Acórdão nº 09878/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE CORT
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

AcórdãoI- Relatório A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 965/983, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por S... A... e S..., contra a retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), incidente sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2007, no valor global de €2.175.996,15.

Nas alegações de fls. 1001/1024, a recorrente formula as conclusões seguintes: (…) XI. O que fica dito permite refutar as seguintes premissas acolhidas na sentença em apreciação: i) que as impugnantes se encontram numa situação objectiva comparável à dos Fundos de Pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa ii) que a presente situação controvertida envolve um tratamento discriminatório das Recorridas face às sociedades residentes em Portugal.

XII. No que tange à primeira premissa , o M. Juíz do Tribunal Tributário de Lisboa em nenhum ponto da sua decisão se refere à origem da globalidade dos rendimentos das Recorridas e ao regime de tributação a que se encontram sujeitas no Estado de residência, não tendo igualmente em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação consagrado na CDT ( v., em especial o seu art. 24.º, n.ºs 2 e 4).

XIII. Ora, neste contexto, convém ter em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objectivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes (v. Acórdão de 14/02/1995, Schumacker, processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, Wielokx, processo C-80/94, Acórdão de 14/09/199, Gschwind, processo C-391/97)(1).

XIV. As impugnantes só se encontrariam em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.

XV. E nem se diga que um Fundo de Pensões residente em Portugal está isento de IRC nos dividendos que lhe são distribuídos, ao passo que um fundo residente na União Europeia está sujeita a uma tributação liberatória à taxa de 20%, pelo que, não restam dúvidas que as situações são comparáveis, ou seja, excluindo o factor residência, um Fundo de Pensões residente em Portugal encontra-se na mesma situação que um Fundo de Pensões não residente, pois ao contrário do afirmado supra, não resulta de monstra da a comparabilidade das situações e m a preço.

XVI. Quanto à incorrecção da segunda premissa, a mesma advém da circunstância de, não se encontrando as Recorridas numa situação comparável às das sociedades residentes, a não aplicabilidade da isenção prevista no art.º 14.º do EBF não implicar um tratamento discriminatório em desfavor daquelas.

XVII. Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, as Recorridas teriam que demonstrar que suportaram uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, v. Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C-234/01).

XVIII. É de frisar que estamos perante matéria de facto e não de direito que cabia às Recorridas demonstrar - a necessidade de fazer prova dos factos constitutivos dos direitos por quem os invoca encontra-se firmada no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT(2), tendo os Contribuintes que a cumprir nas mais variadas situações com relevância fiscal. Não o tendo feito, não é possível invocar o carácter discriminatório da norma em discussão.

XIX. Assim, ao contrário do firmado na sentença em crise, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas que pagam dividendos a entidades, também elas nacionais, estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros EM´s da UE que efectuem operações semelhantes.

XX. Perante a incorrecção das premissas acima assinaladas não é possível concluir, como faz o Tribunal a quo, que a norma interna em discussão conduz, no presente caso, a um tratamento desvantajoso dos rendimentos de fonte nacional obtidos pelos Fundos de Pensões não residentes e à consequente violação do princípio comunitário da não discriminação, plasmado no art.º 56.º do TCE.

XXI. Do mesmo modo, não é de aceitar a transposição directa, para os presentes autos, do Acórdão do TJUE de 06/10/2011, proferido no processo C-493/09, como resulta do teor da sentença em apreciação.

XXII. Decidir com justiça implica decidir com racionalidade prática e com correcção ética ou axiológica, i.e., de uma forma racional e materialmente justa à luz da lei e do Direito.

XXIII. Seguindo de perto a análise crítica de Casalta Nabais, constata-se que a jurisprudência que vem sendo proferida pelo TJUE, a propósito da fiscalidade dos EM´s e da sua compatibilidade com a fiscalidade da União não é isenta de críticas, devido ao seu carácter casuístico e à sua indiferença face aos valores cimeiros que devem presidir às constituições fiscais, como a capacidade contributiva enquanto critério de distribuição dos encargos fiscais e a realização do interesse fiscal do Estado enquanto comunidade política(3).

XXIV. Ora, a decisão de direito da presente causa não pode deixar de atender aos valores e princípios que presidiram à constituição e aprofundamento da União Europeia – a efectiva integração comunitária traduzida na aproximação económica e social dos EM´s mais pobres aos mais ricos –, bem como ao facto de que a liberdade de circulação de capitais não constitui um fim em si mesmo, mas um meio potenciador do crescimento económico, emprego e desenvolvimento.

XXV. Outro aspecto negligenciado pela jurisprudência comunitária, neste domínio, é que o parâmetro fiscal constitui apenas um dos factores que os agentes económicos consideram nas suas opções/decisões, daí o Tribunal não poder concluir tout court que determinada medida fiscal por implicar um eventual tratamento discriminatório contende inevitavelmente com a liberdade de circulação de capitais(4).

XXVI. Cabendo à jurisprudência dar ao concreto problema jurídico em litígio a solução que se revele racional e ético-juridicamente mais adequada, a mesma não se pode ater acriticamente a precedentes que pareçam mais imediatamente aplicáveis ao caso.

XXVII. Acresce que o facto do legislador português na sequência da condenação proferida no citado Acórdão do TJUE de 06/10/2011, ter alterado através do art.º 144.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 /12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2012, a redacção do art. º 16.º do EBF em discussão, não infirma a validade da actuação da Administração.

XXVIII. A Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade. Efectivamente, a Administração Tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi alínea c) do art.º 2.º da LGT(5).

Desta forma, a Autoridade Tributária tem que aplicar os Códigos Fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com a citada al. b) do art.º 2.º da LGT, in casu, as normas constantes do CIRC e do EBF já citadas.

XXIX. Na verdade, tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer Comunitário, pelo que as normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas quanto à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário.

XXX. Assim, é nosso entendimento que a posição das Impugnantes não tem sustentação legal, pois não encontra qualquer respaldo na letra da lei, mormente na letra dos arts. 88.º, n.º 1 (na redacção à data dos factos), 90.º-A, todos do CIRC, no art.º 14.º, n.º 1 do EBF e ainda na al. a) do n.º 1 do art.º 38.º do DL 12/2006, de 20/01. E isto porque, na determinação do sentido e alcance da lei não poderá, nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil (CC), aplicável por remissão expressa da alínea d) do art.º 2.º da LGT, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

XXXI. Tendo em consideração o já acima exposto, designadamente, o facto da diferença de tratamento efectuada pelas normas internas de um EM poder respeitar a situações não comparáveis objectivamente não se pode concluir que aquelas acarretam sempre uma discriminação.

XXXII. Sem prescindir, tendo em conta que, na sequência do citado Acórdão do TJUE de 06/10/2011, o aditamento do n.º 7 ao art.º 16.º do EBF, que isenta de IRC “os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português ”, desde que se verifiquem cumulativamente os restantes requisitos aí enunciados, só entrou em vigor no ano de 2012, ex vi, da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12, a actuação da Administração não merece qualquer censura.

XXXIII. Mais, vem reforçar a posição...

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