Acórdão nº 10452/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO Manuel …………… e Deolinda …………………, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão, datada de 15/03/2013, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que no âmbito da acção administrativa especial, de condenação à prática de acto devido, instaurada ao abrigo do direito de acção popular, contra o Município de Pombal e o contra-interessado, Carlos ……………., indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento em ser manifestamente improvável a procedência do pedido.

Formulam os aqui Recorrentes nas respectivas alegações (cfr. fls. 93 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. O Tribunal indeferiu liminarmente a petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 83/95, por entender que os ora recorrentes apenas alegaram factos reveladores de interesses individualizados e não de interesses da colectividade que pudessem caber no âmbito do direito de acção popular.

  1. O direito de acção popular, como direito fundamental previsto no artigo 52.º da CRP, visa a protecção dos interesses difusos. A defesa destes interesses é concedida aos cidadãos uti cives e não uti singuli, precisamente porque são interesses de toda a comunidade, e, por isso, os cidadãos uti cives têm o direito de promover a defesa de tais interesses, individual ou associativamente. Tal significa que, tenham ou não um interesse individual na demanda, a legitimidade activa em acções visando a tutela dos interesses inseridos no núcleo de protecção é alargada.

  2. As disposições conjugadas dos artigos 52.º, n.º 3 da CRP, 9.º, n.º 2, 66.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, d), do CPTA, e 12.º da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, alargam assim a legitimidade activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual (que pode ou não existir) ou da sua posição específica com os bens ou interesses em causa, enumerando, de uma forma exemplificativa, alguns interesses difusos susceptíveis de tutela como o urbanismo, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural.

  3. Os ora recorrentes propuseram-se denunciar a realização num terreno de que é titular o contra-interessado de obra de edificação sem o devido licenciamento urbanístico em violação gravosa de diversas normas do PDM de Pombal e de normas do RGEU, em termos que obstaculizam a legalização daquela obra e que são justificadoras do exercício do dever vinculado do órgão Câmara Municipal de ordenar e de proceder à respectiva demolição, como única medida de tutela da legalidade urbanística adequada; não estando assim apenas em causa a edificação de obra sem a licença devida (como entendeu o Tribunal), mas também a insusceptibilidade da sua legalização, à luz do artigo 11.º do Regulamento do PDM de Pombal, confessada extrajudicialmente pela autoridade administrativa ré.

  4. A invocação da violação de uma norma de um plano municipal de ordenamento do território - tal como fizeram os ora recorrentes - assenta inexoravelmente no desrespeito de normas de direito público não individualizadas na esfera jurídica de qualquer particular, razão pela qual, violada uma disposição de um plano e do DL.º n.º 555/99, de 16 de Dezembro, (RJUE), se prevê no seu artigo 69.º a legitimidade do Ministério Público para promover a adequada acção administrativa.

  5. Os ora recorrentes não visaram defender interesses exclusivamente pessoais, mas interesses da colectividade e reconhecidos no artigo 11.º do Regulamento do PDM de Pombal que foram desrespeitados pelo Município de Pombal e pelo contra-interessado.

  6. A solução ditada pelo Tribunal restringe a legitimidade activa para o exercício da acção popular prevista na CRP e na lei, na medida em dela resulta que, vislumbrando-se algum interesse pessoal na esfera do autor popular para além do interesse da colectividade, deixa aquele de poder actuar ao abrigo das disposições já identificadas e consagradoras do referido direito, quando o artigo 52.º da CRP, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 83/95 e o artigo 9.º, n.º2.

  7. O facto de poder existir um interesse pessoal e individualizado dos ora recorrentes - matéria pressuposta pelo Tribunal e que não resulta de qualquer alegação nos autos – é irrelevante para o regular exercício do direito de acção popular.

  8. A decisão impugnada violou assim as normas contidas nos artigos 52.º, n.º 3 da CRP, 9.º, n.º 2, 66.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, d), do CPTA, 12.º e 13.º da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, pelo que deve ser revogada, julgando-se os ora recorrentes parte legítima enquanto autores populares e seguindo a acção os seus ulteriores termos.

  9. A presente acção, apesar de se ter apelado ao instituto da acção popular, não configura uma acção especial sujeita a forma de processo diferenciado, mas sempre uma acção administrativa especial tendente à condenação do Município de Pombal à prática de acto devido.

    Subsidiariamente, 11. Tal como o Tribunal conformou a sua decisão, os ora recorrentes seriam titulares de interesse pessoal e directo na demanda, pelo que sempre seriam partes legítimas, não ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 1, d), do CPTA, mas da alínea a) do mesmo preceito; assim, tendo em conta que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, ao Tribunal impunha-se notificar os ora recorrentes para liquidarem e pagarem taxa de justiça, como se fossem apenas titulares de interesses pessoais e directos.

  10. Violou assim o Tribunal, para além das normas identificadas na conclusão 9.ª, o disposto no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, no artigo 7.º do CPTA e no artigo 265.º-A do CPC.”.

    Pede a revogação do despacho recorrido, julgando-se os Recorrentes partes legítimas enquanto autores populares e seguindo a acção os seus ulteriores termos.

    * O Recorrido e o Contra-interessado não contra-alegaram.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    Sustenta que assiste razão aos Recorrentes, nos precisos termos da sua alegação, nada impedindo a defesa do interesse particular, demonstrado que se encontra a defesa do interesse público urbanístico.

    O tribunal deveria convidar os Recorrentes a aperfeiçoar a petição, visto não ser inepta, actuando oficiosamente no sentido do suprimento da sua irregularidade.

    * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar, se incorre a decisão recorrida em erro de julgamento de Direito em relação à decisão de indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do artº 13º da Lei nº 83/95, de 31/08, em violação: 1.

    dos artºs 52º, nº 3 da Constituição, 9º, nº 2, 66º, nº 1 e 68º, nº 1 d) do CPTA e 12º e 13º da Lei nº 83/95, devendo os Recorrentes ser julgados partes legítimas, enquanto Autores populares e, Subsidiariamente, 2.

    dos artºs 268º, nº 4 da Constituição, 7º do CPTA e 265º-A do CPC, devendo os Recorrentes ser julgados partes legítimas ao abrigo do artº 68º, nº 1 a) do CPTA, sendo notificados para liquidarem a taxa de justiça.

    III.

    FUNDAMENTOS DO DIREITO Vem interposto recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do disposto no artº 13º da Lei nº 83/95, de 31/08, com fundamento de que os Autores formulam pretensões que não se mostram inseridas no núcleo de interesses previstos no âmbito do disposto no artº 1º da Lei nº 83/95 ou que tutelem o referido núcleo de interesses a defender ou sequer que demonstrem a ofensa de concretos interesses de toda a comunidade, por alegarem factos reveladores de interesses individualizados e não interesses da colectividade, concluindo-se por ser manifestamente improvável a procedência do pedido.

    Os Recorrentes discordam da decisão recorrida defendendo que o direito de acção popular visa a protecção de interesses difusos, podendo os cidadãos promover a sua defesa, quer tenham um interesse individual ou não.

    Mais alegam que visam defender interesses da colectividade, reconhecidos no artº 11º do Regulamento do PDM de Pombal, que foram desrespeitados pelo Município de Pombal e pelo Contra-interessado, pelo que, sempre deve ser reconhecida a sua...

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