Acórdão nº 00368/12.6BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução30 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

* EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município de Oliveira do Bairro veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18 de Julho de 2012, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar deduzida pela sociedade KC. … – Indústria de Turismo e Hotelaria, L.da, com vista à suspensão da eficácia do acto identificado como a “decisão da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, datada de 23.02.2012 e notificada ao Requerente em 29 de Fevereiro de 2012, que determina a “cessação da utilização de todas as edificações existentes no lote C32 (restaurante, edifício polivalente, boxes, armazém, oficina e pista de Kart), nos termos do n.º 1 do artigo 109º do RJUE, no prazo de 30 dias úteis, sob pena de, em caso de incumprimento, ser determinado o despejo administrativo dos edifícios e incorrer em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência”».

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar verificados no caso concreto os requisitos constantes da alínea b) do n.º1 do artigo 120º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para o decretamento da suspensão da eficácia do acto administrativo em apreço, bem como ao proceder à ponderação de interesses em presença, a que alude o n.º 2 do mesmo preceito, em benefício da Requerente.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.

Notificado deste parecer, o Recorrente veio reiterar no essencial a sua posição inicial.

Mediante o projecto de decisão de ser concedida a suspensão da eficácia do acto, como decidido em primeira instância, mas sujeita à condição de a Requerente pagar uma importância mensal, foram ouvidas as partes sobre este projecto, tendo o Recorrente manifestado o seu acordo e a Recorrida o seu total desacordo, defendendo ainda estar a extravasar-se o objecto do processo.

O Ministério Público sustentando parecer, à primeira vista, justa a decisão projectada, mas por não encontrar fundamentos para os valores propostos, manteve o seu parecer inicial, de deferir o pedido de suspensão, sem mais, tal como decidido pelo Tribunal a quo.

A fls. 594-595 o Recorrente veio, na sequência deste parecer, juntar documento comprovativo, no seu entender, da justeza do valor sugerido na proposta decisória.

* São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto dopresente recurso: 1 - A Recorrida ocupa e explora um lote pertencente ao domínio municipal, fá-lo há anos a fio, sem que tenha qualquer título jurídico que legitime essa ocupação e exploração e sempre a custo zero, posto que nunca pagou qualquer contraprestação pecuniária.

2 - Isto não obstante no decurso do(s) procedimento(s) (que a Recorrida acompanhou a par e passo) terem sido diversíssimas as interpelações, escritas e orais, para regularizar a situação (obtenção de título para o efeito), tendo sido numerosas as propostas, contrapropostas, reuniões, telefonemas, e-mails e faxes visando a resolução desta questão.

3 - Porém, sempre em vão e tudo ao ponto e limite de a Recorrida, de véspera e por duas vezes, não comparecer à celebração da escritura do contrato de compra e venda, descredibilizando, uma vez mais, as juras de consistência que repetidamente garantiu (titular a ocupação e exploração do lote) - para muitos, perpetuar esta exploração, arvorada numa espécie de tratamento injustificado a favor da Recorrida, que ali labora com toda a normalidade e nas barbas de todos os seus vizinhos que pagam, ou pagaram, para deter a posse/propriedade dos lotes que compõem a atractiva Zona Industrial de Oiã, é, ou seria, uma calamidade.

4 - Ao contar a sua história, a Recorrida omite, pois e convenientemente, a referência ao facto de saber que se manteve no lote ao longo do tempo, sim, mas apenas e tão -somente com base numa atitude tolerante do Recorrente, a quem sempre manifestou e afiançou que tinha (obviamente), a intenção, ademais séria, de titular a ocupação, adquirindo o espaço.

5 - Pediu prorrogações de prazos, fez contrapropostas, analisou minutas, reuniu diversíssimas vezes com a autarquia, marcaram-se datas para a realização da escritura, enfim; eis, pois, a razão pela qual o Recorrente foi tolerantemente permitindo a ocupação do lote, apesar de esta não deter qualquer título: precisamente porque confiou nas palavras e actuação da Recorrida.

6 - Porém - volvidos mais de 16 anos perpassados por propostas, contrapropostas, faxes, minutas atrás de minutas, reiterados telefonemas, sucessivos adiamentos (mormente em virtude de o crédito não ter sido aprovado junto das instituições bancárias, situação que estaria ultrapassada em breve,…), emails, marcações de escrituras, faltas às mesmas na véspera, reuniões …nada.

