Acórdão nº 01894/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | EUGÉNIO SEQUEIRA |
Data da Resolução | 09 de Outubro de 2007 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.
-
A..., Argilas do Centro, SA., identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente improcedente o recurso judicial interposto contra a decisão que lhe aplicou a coima, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: 1. A sentença deve ser revogada.
-
A título de questão prévia, diga-se que o processo, e a decisão, estão feridos de nulidade, a qual é insanável e de conhecimento oficioso.
-
Nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos.
-
Nos termos da jurisprudência constante do STA, "Em processo de contra-ordenação fiscal, constitui nulidade insuprível, por força do disposto no artº 63°, n° 1, al. d) do RGIT, a falta de indicação, na decisão de aplicação da coima, dos elementos que contribuem para a sua fixação. II - Assim, não satisfaz aquele requisito, exigido pelo artº 79°, n° 1, al. c) do RGIT, a remissão para uma informação que conste do processo de contra-ordenação." (cfr. Ac. de 22.02.2006, proferido no processo n° 0834/05, entre outros).
-
O artº 79°, n° 1, alínea c) do RGIT, exige que os elementos que contribuíram para a fixação da coima sejam indicados na decisão, pelo que não basta a referência a um documento distinto dela em que eles eventualmente venham indicados.
-
No caso concreto, a decisão de aplicação da coima não satisfaz a indicação, concreta e circunstanciada, dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.
-
Pelo contrário, faz-se tão-só a remissão para outras peças do processo, usando-se a seguinte expressão: "Atendendo às condições objectivas e subjectivas que rodearam o ilícito e que vem noticiado a fls. 2, o informado a fls. 8, e no uso da competência prevista na alínea b) do artº 52° do RGIT, aplico a coima de (...)".
-
Ora, atento o Acórdão referido, nomeadamente, não é admitida em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, excepto quando a coima se fique pelo mínimo legal.
-
Variando a coima entre 20% e a totalidade do imposto omitido, isto é, entre 7.137,02€ e 35.685,12€ (relativos a IVA), a coima fixada, no valor de 7.500,00€, suplanta o montante mínimo aplicável, pelo que, não está a Administração dispensada de indicar os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
-
É, por isso, de todo irrelevante que a graduação da coima não se afigure "desajustada", nomeadamente, em função do "cadastro" da recorrente.
-
A lei é clara, e não se compadece com interpretações.
-
A lei obriga a Administração Tributária a fundamentar expressamente a fixação da coima sempre que esta exceda o mínimo legal (de 20% do valor do imposto não entregue).
-
Assim, mesmo que exceda apenas em 0,1%, por hipótese, a decisão deve ser fundamentada.
-
Trata-se de uma norma instituída em função do interesse dos contribuintes em ter acesso, em tempo útil, aos fundamentos da decisão que determina a sanção aplicável.
-
Interesse que corresponde a um direito fundamental destes, que não pode ser suprimido ou comprimido em função de tergiversações interpretativas.
-
Aliás, a entender-se que a (letra) da lei não constitui um limite inultrapassável, imposto em nome do interesse dos administrados, então estaria aberta a via para a Administração, "grão a grão", ir coleccionando mais alguns cêntimos, sem ter o dispêndio de tempo e trabalho a fundamentar adequadamente as suas decisões, como se lhe impõe.
-
Compulsando os princípios da legalidade, boa-fé proporcionalidade vigentes no ordenamento tributário em geral (e, "mutatis mutandis", no ordenamento penal), tal entendimento constituiria uma intolerável agressão aos mais elementares direitos dos contribuintes.
-
Na verdade, o direito à fundamentação das decisões é considerado por todos como um esteio do Estado de Direito Democrático.
-
Assim sendo, a decisão recorrida é nula, nos termos conjugados dos artºs 79°, n° 1, alínea c) e 63°, n° 1, d), ambos do RGIT.
-
Nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos, devendo a decisão recorrida ser revogada, com todas as legais consequências, o que se requer.
-
Dado que não se pode aceitar que, em face de nulidade insanável, o Tribunal "a quo" reduza o montante da coima até aos limites legais mínimos, convalidando uma irregularidade grave praticada pela Administração.
-
O Tribunal "a quo" errou quanto ao aspecto fáctico do "thema" destes autos.
-
Quer porque não valorou adequadamente os factos provados.
-
Quer porque não deu por provados outros factos abundantemente demonstrados pela prova produzida.
-
Ora, salvo melhor opinião, resulta só por si dos factos provados, que a arguida não praticou a infracção que lhe vem assacada - cfr. artº 114° do RGIT.
-
Isto porque, o Tribunal dá por provado que nem todo o IVA gerado já tinha sido recebido dos clientes quando estava vencido perante o Estado.
-
Na verdade, difícil seria o Tribunal dar por provado o contrário, pois é facto notório que o mecanismo de funcionamento do IVA pressupõe, na prática, que as empresas subsidiem o Estado com o seu próprio dinheiro, face aos atrasos sucessivos nas cobranças.
