Acórdão nº 11930/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO ANA …………………………… e LINO …………………….

(devidamente identificados nos autos), autores na ação administrativa comum que instauraram em 23/11/2013 (Procº nº2750/13.2BELSB) contra o ESTADO PORTUGUÊS – na qual peticionam a condenação do Réu no pagamento da quantia de 150.000,00€, a título indemnizatório, e os juros que se vençam desde a citação até integral pagamento, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável –inconformados com a decisão proferida pela Mmª juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no saneador-sentença de 06/06/2014, que julgou improcedente a ação, absolvendo o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido, vêm dela interpor o presente recurso, pugnando pela sua revogação, com condenação do réu nos termos peticionados.

Formulam os recorrentes nas suas alegações as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. Em tese geral, as asserções que permitem ao Tribunal a quo fundar a sua livre convicção partem de pressupostos errados, quer por não ter sido devidamente avaliada e interpretada a prova produzida nos autos, quer por ter havido uma leitura simplista das dificuldades que opõem os cidadãos à ausência de uma justiça célere, não podendo os Tribunais contribuir para que a verdade se torne definitivamente oculta, sem que haja qualquer ato passível de responsabilização jurídica quando estão em causa magistrados incautos e um Estado europeu que não sabe cuidar de levar à prática mecanismos eficazes de realização do Direito; claro que a rapidez nestes autos foi fácil de se conseguir uma vez que a decisão recorrida se limita, como faz e não devia fazer, pelo menos no caso concreto, a adotar uma 'chapa cinco' de desresponsabilização do sistema estadual e de imputação das inúmeras vias processuais aos desgraçados dos cidadãos que não têm culpa de recorrer aos, tribunais para ver assegurados os seus direitos.

  1. No caso destes autos estamos perante pais que perderam um filho às mãos de médicos que atuaram negligentemente, tendo o seu processo-crime ultrapassado onze (11) anos, o que configura um prazo que ultrapassa todos os limites expectáveis e razoáveis, que se deve ao facto de terem sido violados os prazos de duração máxima previstos na lei para cada fase processual (oito meses para o inquérito, 4 meses para a instrução), já que foram necessários: 2 anos e 7 meses para a conclusão do inquérito; 7 meses para a conclusão da instrução; 3 anos para a conclusão do julgamento — sem que os recorrentes, ou sequer os demais sujeitos processuais, tenham contribuído para essa delonga, o processo-crime esteve pendente em 1ª instância durante mais de seis (6) anos.

  2. Daí até ao trânsito em julgado da decisão definitiva (que teve lugar em 09.01.2013) decorreram, mais cinco (5) anos, o que mesmo que aponte para uma intensa atividade processual em nada permite explicar que o sistema judicial não tenha demonstrado uma capacidade de resposta mais célere para resolver e abreviar todos estes incidentes, requerimentos e recursos — especialmente porque a maior parte deste tempo foi consumida, uma vez mais, por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1ª instância, já que o mesmo violou regras processuais tendo valorado, reapreciado e realterado a prova fixada pela instância superior, o que implicou a necessidade de anulação da primitiva sentença depois de se ter consumido um período de tempo evitável que se traduziu em cerca de mais dois (2) anos de litígio inútil (entre 11.06.2008, data da sentença proferida em 1.ª instância, e 08.11.2011, data do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa); o tempo restante não consumiu mais de seis (6) meses entre pendências no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional.

