitos da relação, que os mesmos não sejam casados (ou seja, terão de ser solteiros, divorciados ou viúvos), durante pelo menos dois anos.

  7. Tal resulta, sem margem para dúvidas, da Lei n.º 7/2001, de 11/05, mas também está subjacente ao disposto no art. 2020º do CC, uma vez que a unidade do sistema jurídico não permite que a violação dos deveres conjugais seja objeto de proteção legal.

  8. Como a "União de Facto" incide nuclearmente nas áreas sociais e patrimoniais do casamento - nunca nos deveres de vinculação pessoal - o art. 2020º do CC e as Leis n.ºs 135/99 e 7/2001, excluem a separação judicial de pessoas e bens dos factos impeditivos do reconhecimento legal da união de facto, mas tal não acontece quando existe casamento válido, não dissolvido e sem que esteja decretada separação judicial de pessoas e bens, pois só assim se evitam conflitos de interesses e direito conflituantes entre casamento e união de facto.

  9. Os atos impugnados são ilegais não só pelas violações às Leis n.ºs 135/99 e 7/2001, como pela violação do n.º 1 do art. 2020º também do n.º 1, do art. 1672º, ambos do CC.

  10. A sentença recorrida pretende fazer uma aplicação retroativa da lei, ao tentar aplicar a factos ocorridos em 2005/2007 a Lei n.º 7/2001, de 11105, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30/8 - V/parágrafo 2° de págs. 13 da sentença recorrida - violando, assim, o disposto no n.º l do art. 12º do CC, o que, só por si, terá de determinar a sua revogação.

    * Os recorridos contra-alegaram.

    * O M.P., através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

    Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

    Para decidir, este tribunal(1) superior tem omnipresente a nossa Constituição como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

    Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático (por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis), quais sejam, (i) a dimensão factual social (que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real), (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos (que influenciam continuamente o direito também através das janelas do sistema jurídico) e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

    * Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito...

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