Acórdão nº 13599/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução22 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO VERONICA …………………………….

, cidadã da Guiné-Bissau (devidamente identificado nos autos), autora na ação que instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (Proc. nº 2094/15.5BELSB) contra o Ministério da Administração Interna, na qual impugna decisão de recusa de autorização de residência por proteção subsidiária da autoria do Secretário de Estado da Administração Interna (SEF) peticionando a sua substituída por outra que defira a autorização de residência, inconformado com a sentença de 03/06/2016 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa que julgou a ação improcedente, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões de recurso nos seguintes termos: a) Inconformada com a sentença, interpõe a Autora o presente recurso, por considerar que a sentença ora recorrida não lhe permitiu fazer prova do que é por si alegado, nomeadamente não admitindo a prova testemunhal indicada.

b) Aliás, o tribunal “a quo” nem sequer se pronunciou sobre a admissão ou não do requerimento probatório, em que foram indicadas duas testemunhas a serem ouvidas.

c) Existe nos autos prova documental que leva a crer na razão da Autora, ao recear pela integridade física sua e dos seus filhos, nomeadamente o relatório da Aministia Internacional.

d) Todo o histórico familiar da Autora também demonstra só por si um válido fundamento para que o pedido fosse atendido.

e) O tribunal “a quo” não pode deixar de se pronunciar sobre a admissão ou não do requerimento de inquirição de duas testemunhas, fundamentais para o esclarecimento da verdade dos factos.

f) Mais não pode o Tribunal “a quo” proferir sentença em que menciona que não foi feita prova suficiente que permita deferir os pedidos, quando não possibilita que essa prova seja feita.

g) Em completo atropelo às regras processuais legais existentes no ordenamento jurídico português garantes do cumprimento da Constituição.

h) Face ao supra exposto, agradece a Autora que Vªs Exªs mandem ser ouvidas as testemunhas indicadas, ou que o tribunal “a quo” fundamente devidamente a recusa em ouvir as mesmas.

O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul neste notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. Sendo que dele notificadas as partes nenhuma respondeu.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/DESQUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, a única questão que vem colocada a este Tribunal é a de saber se a sentença recorrida deve ser anulada, com fundamento em défice instrutório, face à circunstância de o Tribunal a quo ter decidido a causa sem produção da prova testemunhal arrolada pela autora na sua petição.

* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto Na sentença recorrida foi dada como provada pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos: Vista a prova documental constante dos autos, dão-se como provados os seguintes factos com interesse para a decisão: a) A A. é cidadã nacional da Guiné Bissau - doc. de fls. 2 do P.A.; b) Entrou em TN a 01/07/2013, vinda de Bissau, juntamente com dois filhos menores - doc. de fls. 8 do P.A.; c) Em 09/08/2013, apresentou, para si e para os seus dois filhos menores, pedido de protecção internacional junto dos serviços do R. - doc. de fls. 9 e 10, 16 do P.A.; d) Em 13/01/2014, prestou as seguintes declarações junto dos serviços do SEF: "(. ..) A identidade que forneceu é a sua verdadeira identidade? Sim.

Qual é a sua religião? Sou cristã, protestante.

Qual é o seu estado civil? Sou viúva, vivia em União de Facto.

Onde está o seu companheiro? Morreu a 24.02.2013, ele tinha muitos problemas de saúde. Foi operado em Portugal e ficou várias vezes internado. A última vez foi em 2011/2012, aliás o meu filho mais novo acabou por nascer aqui em Lisboa.

P: Onde vivia e com quem? R: Vivia em Bissau com o meu companheiro e os meus 3 filhos. Os meus filhos mais velhos são filhos do meu ex-companheiro.

P: Qual era a sua actividade laboral e a do seu companheiro? R: Trabalhava como administrativa na empresa de construção civil do meu cunhado. O meu companheiro era Assessor Jurídico do presidente da Assembleia da Republica, mas também tinha um escritório, onde exercia advocacia.

P: Desde quando é que o seu companheiro exercia um cargo governamental? R: Antes de eu o conhecer teve vários cargos, foi Secretário do Estado Tesouro e Orçamento, depois foi ministro de presidência, Conselheiro de Presidente da República e foi professor da universidade de direito da Guiné. Quando o conheci em 2003, foi nomeado Presidente do Instituto de comunicação da Guiné-Bissau, depois nomeado Ministro de Transporte e depois foi assessor jurídico de presidente da Assembleia, e como já disse também exercia advocacia.