  3. Nos autos que originaram o presente recurso, os ora recorrentes, sem terem contribuído para qualquer desses atrasos, viram de tudo: decisões de prorrogação de prazos de investigação; prazos de duração máxima ultrapassados para cada uma das fases do processo-crime, o que os obrigou até a fazer pedidos de aceleração processual; paralisação do processo por longos períodos temporais sem qualquer justificação; paralisação do processo por motivo de pendência de recursos sem efeito suspensivo; início e repetição de depoimentos em longas sessões de julgamento; protelamento e adiamento de audiências por "impossibilidade de agenda" do tribunal; uma secretaria judicial com um volume de 800 processos atrasados; pedidos de escusa de juízes e de magistrados do Ministério Público; decisões judiciais de declaração de ineficácia da prova já anteriormente produzida; decisões judiciais proferidas em primeira instância em desobediência a decisões anteriores de Tribunais superiores; decisões judiciais anuladas: vários comportamentos relapsos, inúteis e censuráveis demonstrados por magistrados de 1ª instância!!! 5. É neste contexto específico sério ou legítimo imputar a responsabilidade da ineficácia no funcionamento de um sistema de justiça como este aos próprios cidadãos, a todos os títulos prejudicados por tribunais que não funcionam e que originam excesso de pendência, como faz a decisão recorrida??? 6. Surge neste contexto tão particular a oportunidade de sublinhar a especial preocupação, a todos os títulos legítima, que suscitam as últimas decisões proferidas pelos tribunais administrativos em Portugal, inusualmente céleres, mas todas votadas ao insucesso dos direitos dos particulares, com o único fito de salvaguardar o orçamento do Estado, poupando-o sempre que intervém como parte em ações de responsabilidade: mas ainda assim cabe perguntar se será este o desiderato de um Estado de Direito?!? 7. Nos presentes autos verifica-se a ocorrência dos pressupostos, ditos clássicos, da responsabilidade civil extracontratual do Estado (e que a própria decisão recorrida foi deixando antever à medida que foi utilizando cada um dos argumentos para afastar a obrigação de indemnizar por parte do Estado): a) atos e omissões juridicamente relevantes e, neste sentido, ilícitos; b) culpa; c) prejuízo; d) nexo de causalidade.

  4. Em primeiro lugar estamos perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos, ativos e omissivos, que são dominados ou domináveis pela vontade humana, sendo que tais atos e omissões revestem a natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova; esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em "prazo razoável" e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6º e 19º, nº 1, do Tratado da União Europeia e, nesta perspetiva, infringidos estão os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa.

  5. Em segundo lugar, e concretamente do ponto de vista da culpa, os responsáveis pelas várias fases do processo-crime e, de modo especial os comportamentos titulados pelos responsáveis pelo julgamento, não cuidaram de garantir, com zelo e diligência, o poder/dever de direção que é imposto ao juiz por lei (artigo 6º do CPC) e que foi desrespeitado: a obrigação de "providenciarem pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável" (o sublinhado é nosso), e que no caso concreto permitiu demonstrar a inércia do tribunal fundada na conduta negligente ou omissiva do julgador e imputável globalmente ao Estado, que não se pautou pelo critério da diligência do "bonus pater familiae".

  6. Do que resulta inexoravelmente haver um nexo de imputação ético jurídico que liga o facto à vontade do agente e que exprime uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto — neste sentido, o Estado atuou com culpa na tramitação do processo comum singular durante longos anos, sem cuidar de o fazer em obediência ao dever de agir em prazo razoável.

  7. Em terceiro lugar, conclui-se que existe prejuízo que se funda na própria ofensa ao direito de julgamento num prazo razoável e que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como o Tribunal Constitucional Português, têm vindo a autonomizar, e que se traduz no caso concreto nos vários fatores descritos na petição inicial (prolongamento da dor pela perda de um filho; prolongamento pelo sentimento de impunidade e de injustiça; modificação da personalidade e do caráter com encerramento face aos outros; descrença na sociedade; depressão, perda de sono e redução das atividades que antes davam ânimo e alegria; desgaste psicológico e ansiedade pelo prolongado desfecho do processo judicial; negação do sentimento de Justiça; aviltamento, perseguição e humilhação), sendo este prejuízo autónomo, face à perda do filho que motivou o processo-crime, e indemnizável, à luz dos critérios legais previstos nos artigos 483º, 494º e 496º do Código Civil e no artigo 12º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.

  8. Em quarto lugar, existe nexo de causalidade, no sentido de causalidade adequada, em virtude de as ações e omissões juridicamente relevantes serem suscetíveis de se...

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