Acórdão nº 01551/05.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução02 de Outubro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN: I- RELATÓRIO “Ordem dos Médicos”, id. nos autos, inconformada com o acórdão do TAF do Porto, datado de 23.MAR.07, que, em ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, oportunamente, contra si instaurada, por V...

, igualmente id. nos autos, julgou a acção procedente e decretou a anulação do acórdão do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos, de 29.MAR.05, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:

  1. O Acórdão recorrido considerou que os factos pelos quais o Autor foi acusado constituem infracção disciplinar, entendendo, no entanto, que tais factos não resultaram provados no processo disciplinar.

  2. A vingar a tese explanada na douta sentença recorrida, os crimes de difamação ou as infracções disciplinares cometidas através de um jornal, apenas admitem, como meio de prova, a confissão do réu ou do arguido! Ou então uma câmara de filmar oculta … C) A vingar tal tese, quem difamar ou criticar alguém através de um jornal, pode ficar absolutamente descansado, pois nada lhe acontecerá: se o visado reagir, bastará, então, dizer que é mentira e ele que prove que é verdade! D) As normas do direito processual penal são de aplicação subsidiária à jurisdição disciplinar da Ordem dos Médicos.

  3. O art.º 127.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da livre apreciação da prova, contém o fundamento da chamada presunção judiciária ou prova por presunção.

  4. Esta prova reveste-se de grande importância prática, pois muitos factos há insusceptíveis de prova directa.

  5. Todos os factos indicados no nº 22 das presentes alegações, plenamente provados, não podem, segundo as regras da experiência e a livre convicção de qualquer julgador, levar a outra conclusão que não seja a de que o Autor proferiu as afirmações que lhe são atribuídas (“entre aspas”) na notícia publicada no jornal “O Independente”.

  6. A leitura do Acórdão proferido no processo nº 7168/04, da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, junta pelo Autor a fls. … dos autos, proferido 5 anos após a publicação da notícia de “O Independente”, demonstra que as afirmações que este jornal atribuiu ao Autor só por ele poderiam ter sido produzidas.

  7. Os factos que fundamentaram a pena disciplinar aplicada ao Autor resultaram plenamente provados no processo disciplinar.

  8. A pena disciplinar aplicada ao Autor ainda não foi executada, nomeadamente a pena acessória da publicidade.

  9. Não faz, por conseguinte, qualquer sentido a condenação da Demandada a publicitar a sentença recorrida com o fundamento, nesta invocado, de que «pelo mesmo meio deve ser dada publicidade ao facto de ter sido anulada a decisão punitiva».

O Recorrido contra-alegou, tendo pugnado pela improcedência do recurso.

O Dignº Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Administrativo para julgamento do recurso.

II- QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO O erro de julgamento de direito com violação do artº 127º do Código de Processo Penal.

III- FUNDAMENTAÇÃO III-1.

Matéria de facto O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: 1 – Por despacho de 20/06/2001 da Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos foi determinada a instauração de processo disciplinar ao autor (cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso).

2 – O referido processo disciplinar foi instaurado na sequência da participação de 18/06/2001 subscrita por R... (cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso).

3 – No âmbito do referido processo disciplinar foram realizadas as seguintes diligências: - Foram juntas fotocópias da primeira página do jornal “Independente” de 15/06/2001 e da notícia publicada a págs. 32 e 33 do mesmo jornal (cfr. fls. 3 a 5 do processo administrativo apenso).

- Por ofício de 21/06/2001 da Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos foi remetida ao autor cópia da participação apresentada por R..., solicitando “nos comunique o que entender por conveniente sobre o respectivo conteúdo” (cfr. fls. 6 do processo administrativo apenso).

- Em resposta ao ofício de 21/06/2001, o autor referiu o seguinte (cfr. fls. 8 do processo administrativo apenso): “Em resposta ao pedido de esclarecimentos sobre a queixa efectuada pelo Dr. R..., em carta dirigida a V. Ex.ª em 18/6/2001, de que eu tive conhecimento em 2/7/2001, cumpre-me informar que: 1. Não sou autor nem responsável pelos comentários, alegadamente transcritos em meu nome, no jornal “O Independente” do dia 15/6/2001 assim como do dia 22/6/2001.

  1. O que não obsta, que como cidadão e médico, possa exercer o meu direito de opinião sobre factos considerados do âmbito público, nomeadamente teses de doutoramento, sendo verdade que dei o meu parecer ao jornalista em causa, acerca de aspectos puramente técnicos de execução de cirurgias a lesões craniana e extra-axiais, bem como do estado da arte na colocação de drenagens ventriculares.

