Acórdão nº 07751/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO V…………. – Sociedade …………., SA, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o Ministério da Defesa Nacional e o Contrainteressado Gilberto ……………..

, na qual pediu o reconhecimento da existência do direito de preferência na atribuição do título de utilização de recursos hídricos e que reúne todas as condições para o exercer, devendo ser notificada da identificação e condições da proposta que mereceu vencimento no concurso, e ainda que seja prorrogado o prazo de validade do título de que é detentora até decisão final do procedimento concursal.

Por saneador-sentença daquele Tribunal datado de 09/11/2010, tal ação foi julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido.

Inconformada a aqui Recorrente apelou para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por despacho de 04/05/2011, ordenou a remessa dos autos para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Termina a Recorrente as suas alegações (cfr. fls. 142 – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), com as seguintes conclusões, que infra se reproduzem: “1.

A decisão proferida pelo tribunal a quo é nula por constituir verdadeira decisão surpresa em violação do princípio do contraditório vertido no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil integrante do direito fundamental de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa. A Senhora Juiz a quo em saneador proferiu uma verdadeira decisão surpresa sem antes ter dado conta às partes no processo da questão de direito sob cuja óptica iria apreciar as pretensões formuladas.

  1. A alegada revogação do DL 226-A/2007, de 31 de Maio, maxime do seu artigo 21º pelo nº 2 do artigo 14º do DL 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos é questão nunca invocada pelas partes na presente acção ou no procedimento cautelar que a precedeu ou suscitada pela Senhora Juiz - que também é a mesma desta acção - nem pelo Tribunal Central Administrativo Sul que se pronunciou sobre o diploma, até à prolação da decisão em crise.

  2. Por ser nulidade processual que influi directamente na decisão da causa e tendo sido cometida a coberto de decisão recorrível, deve a mesma ser arguida em sede deste recurso e perante V. Exªs.

  3. Em causa na decisão de que se recorre está um direito substantivo, o direito de preferência atribuído a anterior titular de uso privativo do domínio hídrico, devidamente graduado com outro atribuído ao primeiro requerente, estabelecido no nº 7 do artigo 21° do DL 226-A/2207, de 31 de Maio.

  4. A parte III do CCP será aplicável à relação contratual jurídico administrativa em causa nos autos apenas na falta de lei especial, como prescreve o artigo 280º do CCP e como sempre imporia o nº 3 do artigo 7º do Código Civil.

  5. A conclusão de que aos usos privativos do domínio público hídrico se aplica a parte III do CCP não demonstra que o Diploma que o regula especialmente se encontre revogado, bem pelo contrário, é nesta parte do Código que se compreende melhor a mente do legislador quanto à manutenção dos regimes especiais.

  6. O regime jurídico de contratação pública consagrado no CCP é aplicável, com as necessárias adaptações aos procedimentos destinados à atribuição unilateral, por qualquer entidade adjudicante, de quaisquer vantagens ou benefícios através de acto administrativo ou equiparado, nos termos do disposto do nº 3 do artigo 1° do mesmo código.

  7. O nº 2 do artigo 14º do DL 18/2008, de 29 de Janeiro não pretendeu uma revogação global ou por substituição de toda a legislação especial (não transitória) reguladora de matérias do Código - quer da parte relativa à contratação pública quer da parte relativa ao regime substantivo dos contratos administrativos, devendo considerar-se que a legislação especial anterior à entrada em vigor do CCP se mantém em vigor.

  8. A revogação tácita global, por substituição em bloco de toda a regulamentação jurídica anterior, não pode deixar um enorme vazio legal, pelo que não pode entender-se que a matéria da lei anterior que não for regulada pela lei nova não pode ser considerada como matéria que a nova lei pretendeu regular; e, portanto, tal matéria não foi revogada e mantém-se em vigor.

  9. A Parte II do CCP aplica-se à formação dos contratos se nela se puderem encontrar directamente regras para a determinação dos respectivos procedimentos aplicáveis. Ora, prescreve-se no artigo 17º, nº 4, do CCP, que nas situações de benefício económico para o adjudicatário não quantificável se considera que o contrato é um contrato sem valor. E, nos termos do artigo 21º, nº 2 do Código, para a formação dos contratos sem valor pode ser adoptado qualquer um dos procedimentos referidos no nº 1 da mesma norma, ou seja, alternativamente, o concurso público, o concurso limitado por prévia qualificação ou ajuste directo. Vemos assim que a regra de escolha de procedimentos do Código, nestes casos, será tendencialmente a livre e discricionária opção por qualquer um dos procedimentos acima referidos, dado que tendencialmente, também, o benefício económico do adjudicatário nestes contratos será de difícil quantificação.

