Acórdão nº 10684/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO T…. – Telecomunicações …………., SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 03/07/2013 que, no âmbito da providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, instaurada nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, movida contra o Ministério das Finanças e as Contra-interessadas, V………….. Portugal – ……………., SA e O………. – Comunicações, SA, julgou o pedido cautelar improcedente, relativo à suspensão de eficácia do despacho do Ministro das Finanças de 25/11/2011, de exclusão da proposta apresentada pela Requerente e de adjudicação do objecto do procedimento à V……….., assim como a abstenção de proceder à celebração do contrato ou a suspensão dos seus efeitos.

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 966 e segs. e 2204 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “

  1. A Recorrente não se conforma com o teor da douta sentença, na medida em que a mesma padece de erro de julgamento quando conclui pela não verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar requerida, in casu, a suspensão dos efeitos dos contratos celebrados entre o Ministério das Finanças e a V……… (até que transitasse em julgado decisão, a proferir nos autos principais, sobre a (in)validade do acto de exclusão da proposta da Recorrente, do acto de adjudicação praticado por Sua Excelência o Ministro de Estado e das Finanças e dos contratos entretanto celebrados).

  2. Em termos liminares, sustentou o Tribunal a quo o indeferimento em causa com os seguintes fundamentos: (i) complexidade das questões a decidir e portanto não verificação do requisito previsto no art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA e (ii) falta de prova da Recorrente quanto à probabilidade de os danos decorrentes da adopção da providência serem superiores aos prejuízos resultantes da sua não adopção, ao abrigo do art. 132º, nº 6 do CPTA.

  3. No que se refere ao primeiro fundamento (i), mal andou o Tribunal a quo já que, compulsada a douta sentença, se verifica - salvo o devido respeito - que o Tribunal nem sequer analisou, de um modo ainda que perfunctório, as questões suscitadas pela Recorrente, tendo-se limitado a elencar o pedido da Recorrente e a esclarecer que, em virtude do mesmo, o âmago da discórdia centrar-se-ia em “várias questões complexas”, a remeter para a acção principal. Ora, tal entendimento denota, salvo o devido respeito, um erro grosseiro de julgamento.

  4. É que, a “análise profunda do regime legal” em sede principal não impede que o Tribunal, em sede cautelar, aprecie os factos trazidos aos autos pela Recorrente, bem como a respectiva prova que, mesma perfunctória, consta desde logo do RI.

  5. A interpretação veiculada pelo Tribunal a quo, no que se refere ao alcance restritivo do artº 120º, nº 1, alínea a) do CPTA viola as garantias mínimas subjacentes a uma tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito à apreciação jurisdicional das questões regularmente deduzidas em juízo (cfr. art. 20º e 268º, nº 4 da CRR). Isto porque, f) Face dos elementos de prova carreados para os autos e que o próprio Tribunal elencou nos factos indiciariamente provados, o Tribunal dispunha dos meios necessários para concluir pela manifesta ilegalidade da conduta da Administração. É que a questão a discutir reconduz-se à discussão da aplicação do direito aos factos, com a valoração das circunstâncias e contexto em que a declaração da Recorrente foi tomada e se tais circunstâncias conferem à Recorrente o direito de rectificar a sua proposta nos termos do artº 249º do Código Civil. Em nada se confunde com a (maior ou menor) produção de prova, até porque a matéria de facto relevante foi considerada indiciariamente provada pelo douto Tribunal. Vejamos, g) Resulta dos factos provados (e não contestado, aliás, pelas partes) que a Recorrente indicou, por erro, na sua proposta a procedimento de formação de contrato aberto ao abrigo de acordo quadro, um prazo de vencimento de facturas (de 30 dias) que não correspondente ao prazo (de 60 dias) fixado no encargo de encargos do acordo quadro que enformou tal procedimento (facto 4 da sentença).

  6. Resulta igualmente dos autos que, entre a aprovação do Caderno de Encargos, a apresentação de proposta ao acordo quadro, a abertura do procedimento ao abrigo do acordo quadro (que remetia subsidiariamente para o CE do acordo quadro em tudo quanto não fosse omisso) e a apresentação de proposta ao procedimento decorreram mais de três anos (factos constantes do RI e que não foram impugnados pelas partes contrárias, constando todos aliás devidamente identificados no processo instrutor).