-
Por isso pergunta-se: o IVA que o Estado reclama, nestes autos, já tinha sido recebido dos clientes da arguida, ou não? 29. Ora, o Tribunal "a quo" fundou a sua convicção probatória nos documentos juntos a fls., mas também, e sobretudo, nos depoimentos de José Joaquim Marques de Almeida e Vítor Carpalhoso, documentados de acordo com a acta de audiência de fls., para cujo teor se remete (e que se dá por inteiramente reproduzida).
-
Considerou o Tribunal "a quo" que estes depoimentos foram credíveis, e que atestaram, com rigor, a situação financeira da arguida.
-
Bem como o seu comportamento perante o Estado, os clientes e os fornecedores.
-
Se assim foi, então o Tribunal "a quo", com base nesses depoimentos, deveria ter dado por provados os seguintes factos: - o funcionamento das regras próprias do IVA levou ao desequilíbrio da tesouraria da arguida.
- A arguida não tinha condições de proceder ao pagamento da prestação tributária em dívida, que motivou o presente processo contra-ordenacional.
- Todos cheques emitidos e subscritos pela Arguida seriam, invariavelmente devolvidos por falta de provisão.
-
Mas também os seguintes factos: - Os fornecedores e clientes tomaram conta da actividade económica da empresa.
- Apenas forneciam com a garantia antecipada a produto final e stocks.
- A empresa vem sobrevivendo com a gestão imposta de fora pelos fornecedores e clientes.
- A gestão foi feita praticamente sem a circulação de dinheiro.
- O próprio pagamento aos funcionários foi gerido e determinado pelos fornecedores e clientes.
- Os pagamentos efectuados foram determinados pelos fornecedores e apenas efectuados por estes para garantirem os fornecimentos.
-
Os depoimentos das testemunhas foram julgados idóneos e credíveis pelo Tribunal "a quo".
-
As testemunhas mostraram ter razão de ciência suficiente quanto aos factos descritos, não apenas porque conhecem a realidade da empresa, mas também, e sobretudo, por possuírem conhecimentos e experiência na área da contabilidade.
-
O depoimento das testemunhas, salvo o devido respeito - que muito é! - não pode ser credível para uns aspectos, e absurdo para outros.
-
Cada empresa é uma realidade específica, sendo possível conceber inúmeras formas de gestão.
-
E uma delas é a gestão "hetero-imposta", nomeadamente, pelos financiadores.
-
Como se sabe, clientes, financiadores e fornecedores são realidades que gravitam em torno da empresa, constituindo elementos imprescindíveis desta.
-
Daí que não seja descabido contemplar que a gestão da empresa se fizesse sem a circulação de dinheiro.
-
Na verdade, impunha-se que o Tribunal "a quo" com pulsasse esse(s) facto(s) com os demais que deu por provados, nomeadamente, que a empresa tinha as suas contas bancárias a "zeros".
-
Ora, é ou não perfeitamente concebível que a gestão se fizesse sem a circulação de dinheiro, numa empresa com as contas bancárias a "zero"? 43. Além do mais, a gestão imposta por "fornecedores" não tem de ser, necessariamente, uma gestão que conduza à liquidação do activo da empresa.
-
Os fornecedores entregam as mercadorias desde que tenham uma garantia.
-
Essa garantia era constituída pela garantia final e stocks.
-
Assim sendo, o Tribunal "a quo" não apreciou adequadamente a matéria de facto.
-
Tanto mais que, os factos não provados estão em perfeita associação e sintonia lógica com os factos que o Tribunal deu por provados.
-
Ora, "revista" a matéria de facto, vejamos as implicações jurídicas.
-
A contra-ordenação prevista e punida pelo artº 114° do RGIT é decalcada do crime de "abuso de confiança fiscal" previsto no artº 105°, n° 1, do mesmo diploma.
-
Na verdade - cfr. LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, in "Regime Geral das Infracções Tributárias", Anotado, 2003, pág. 690 e ss. - em qualquer dos casos o que está em causa é a "apropriação" por parte do sujeito passivo de uma quantia que não lhe pertence, mas que pertence ao Estado.
-
Isto é, o sujeito passivo obriga-se a liquidar e entregar ao Estado uma determinada importância.
-
No fundo, é um "cobrador" mandatado pelo Estado.
-
Assim, passe a redundância, para que o sujeito passivo se "aproprie" dessa importância é necessário tê-la recebido (do contribuinte).
-
Nesse sentido, vide MONTEIRO DA COSTA, José, in "Despenalização da não entrega da prestação tributária", fls. 5, disponível em www.verbojurídico.net.
-
Na verdade, o artº 105° do RGIT pune todos aqueles casos em que a não entrega da prestação recebida se prolongue, dolosamente, por mais de 90 dias após o termo do prazo legal de entrega.
-
Nas demais hipóteses, o delito fica-se pela mera contra-ordenação.
-
Em ambos os casos, todavia, o agente não é punido sempre que por qualquer razão válida não esteja...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO