Acórdão nº 6/14.2BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório T.................. – SINALIZAÇÃO …………….., LDA., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo do Funchal, contra o MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ, acção administrativa comum, em que formulou o seguinte pedido: “(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:

  1. O Réu condenado a pagar à Autora a quantia €16.037,13 (dezasseis mil e trinta e sete euros e treze cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data de vencimento da fatura até efectivo e integral pagamento.

  2. Caso assim não se entenda, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia de €16.037,13 (dezasseis mil e trinta e sete euros e treze cêntimos), a título de restituição por enriquecimento sem causa, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data de vencimento da fatura até efectivo e integral pagamento.

  3. Deve ainda o Réu ser condenado nas custas do processo e demais encargos legais.” Por sentença de 4.05.2016 a acção foi julgada procedente, com fundamento em enriquecimento sem causa, e o R. condenado no pedido.

Nas alegações do recurso interposto o ora Recorrente, conclui do seguinte modo: 1. O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, alegando, em síntese, erro de julgamento na aplicação do direito no caso concreto.

2. Veio a Recorrida intentar acção administrativa comum contra o Recorrido com fundamento na falta de pagamento do valor constante da factura n.º A/163, datada de 16-10-2013, com a quantia de €16.037,13; 3. A referida factura diz respeito ao fornecimento de bens levado a cabo pela Recorrida no cumprimento da obrigação a que estava adstrita para com o Recorrente; 4. A Recorrida pede a tribunal, como pedido subsidiário, que o Recorrente seja condenado ao pagamento da referida quantia a título de restituição por enriquecimento sem causa.

5. Na resolução da questão controvertida aqui em apreço, o tribunal a quo decidiu julgar procedente o pedido subsidiário da recorrida, condenando injustamente o Recorrente ao pagamento do valor de € 16.037,13 acrescido de juros vencidos contados desde 16.10.2013, e vincendos à taxa legal.

6. O tribunal a quo faz um pré-juízo errado de que tem de haver condenação “a todo o custo”.

7. Assiste razão ao Recorrente pelo facto de a sua conduta estar conforme as disposições legais aplicáveis no caso.

8. Em virtude do desrespeito pelas normas constantes nos n.ºs 1, 3, 4 e 5 do artigo 5.º e ainda dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 9.º da Lei 8/2012 de 21 de Fevereiro, Lei dos Compromissos e Pagamentos em atraso, bem como das normas do Código dos Contratos Públicos, o Recorrente procedeu à devolução da factura n.º A/163 com a data de emissão de 16/19/2013, no valor de €16.037,13.

9. A recorrida bem sabia da necessidade de observar os requisitos legais exigidos, a constar da referida factura, tendo sido inclusivamente alertada pela Câmara Municipal de Santa Cruz aos 12/11/2013, pela pessoa do Vice-Presidente que lhe remeteu o ofício n.º 16405/2013, onde constava “Pelo presente vem o Município de Santa Cruz devolver a V. Exas. a factura n.º A/163, com data de emissão de 16/10/2013, no valor de €16.037,13, apensa à vossa comunicação com o numero de registo interno 15140 de 18/10/2013, em virtude da factura em causa não respeitar o n.º1,3,4 e 5 do artigo n.º5, e ainda o n.º 1,2 e 3 do artigo n.º9 da lei n.º 8/2012 de 21 de Fevereiro, Lei dos Compromissos e Pagamentos em atraso, bem como, o Código da Contratação Pública, realçando o facto de inexistência de contrato para a despesa em causa.” 10. A Recorrida pede subsidiariamente a restituição da quantia de € 16.037,13 a título de enriquecimento sem causa sem que para tal tenha sustento legal, não obstante, o tribunal a quo dá-lhe razão.

11. Com o devido respeito, a decisão do douto tribunal não faz um correcto enquadramento dos factos à lei.

12. A decisão ora recorrida enferma de erro de julgamento.

13. Ora, para que se verifique a obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, teria de verificar-se in casu o preenchimento cumulativo de vários requisitos.

14. A lei exige que haja um enriquecimento, que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, que seja obtido à custa do empobrecimento de outrem e que não haja um acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo deste e a vantagem obtida pelo enriquecimento.

15. O tribunal a quo ignora o não preenchimento de um dos requisitos impostos pela lei e não desenvolve fundamentadamente os elementos concretizadores do enriquecimento sem causa.