  2. Aliás, múltiplos comentários atribuídos ao Dr. R... foram transcritos nos dois artigos publicados no Semanário acima referido.

  3. Assim sendo e salvo melhor opinião, não me parece procedente as queixas expostas pelo Dr. R....

    (…).” - Foram juntos documentos a requerimento do participante (cfr. fls. 9 e segs. do processo administrativo apenso).

    4 – Em 28/10/2002 foi deduzida Acusação nos termos constantes do doc. de fls. 25 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e da qual consta o seguinte: “Contra o Exm.º Senhor Dr. V..., é deduzida acusação nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. Na primeira página da edição de 15 de Junho de 2001 do jornal “O Independente”, pode ler-se, como título principal o seguinte: “Cirurgião tirou pedaços do cérebro a 29 doentes vivos”; e, em subtítulo, “Amostras usadas em tese de doutoramento foram recolhidas sem autorização”.

  4. Os mencionados título e subtítulo remetem para as páginas 32 e 33 da mesma edição. Na página 32 pode ler-se, além do mais, o seguinte: (…) 2.5. Quem não aceita os argumentos de R... é o médico V...: em muitos dos 29 casos descritos na tese, não é sequer necessária a remoção de tecido cerebral. “Há dois tipos de situação neste trabalho: um diz respeito a relações traumáticas, outro à existência de meningiomas benignos (um tipo de tumor que ataca a membrana que envolve o cérebro”, diz. “No caso dos segundos, quase nunca é necessário sequer tocar no cérebro, uma vez que o tumor é exterior a ele”. O que aconteceu, sublinha, é que “foi abusivamente retirada uma amostra”.

    2.6. No caso dos doentes traumáticos, V... destaca a impossibilidade de ter sido obtido o seu consentimento. “Como é que um doente em coma ou que está sem sentidos pode dizer a alguém que não concorda que lhe arranquem dois centímetros da sua massa cerebral”, interroga.

    2.7. V... responde: “Não se deixa de operar, mas também não se recolhem amostras do seu corpo para investigação, uma vez que as convenções internacionais dizem que tal só poderá acontecer se implicar uma melhoria no estado de saúde do doentes, o que não me parece ser o caso”.

  5. As declarações do Exm.º Senhor Dr. V..., transcritas nos n.ºs 2.5, 2.6 e 2.7, supra, constituem uma evidente e flagrante violação do disposto no art.º 107º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, cujo n.º 1 dispõe que “Nas suas relações, devem os médicos proceder com correcção e lealdade, abstendo-se de qualquer alusão depreciativa, sem prejuízo do disposto no art. 95º”, acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que “uma dissenção profissional não deve dar lugar a polémica pública”.

  6. (…). Verdadeiras ou não, o Senhor Dr. V... não podia produzir as afirmações que produziu num órgão de comunicação social, neste caso no jornal “O Independente”, com um conteúdo objectivamente depreciativo quanto à pessoa do Senhor Dr. R....

    (…).” 5 – O autor apresentou a sua defesa nos termos constantes do doc. de fls. 49 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

    6 – Em 9/12/2002 foi elaborado o Relatório Final no processo disciplinar instaurado ao autor (cfr. fls. 55 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), do qual consta o seguinte: “ (…) 6. Relativamente ao conteúdo da defesa apresentada pelo Exm.º Senhor Dr. V..., temos a referir o seguinte: 6.1. No presente processo, o participante queixa-se de ofensa grave à sua honra e dignidade profissional, por comentários produzidos ao jornal “O Independente”, de 15 de Junho de 2001, pelo Exm.º Sr. Dr. V....

    6.2. A este propósito pode ler-se no artigo 107.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos que “nas suas relações, devem os Médicos proceder com correcção e lealdade, abstendo-se de qualquer alusão depreciativa”. O arguido fez afirmações a um jornalista e que foram reproduzidas num artigo da edição de 15 de Junho de 2001 do jornal “O Independente”, sobre a tese de doutoramento do Exm.º Sr. Prof. R....

    6.3. Em tais afirmações estão contidas as dúvidas do arguido sobre a existência de “consentimento informado” de todos os doentes avaliados na citada tese, e sobre a eventual necessidade de retirar tecido cerebral são aquando das técnicas cirúrgicas realizadas. Tal fica provado pelas afirmações do Exm.º Sr. Dr. V... na sua exposição, constante de fls. 8 dos autos, quando diz que “(…) como cidadão e médico, possa exercer o meu direito de opinião sobre factos considerados do âmbito público, (…) sendo verdade que dei o meu parecer ao jornalista em causa (…)”.

    6.4. Não concordamos que as afirmações se tenham limitado a “aspectos...

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