  7. Resulta igualmente dos autos que, na proposta a Recorrente declarou que cumpria integralmente o disposto no CE (facto 3 da douta sentença), ou seja, no Anexo X ao Convite, parte integrante da sua proposta, a Recorrente declarou que “se obriga a executar o contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas”, ou seja, aceitou o prazo de pagamento de 60 dias. Acresce que, j) O CCP, no seu artº 229º, prevê um prazo geral de pagamento das facturas de 30 dias.

  8. Portanto, à luz do contexto e das circunstâncias supra, sem especial complexidade, resulta que, a referência ao pagamento em 30 dias inserida na proposta apresentada ao procedimento ora em apreço traduz um mero erro de escrita, perfeitamente suprível ao abrigo do artº 249º do CC, face à declaração de aceitação do caderno de encargos apresentada no procedimento em apreço e, se assim não fosse, face à proposta da Recorrente ao acordo quadro (adjudicando-se a final o objecto do procedimento à Recorrente; vide facto 6 da sentença). Além disso, l) O direito de rectificar a proposta em procedimento de formação de contratos tem sido reconhecido pela jurisprudência: veja-se acórdão da 1ª secção, do 2º juízo do TCA Sul, proferido no âmbito do processo nº 08821/12, datado de 31.05.2012 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.03.2011, proferido no processo nº 07287/11, ambos publicados em www.dgsi.pt.

  9. Em suma, padece a douta sentença de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos, em bom rigor, recusa de aplicação do direito aos factos, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que, face aos factos assentes e fazendo uso do disposto no artº 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, conclua pela manifesta ilegalidade da actuação da Entidade Requerida quando excluiu a proposta da Recorrente.

  10. No que se refere ao segundo fundamento (ii), em sede de ponderação ao abrigo do 132º, nº 6 do CPTA, a sentença padece de erro de julgamento, porque, salvo o devido respeito, é manifesta a desproporcionalidade e parcialidade na ponderação dos interesses materiais em presença.

  11. O Tribunal sobrevaloriza os alegados prejuízos para o interesse público e subvaloriza os prejuízos invocados pela Recorrente, mais lhe exigindo uma prova exaustiva (contabilística detalhada) sobre os reflexos inerentes à perda de 16 contratos no valor €111.915,75, pelo período de 24 meses. Além disso confunde, salvo o devido respeito, a valoração dos diversos interesses em presença com o pressuposto processual de “legitimidade”. Vejamos, p) Em primeiro lugar, o Tribunal deu como provada a margem de lucro que a Recorrente perderia, conforme facto 24 da sentença, no entanto considerou que “os interesses a tutelar por parte da Requerente não se podem resumir à mera qualidade abstracta de vencido no concurso (…)”. Ora, conforme também resulta dos factos provados, face à grelha de avaliação proposta pelo júri do procedimento, a proposta da Recorrente, sendo admitida, seria a proposta economicamente mais vantajosa e, por isso, a adjudicatária do procedimento. Não estamos pois perante uma mera expectativa comercial.

  12. É esta qualidade concreta de adjudicatária que, contrariamente ao que se refere o douto Tribunal, deve ser considerada um dano de per si a tutelar em sede cautelar, pelo que mal andou o Tribunal quando considerou que a Recorrente não tinha “demonstrado factos concretos donde se aferisse prejuízos decorrentes do acto adjudicatário e da execução dos contratos entretanto celebrados”.

  13. Em segundo lugar, o Tribunal sobrevaloriza o interesse público, as atribuições e competências da Entidade Requerida, sustentando na lógica de que os procedimentos de formação de contratos sob a alçada do Ministério das Finanças se revestem de um interesse público “qualificado”, o que não se pode admitir, já que desproveria - na maioria dos casos - o artº 132º, nº 6, de qualquer utilidade ou sentido. É que, por um lado, a Contra Interessada era a anterior prestadora de serviços à Requerida pelo que, mesmo decretada a providência, a Requerida poderia continuar a beneficiar dos serviços prestados por aquela. Por outro lado, a redução da despesa e poupança no âmbito da Administração Pública não podem, tout court, coarctar os direitos dos privados e adjudicatários a um procedimento sério, justo e conforme à lei.

  14. Em terceiro lugar, a sentença padece de erro de julgamento porque a documentação contabilística detalhada acerca do volume total de negócios da Recorrente, que o Tribunal entendeu estar em falta, excede manifestamente o âmbito de uma qualquer “análise perfunctória da prova”, característica - como bem referiu o Tribunal - da tutela cautelar.

  15. Em face ao exposto, contrariamente ao sufragado pela douta sentença, os danos que resultam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que resultam, para o interesse público, da sua não adopção, pelo que se verificam os requisitos necessários para a revogação da douta sentença e o decretamento da providência...

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