16. Se o tivesse feito, como era devido, teria chegado à conclusão de que na base do enriquecimento estava uma relação jurídica contratual mantida entre as partes e mais, 17. Teria constatado que se aplica no presente caso a lei n.º 8/2012 de 21 de Fevereiro que bloqueia a pretensão da Requerida.

18. O tribunal a quo não desenvolve o raciocínio levado a cabo, fazendo “tábua rasa” dos argumentos validamente invocados pelo Município de Santa Cruz.

19. O instituto que serviu de moleta à condenação injusta do Recorrente tem aplicação subsidiária e como tal só tem lugar na falta de acto jurídico que fundamente o enriquecimento.

20. O que parece o douto tribunal não ter entendido é que subsidiariedade não significa que se aplique como “fuga de escape” nos casos em que não há outro sustento para a condenação.

21. O eixo central da modelação da figura do enriquecimento sem causa é a inexistência de uma causa para o enriquecimento, não pode haver uma causa justificativa que legitime o empobrecimento, que, no presente caso, existe.

22. No caso sub judice houve, de facto, uma relação jurídica entre o Recorrente e a Recorrida, não obstante ter sido – e bem – declarada nula pela sentença recorrida.

23. Ou seja, há causa que justifique o empobrecimento sempre que entre o empobrecido e o enriquecido tenha havido uma relação jurídica contratual 24. Na falta de um dos requisitos cumulativos, conforme os artigos 473.º e 474.º do Código Civil não se verifica enriquecimento sem causa, e como consequência não pode ser o recorrente condenado a este título.

25. Com o merecido respeito, inexiste sustento legal para a posição sufragada pelo tribunal a quo.

26. A posição da Recorrida não podia ter sido aplaudida, tal levou à condenação injusta do Recorrente.

27. Por todas as razões explanadas, é de concluir que a quantia de €16.037,13 não é devida.

28. E mais, para além de não estar preenchido um dos pressupostos necessários à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, não podemos olvidar que ao presente caso tem aplicação a lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro – Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso (LPCA).

29. Atendendo ao disposto no artigo 2.º n. º 1 e n. º 2 bem como ao artigo 3.º al. e) é possível concluir que tanto o âmbito material como o âmbito subjectivo de aplicação desta lei se acham verificados.

30. Com efeito e para o que cumpre agora tratar, o n. º 3 do artigo 5.º prevê a obrigatoriedade de aposição de número de compromisso válido e sequencial, a ser refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente.

31. Contudo, pode constatar-se que o número de compromisso legalmente exigido não existe em nenhum dos documentos (facturas, guias de consignação, etc).

32. Uma vais mais, o pagamento da quantia peticionada pela Recorrida não pode exigido atendendo ao disposto nesta lei, ora vejamos, 33. O seu artigo 9.º n.º 2 prevê que “ Os agentes económicos que procedam ao fornecimento de bens ou serviços sem que o documento de compromisso, ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente possua a clara identificação do emitente e o correspondente número de compromisso válido e sequencial, obtido nos termos do n.º3 do artigo 5.º da presente lei, não poderão reclamar do Estado ou das entidades públicas envolvidas o respetivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma”.

34. É possível inferir da letra da lei que o legislador afastou a possibilidade de vir reclamar o pagamento sob qualquer forma, o que naturalmente incluirá o pedido de ressarcimento com base no instituto do enriquecimento sem causa.

35. A não possibilidade de reclamação de pagamentos constitui uma consequência jurídica de natureza individual.

36. Da análise das obrigações jurídicas decorrentes da LCPA, intui-se que, na assunção de compromissos, para além de terem de ser cumpridas condições materiais, também terão de ser observadas as disposições que disciplinam os seus aspectos formais.

37. Uma dessas condições formais é a que consta do n. º 3 do artigo 5.º.

38. A sua violação resulta na emergência de uma específica consequência na esfera jurídica dos agentes económicos (ora Recorrida) perante os quais o compromisso haja sido desconformemente assumido.

39. Da leitura atenta ao artigo 11.º da LCPA podemos retirar uma outra consequência jurídica de natureza subjectivo-individual que consiste na imputação de diversos regimes de responsabilidade dos agentes que assumam compromissos em desconformidade com o preceituado nas normas da LCPA.

40. Em função da natureza do acto praticado e das correspectivas consequências despoletadas, podemos estar perante uma responsabilidade...

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