P: Porque motivo, deixou o seu país de origem? R: Depois da morte do meu marido, começou as ameaças pelo telefone. Quando o meu companheiro morreu, fiquei com o seu telemóvel. Um dia tocou o telemóvel e era um homem a exigir um documento. Ao princípio pensava que se tratava de algum cliente, que queria alguma coisa do escritório. Porque após a morte do meu marido, algumas pessoas vieram ter comigo, para lhes entregar documentos, para poderem procurar outros advogados. Mas depois voltaram-me a ligar, no mesmo dia, a dizer se não entregasse o documento, iria morrer. Fiquei muito assustada, peguei nos documentos dos meus filhos e fui para casa da minha irmã.

P: Porque se assustou assim tanto, ao ponto de sair logo de casa? R: O meu marido era político, embora doente, era uma pessoa muito activa, ele fazia parte do Partido Renovação Social. Uns tempos antes de ele morrer, foram lá a casa uns homens que exigiam a ele uns documentos. Perguntei-lhe quem eram esses homens, e ele disse que não tinha a certeza, mas que julgava que eram militares.

P: Mas estavam fardados? R: Não.

P: E depois? R: Depois de ter contado à minha irmã, ela aconselhou-me a fugir do país, pois no meu país, não existe qualquer segurança. A polícia não atesta a segurança da população. A minha irmã começou-me a recordar-me o que acontece normalmente às mulheres dos políticos, não são assassinadas, mas violadas e mal tratadas. Comecei a tomar consciência do que me podia acontecer e tratei dos Vistos para sair do país. Accionei o protocolo da Assembleia e pedi vistos.

P: Quando é que esta situação ocorreu? R: As cerimónias fúnebres do meu marido demoraram cerca de 2 meses. E as ameaças foram depois, não tenho a data precisa, mas devem ter sido em Maio.

P: Apresentou alguma queixa junto das autoridades policiais ou junto de alguma entidade governamental? R: Não, isso não funciona. Até apanharam o primeiro-ministro e bateram nele. Não existe justiça no meu país. Acontece muitas vezes a justiça decretar uma coisa e logo a seguir os militares dizem e fazem o contrário.

P: Alguma vez foi ameaçada ou perseguida pelo facto de ser membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social no seu país de origem? R: Uma vez fui ameaçada pela comunidade protestante, quando passei a estudar a bíblia com as Testemunhas do Jeová.

P: Mas fugiu do seu país por esse motivo? R: Não, isso já aconteceu em 2009.

P: Então nunca foi perseguida ou ameaçada por alguma actividade exercida por si? R: Não.

P: O que a senhora pretende? R: Pretende ficar em Portugal, agora que a situação do meu país melhorar. Quero arranjar trabalho, para poder ajudar o meu filho que ficou na Guiné e que está a estudar. Eu quero regressar à Guiné logo que a situação acalme. Tenho lá mais coisas do que aqui em Portugal.

P: Desde que chegou a Portugal tem tido contacto com alguém da Guiné-Bissau? R: Cerca de uma semana de ter chegado, a minha irmã veio a Portugal, acompanhar a filha que veio fazer tratamentos médicos. Ela contou-me que a minha casa foi vandalizada, mas não se sabe por quem. E que a minha quinta já foi ocupada, por uma pessoa de etnia balanta, como se não a quinta não tivesse proprietário. Como pode ver no meu país não existe nem segurança, nem justiça, cada um faz o que quer.

P: Alguma vez foi maltratado ou ameaçado pelas autoridades da Guiné-Bissau? R: Não.

P: Alguma vez esteve presa? R: Não.

P: O que receia se tiver que regressar ao seu país de origem? R: Tenho medo, porque sinto que a minha vida corre perigo. Não tenciono regressar, tenho de pensar na segurança dos meus filhos.

P: Tem mais alguma coisa acrescentar as declarações prestadas? R: Peço ajuda.

(...)" - doc. de fls. 19 do P.A.; d) Em 21/01/2014, o Conselho Português para os Refugiados pronunciou-se pela admissibilidade do pedido de asilo apresentado, com vista à concessão de protecção subsidiária à requerente e aos seus dois filhos menores, nos termos do art.º 7.º da Lei nº 27/2008 de 30 de Junho - doc. de fls. 26 do P.A.; e) Em 28/01/2014, foi elaborada proposta de decisão no sentido de admitir os pedidos para avaliação de eventual enquadramento no regime de proteção subsidiária previsto no art.º 7.º da lei nº 27/2008 de 30 de Junho, o que foi feito nos seguintes termos: "(...) a) Da apreciação da admissibilidade do pedido A requerente declara que abandonou o seu país de origem, por ter sido ameaçada. A requerente afirmou que o seu falecido marido era uma pessoa...

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