Acórdão nº 02480/05.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 02 de Outubro de 2008 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Município do Porto, inconformado, recorre do acórdão proferido pelo TAF do Porto, datado de 13/09/2007, que anulou o acto administrativo praticado pelo Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto no âmbito de processo disciplinar que aplicou ao recorrido B… a pena disciplinar de suspensão pelo período de 40 dias, com fundamento na falta de competência para a prática de tal acto.
Alegou, tendo concluído: 1. O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei n.º 79/77.
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Esta lei conferia à câmara municipal o poder de “superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município”, entendendo-se caber nesse os poderes de “nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários e assalariados municipais”.
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O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo – órgão municipal -, o que resulta do n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar.
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Hoje, de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99, “compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”.
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A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.
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O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município.
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O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.
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O Estatuto Disciplinar não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.
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O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências.
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Norma de atribuição de competência é o artigo 68º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.
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A matéria disciplinar não é especial relativamente à autárquica.
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É, antes, uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar.
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A Revisão de 1997, na nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 243.º da CRP, esclareceu que a haver alguma especificidade ela seria sempre de cariz autárquico.
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O resultado normativo que dê preferência, por especial ainda que anterior, às normas do Estatuto Disciplinar face a normas autárquicas é inconstitucional.
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O art. 18.º do Estatuto Disciplinar no entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, é inconstitucional por vulneração do comando da parte final do art. 243.º, n.º 2, da CRP.
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Uma interpretação que defenda a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre os órgãos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade.
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A Lei de Autorização Legislativa ao abrigo do qual foi emitido o Estatuto Disciplinar (Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto) não habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q), do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante ao Estatuto das autarquias locais, que abarca não só a organização e as atribuições das autarquias, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços; 18. A Lei n.º 10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
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A interpretação perfilhada pela sentença recorrida equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado (no caso, o Estatuto Disciplinar) para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada (no caso, o Estatuto das autarquias locais), ao abrigo da qual não foi emitida qualquer lei de autorização e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular (no caso a Lei n.º 169/99).
O recorrido pugnou pela improcedência do recurso.
O Ministério Público também emitiu parecer onde conclui pela improcedência do recurso.
A este parecer respondeu o recorrente insistindo pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: 1) O A. foi admitido ao serviço da entidade demandada em 11/1/1967 para exercer funções de advogado síndico; 2) O A. passou à situação de aposentação em 1/3/2004 com a categoria de Advogado Síndico Assessor Principal; 3) Por deliberação da Câmara Municipal do Porto de 21/9/2004, foi aprovada a conversão em processo disciplinar do processo de sindicância mandado instaurar aos serviços por deliberação de 21/10/2002; 4) Em 31/1/2005 foi deduzida acusação ao A. constante de fls. 299 a 305 do PA apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; 5) Com entrada nos serviços da demandada o A. apresentou a sua defesa escrita e que consta de fls. 317 a 324 do PA apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; 6) Em 29/5/2005, o instrutor designado elaborou o relatório final do processo disciplinar mandado instaurar ao A. e que consta de fls. 383 a 440 do PA apenso que aqui se dá por reproduzido e do qual consta a final: “(…) propondo-se à Exma. Câmara Municipal do Porto, que ao abrigo da competência que lhe é conferida pelas normas conjugadas dos art.s 18° nº 1, 3 a) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84 de 16.1, 56° nº 1 e 64° nº 7 d) da Lei nº 169/99 de 18.9, profira deliberação disciplinar nos termos e para os efeitos do art. 66° daquele Estatuto Disciplinar em que: (…) - considerando parcialmente procedente, por parcialmente provada a acusação deduzida neste Processo Disciplinar nº 38121/04/DMSP contra o arguido Dr. B… (…) – Declare o arguido incurso na autoria material de uma infracção disciplinar, por violação do dever geral de zelo prevista e punida pelas normas conjugadas dos art.s 1°, 3° nº 1, 4 b) e 6, 5° nº 2, 11° nº 1 e), 12° nº 3, 15° nº 1 e 24° nº 1 e 2, 29° a) e 31° nº 1 b) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84 de 16.1; - Na consequência, imponha ao arguido a sanção disciplinar da perda do direito a pensão de aposentação pelo período de 40 (quarenta) dias, nos termos das disposições acabadas de citar. Remeta o processo à Ex.ma Câmara Municipal do Porto através do Ex.mo Presidente da Câmara cfr. artº 68° nº 1 n), o) e p) da Lei nº 169/99, de 18.9. (…)”; 7) Com data de 24/5/2005 a Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso proferiu o despacho de fls. 443 do PA apenso do seguinte teor: “Considerando que nos termos do artigo 68º, n.º 2, alínea a), da lei 169/99 de 18/09, é o Presidente da Câmara quem detém originariamente a competência para a aplicação das penas disciplinares; Considerando que o Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei 28/84 de 6/01, se limita a prever a competência dos órgãos em matéria disciplinar, sem os concretizar; Considerando que com a aprovação da lei 169/99 o Presidente da Câmara é um órgão executivo da pessoa colectiva “Município”, autónomo do órgão Câmara Municipal”; Considerando que, e de acordo com o supra exposto, a aplicação das sanções disciplinares e outras decisões decorrentes do Procedimento Disciplinar, tem vindo a ser exercida pelo Sr. Vereador dos Recursos Humanos, no uso da competência delegada pelo Sr. Presidente, conforme a Ordem de Serviço nº 22/2002; Remete-se o presente processo ao Sr. Vereador dos Recursos Humanos, para decisão.” 8) Por despacho de 25/7/2005 do Vereador dos Recursos Humanos, no uso de competência delegada, nos termos do capitulo II da Ordem de Serviço n.º 22/2002, de 16/01, publicada no Boletim Municipal n.” 3436, de 22/02/2002, foi o autor punido com a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 40 dias, substituída pela perda do direito à pensão de aposentação por igual período de tempo, despacho esse que é do seguinte teor: “(…) Aceito todo o conteúdo do Relatório do presente processo disciplinar, que aqui dou como reproduzido para todos os efeitos legais, e, em consequência, nos termos do artº 66° do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de Janeiro, (…) aplico ao Sr. Dr. B…, advogado sindico aposentado, a sanção disciplinar de suspensão pelo período de quarenta dias, substituída pela perda do direito a pensão de aposentação por igual período de tempo, nos termos das disposições conjugadas dos...
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