Acórdão nº 11849/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*I - RELATÓRIOO Ministério Público intentou no TAC de Lisboa, em 3 Fevereiro de 2014, o presente processo contra o Ministério das Finanças e o Secretário de Estado da Cultura, através de requerimento em cujo: - cabeçalho consta nomeadamente o seguinte: “O Ministério Público, em defesa do Património Cultural e dos bens do Estado vem, ao abrigo do art. 9º nº 2 do CPTA requerer o decretamento provisório da providência cautelar de intimação para abstenção da conduta por violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo, contra (…) Que, como preliminar da acção administrativa comum de condenação à adopção ou abstenção de comportamento, que irá intentar, faz ao abrigo dos arts. 112º n.º 2 al. j) e 131º n.º 1 e 3, todos do CPTA (…)”; - artigo 1º consta o seguinte: “Constitui objecto da presente providência cautelar a intimação dos RR a absterem-se de alienar o acervo de obras de ....., que veio à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do Banco …………. (B……)”; - artigo 72º consta o seguinte: “Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser decretada provisoriamente a providência cautelar de intimação dos requeridos a absterem-se de alienar o acervo de obras de ....., que veio à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do Banco ………………. (B………) de forma a permitir o cumprimento dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente a inventariação e classificação das obras, impedindo-se deste modo a realização do leilão que a leiloeira Christie´s programou para os dias 4 e 5 de Fevereiro”.

Após inquirição de testemunhas e junção de vários documentos, foi proferido decisão às 8 horas e 20 minutos do dia 4.2.2014, com seguinte teor: “Nestes termos, indefiro o decretamento provisório da providência pedida e absolvo as entidades requeridas do pedido”.

Em 1.3.2014 foi proferido despacho determinando a suspensão da instância até ao julgamento definitivo da providência cautelar n.º 271/14.5 BELSB.

Inconformados, o Ministério das Finanças, a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério Público interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul desse despacho que determinou a suspensão da instância.

Por acórdão de 22.5.2014 foi dado provimento aos recursos jurisdicionais interpostos pelo Ministério das Finanças e pela Presidência do Conselho de Ministros e, em consequência, declarada a nulidade da decisão recorrida.

Em 24.9.2014 foi proferida sentença que – após afirmar a legitimidade processual dos requeridos - indeferiu a providência pedida e absolveu as entidades requeridas do pedido.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “« (Texto no original)» “ Os recorridos, notificados, apresentaram contra-alegações, as quais constam de fls. 936 a 997 e 1000 a 1011, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde pugnaram pela improcedência do recurso, bem como, e ao abrigo do art. 636º, do CPC de 2013, solicitaram, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, arguindo a nulidade da sentença recorrida, pedindo a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto e invocando o erro da decisão recorrida ao considerá-los parte legítima.

O Ministério Público respondeu a tal ampliação, pugnando pelo seu indeferimento.

Por acórdão deste TCA Sul de 12.2.2015 foi negado total provimento ao recurso jurisdicional, e assim mantida a decisão recorrida.

Não se conformando com tal acórdão, o Ministério Público dele interpôs recurso de revista para o STA, ao abrigo do art. 150º, do CPTA.

Por acórdão da formação de apreciação preliminar do STA, de 9.9.2015, foi admitido o recurso de revista.

Por acórdão do STA de 20.10.2015 foi concedida a revista, anulado o acórdão recorrido e ordenada a baixa dos autos a este TCA Sul para apreciação da «quaestio juris» omitida.

II - FUNDAMENTAÇÃOPor acórdão do STA de 20.10.2015 foi anulado o acórdão deste TCA Sul de 12.2.2015 e ordenada a baixa dos autos a este Tribunal para apreciação da «quaestio juris» omitida.

Com efeito, nesse acórdão do STA considerou-se que o acórdão deste TCA Sul de 12.2.2015 incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, já que, por erro de perspectiva, absteve-se de resolver a questão de saber se, in casu, era ou não de activar o preceituado no art. 118º n.º 1, do CPTA.

Passando, então, à apreciação da referida questão.

Nas conclusões 3ª a 5ª e 7ª a 9ª, das alegações de recurso, o Ministério Público alega que o elenco factual acolhido na sentença recorrida está errado, pois, por força da cominação a que alude o art. 118º n.º 1, do CPTA, a factualidade atendível devia limitar-se aos factos por si alegados no requerimento inicial.

Estatui o art. 118º n.º 1, do CPTA, o seguinte: “Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”.

Conforme explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, págs. 786 e 787, em anotação a este art. 118º: “1. De acordo com o n.° 1, a falta de oposição ao processo cautelar implica a presunção da veracidade dos factos invocados pelo requerente, o que deve entender-se como correspondendo à confissão dos factos alegados no requerimento, por aplicação do efeito de revelia estabelecido no artigo 484.° do CPC (1).

(…) Chama-se a atenção para o facto de que, deste modo, se introduz, neste domínio, o efeito da revelia (…), com o que se atribui grande importância à apresentação de contestações no processo cautelar.

” (sublinhado e sombreado nossos).

Deste art. 118º n.º 1 resulta, portanto, que, na falta de apresentação de contestação no processo cautelar, consideram-se plenamente provados - por confissão - os factos alegados no requerimento inicial.

Retomando o caso vertente verifica-se que os ora recorridos foram citados em 5.2.2014 (cfr. os avisos de recepção constantes de fls. 637 e 639, dos autos em suporte de papel), através dos ofícios constantes de fls. 45 e 46, dos autos em suporte de papel, para deduzirem oposição ao presente processo cautelar, no prazo aí fixado e com a cominação de que, na falta de oposição, se presumiam verdadeiros os factos alegados pelo requerente.

Na sequência dessa citação os recorridos não apresentaram contestação.

Nestes termos, têm de se considerar plenamente provados - por confissão - os factos alegados no requerimento inicial.

Na sentença recorrida assim não se entendeu, pois aí foram dados como assentes os factos dados como provados no incidente de decretamento provisório, verificando-se que o elenco factual dado como provado na decisão recorrida, e como se salienta no Ac. do STA de 20.10.2015, é diverso do indicado pelo Ministério Público no requerimento inicial, o que é inadmissível, atento o disposto no transcrito no art. 118º n.º 1, conjugado com o estatuído no art. 5º n.ºs 1 e 2, als. a) e b) – as alíneas a contrario -, do CPC de 2013.

Acresce que, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, cit., pág. 876, em anotação ao artigo 131º, “O pedido de decretamento provisório de providências cautelares não dá, pois, origem a um processo cautelar especial, mas, mais propriamente, a um incidente do processo cautelar. Pode, por isso, até certo ponto, dizer-se que, nas situações abrangidas pela previsão do artigo 131º, o processo de decretamento provisório está para o processo cautelar, tal como este está para o processo principal” (sublinhado nosso).

Ora, do disposto no art. 113º n.º 2, do CPTA, conjugado com o art. 364º n.º 4, do CPC de 2013, decorre que o julgamento da matéria de facto proferido no procedimento cautelar não tem qualquer influência no julgamento da acção principal (cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, cit., págs. 762 e 763), pelo que o julgamento da matéria de facto proferido no incidente de decretamento provisório não tem qualquer influência no julgamento do procedimento cautelar (tal como a oposição que os recorridos deduzam no incidente de decretamento provisório não releva no procedimento cautelar).

Nestes termos, não se pode manter a factualidade relevante dada como indiciariamente assente (nem os factos considerados como não provados) na sentença recorrida, a qual, e tendo em conta o disposto no art. 118º n.º 1, do CPTA, é substituída pelos seguintes factos provados: 1) O Estado Português adquiriu um espólio de 85 obras do pintor e artista Joan ....., após a nacionalização das acções do Banco ………………. (artigos 7º, 20º e 24º, do requerimento inicial).

2) O Governo Português, por determinação do Ministério das Finanças, pretende alienar as 85 obras de Joan ....., referidas em 1), através de leilão a realizar pela leiloeira Christie’s (artigos 7º, 21º e 22º, do requerimento inicial).

3) O Ministério das Finanças detém os poderes de gestão do Património do Estado Português, tendo exercido a tutela efectiva sobre as sociedades de capitais exclusivamente público que geriram o espólio de Joan ..... até ao presente (artigos 8º e 21º, do requerimento inicial).

4) A leiloeira Christie’s divulgou um pequeno filme para promover o leilão (artigo 23º, do requerimento inicial).

5) O leilão das obras de Joan ....., referidas em 1), esteve agendado para 4 e 5 de Fevereiro de 2014, não se tendo realizado (artigo 24º, do requerimento inicial; no que respeita à parte final deste facto teve-se em conta o disposto no art. 611º, do CPC de 2013, conjugado com fls. 933 a 935, dos autos em suporte de papel).

6) As obras de Joan ....., referidas em 1), possuem enorme qualidade e valor cultural (artigo 23º, do requerimento inicial).

7) A notícia da alienação das obras de Joan ....., referidas em 1), tem suscitado comoção na comunicação social portuguesa e internacional (artigo 26º, do requerimento inicial).

8) A opinião pública portuguesa tem expressado apreensão pela lesão do bem comum...

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