  10. Por opção do legislador (art. 5º nº l) ficam de fora da aplicação da Parte II do Código todos os contratos administrativos que não pressupõem tipicamente um apelo à concorrência do mercado - embora obviamente se lhes aplique a respectiva Parte III.

  11. O direito de preferência estabelecido no artigo 21º do DL 226-A/2007, de 31 de Maio, é claramente uma norma relacional ergo substantiva que atribui um direito subjectivo ao titular de anterior título de uso privativo do domínio público hídrico.

  12. A fim de bem interpretar a vontade do legislador torna-se necessário proceder a uma análise sistemática e à luz da estrutura do CCP, seus princípios informadores, regras invioláveis, também pelo próprio Estado, princípios da boa interpretação do direito e da sua aplicação, atente-se assim que: a) O CCP divide-se em três grandes partes: I - Disposições Gerais; II - Contratação Pública e III - Regime substantivo dos contratos administrativos.

    b) O DL Preâmbular que aprovou o CCP afirma, no nº 2 do artigo 14 ficar revogada toda a legislação relativa às matérias reguladas pelo CCP, seja ou não ele compatível, sendo que a revogação expressa de diplomas se encontra no nº 1 do mesmo preceito.

    1. o nº 3 do artigo 7° do Código Civil é claro ao proibir que a lei geral revogue lei especial.

    2. a aplicabilidade da Parte II do CCP quanto à atribuição de usos privativos do domínio público, atenta a definição de contrato público avançada pela Directiva que levou à aprovação do CCP, tem sido vastamente discutida pela doutrina, ou seja se as normas adjectivas/procedimentais da contratação pública aprovada se aplicam àquelas atribuições.

    3. ainda que se conclua que se aplica a parte II e a Parte III do CCP à atribuição de usos privativos, atendendo ao disposto no artigo 280º do mesmo CCP, as normas substantivas - os direitos subjectivos atribuídos pela legislação especial - continuam a existir e a obrigar a Administração Pública a reconhecê-los e respeitá-los.

    4. o exercício do direito de preferência, caso se considere o procedimento estabelecido na anterior legislação revogada, sempre terá de seguir as regras gerais do direito civil.”.

    Pede que o recurso seja admitido e julgado procedente e, em consequência, deve ser declarada a nulidade da decisão por preterição do princípio do contraditório e ser reconhecida a aplicabilidade do D.L. n.º 226-A/2007, de 05/05 e, em consequência, o direito de preferência estabelecido no seu nº 7 do artigo 21.º e subsequentes pedidos.

    * O Recorrido, Gilberto ……………… contra-alegou (cfr. fls. 220 e segs.), assim tendo concluído: “1. No presente recurso há também questões de facto a resolver, nomeadamente a contradição entre os pontos 11 e 12 do rol dos factos tidos por provados, pelo que o presente recurso deverá ser julgado como apelação e não como revista, sendo competente para o conhecer o Tribunal Central Administrativo Sul; 2. O procedimento concursal em análise nos presentes autos ou se iniciou com um pedido da recorrente ou se iniciou por iniciativa da entidade administrativa; 3. Nos autos existe apenas uma declaração da recorrente quanto ao “seu interesse na renovação da licença” e não um pedido formal de abertura de um procedimento concursal ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 21º do DL n.º 226- A/2007 de 31 de Maio.

  13. Não constam dos autos quaisquer elementos probatórios que permitam concluir que a recorrente apresentou sequer os elementos constantes das diversas alíneas do referido nº 4 do art. 21º que vimos citando.

  14. Não existem também elementos que demonstrem que sobre a referida declaração de “interesse na renovação da licença” apresentada pela recorrente recaiu qualquer acto administrativo que determinasse a abertura de um procedimento concursal ao abrigo daquela norma nem que a entidade recorrida tivesse publicitado o alegado pedido.

  15. Foi através do Edital nº 107/2009 de 23 de Outubro que se iniciou o procedimento concursal.

  16. Pelo que se impõe a alteração da supra referida matéria de facto, passando a constar do ponto 11 que a recorrida apresentou uma declaração do seu interesse na renovação da licença, mantendo-se a matéria constante do ponto 12 do rol dos facto tidos por provados.

  17. É convicção do recorrido que as regras de direito aplicáveis ao caso dos autos se encontram, na sua generalidade, no que prescreve o Decreto-Lei nº 226-A/2007 de 31 de Maio; 9. De outro lado, a licença da recorrente para a época balnear de 2009 caducou em 30 de Setembro de 2009, prazo este que consta do próprio texto do título, elemento exigido pela própria letra...

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