7 - Nem mesmo quando foi alertada, por várias vezes, por escrito e oralmente, para o facto de a situação se estar a tornar insuportável, sendo imperiosa a necessidade de regularizar a questão da legitimidade e, assim, a ocupação e utilização do lote.

8 - Nada. Fazendo ouvidos de mercador, a Recorrida manteve-se olimpicamente a ocupar o que sabe perfeitamente não ser seu, laborando tranquilamente e daí retirando proventos de uma actividade, que, como se sabe, é elitista e rentável, e construindo, sem qualquer reticência, mais e mais edificações.

9 - Para as bandas da Recorrida tudo corria bem: conversações com o Recorrente, seu companheiro deveras compreensivo nesta longa viagem - que até, no âmbito do processo de loteamento da Zona Industrial de Oiã, despoletou um procedimento de legalização das edificações para que tudo, como a Recorrida sabe e foi expressamente acordado em reunião, estivesse pronto aquando da resolução da questão (titulação da ocupação) ou que até foi emitindo declarações (para a EDP, por exemplo), dizendo que não via inconvenientes na ocupação (temporária ou provisória) - lá foi a Recorrida promovendo a sua actividade, publicitando-a, num lote propriedade do município e a custo zero: não pagou qualquer renda, não pagou qualquer preço e, muito menos, nenhuma taxa ou imposto desembolsou, não tendo, obviamente, qualquer licença. Até hoje.

10 - E, não contente com tudo isto, vem então, fazendo-se de novas, falar de boa-fé, de crime e de e abuso de direito… Tudo quando, e como se viu, sempre acompanhou o processo, estando a par das diligências que se iam tomando, sempre requereu o que teve por conveniente à defesa dos seus interesses, solicitando, inclusivamente, prazos para regularizar a situação, quando foi alertada para esse efeito por várias vezes e de forma escrita e oral, laborando ininterruptamente e sem despender um cêntimo e, portanto, à custa do erário público, sabendo perfeitamente que a situação é antiga, precária e que sempre foi tolerada pela Recorrente no pressuposto de que iria regularizar a situação, Recorrente que, mais dia, menos dia, teria efectivamente que cumprir a lei e actuar, reprimindo a ocupação e exploração do lote.

11 - Permanecendo, assim, soberanamente como se legítima e pacificamente fosse a proprietária deste lote, assim erigido em equivalente à actividade mais lucrativa do planeta.

12 - Não pode ser. E não pode - alheando-nos por ora, nesta sede cautelar, dos valores principiológicos pelos quais a Recorrida clamou terem sido massacrados, mas cuja autoria, como se viu, lhe é imputável -, porque efectivamente a Recorrida não tem título que lhe permita ocupar o lote e, necessária e consequentemente, título que lhe permita explorar as edificações.

13 - Não o teve na época em que o lote integrava domínio público municipal (cuja utilização carecia de licença ou de concessão, nunca tendo o contrato visando a efectivação do direito de superfície sido celebrado), continuou sem o ter, e assim se mantém, a partir do momento em que o lote passou a integrar, como integra, o domínio privado disponível da autarquia, pautado que é (e agravadamente para os interesses da empresa) pelo princípio do maior aproveitamento económico possível e, assim, com o dever a cargo da Administração de rentabilizar ao máximo o seu património.

14 - O único “título” que a Recorrida teve até há escasso tempo foi, pois, única e exclusivamente a tolerância do (confiante/ingénuo/optimist

  1. Recorrente, que teve por base o pressuposto (que o Tribunal a quo não interiorizou e que é nefasto para a tese da Recorrida) de aquela regularizar a ocupação - timing que, de acordo com o determinado na deliberação camarária de 28/07/2011, que a Recorrida aceitou expressamente, cessou em 30/09/2011.

15 - Dando-se nota, aliás e até, e com as devidas adaptações à situação vertente, do seguinte Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado no processo n.º 007522 (citado por José Manuel de Oliveira Antunes, Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2010, p.): “III - A posse relevante é só a posse jurídica e não a posse precária, resultante de meras autorizações amigáveis reduzidas a simples «minutas».”; cfr., neste sentido também, Acórdão proferido pelo TCA-N de 30/09/2011, prolatado no processo n.º 00365/11.

16 - Não tem, pois, razão a decisão recorrida quando refere que não é certo que o facto de as edificações erigidas no lote não possuírem licença impede a utilização que foi sendo feita até à prolação da decisão impugnada: as edificações não podem ser utilizadas, quer porque a Recorrida não tem legitimidade para o ocupar e explorar o lote onde elas foram erigidas, não...

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