Acórdão nº 00163/07.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelAna Paula Soares Leite Martins Portela
Data da Resolução09 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

AM. …; MA. …; AO. …; JM. …; MM. …; AJ. … e ML. …, identificado nos autos, vem interpor recurso jurisdicional do acórdão proferida pelo TAF DO PORTO em 18/03/2011, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial por si interposta contra o MUNICÍPIO DO PORTO, em que peticionavam que seja declarada a nulidade ou anulabilidade do acto proferido em 12 de Dezembro de 2005 pelo Vereador do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto, pelo qual foi deferido o pedido de licenciamento formulado por “PO. … – Sociedade de Empreendimentos, Lda.” para a construção de edifício num terreno sito no gaveto entre as Rua Marechal Saldanha e Rua do Funchal, na cidade do Porto.

Para tanto alega em conclusão: “1.

ª Os recorrentes alegaram que (como foi assinalado na informação camarária de fls. 59 e sgs. do processo instrutor) a construção de dois andares recuados não é permitida pelo Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Concelho do Porto (D.R., II, n.º 34, de 10 de Fevereiro de 2003).

  1. ª De facto, o art.º 9.º, 1 e 2, desse Regulamento não permite mais que 1 (um) andar recuado.

  2. ª A sentença sub iudice decidiu que, pelo contrário, “o prédio da interessada não tem dois andares recuados, mas antes um 4.º andar recuado constituído por 3 fogos de tipologia duplex”. Justifica tal com o facto das prescrições dos art.ºs 2.º, b) do RMEU e 9.º do RMEU não resulta a proibição do licenciamento de andar recuado nesses moldes.

  3. ª O Decreto Regulamentar 9/2009, de 29 de Maio, que estabelece conceitos técnicos a utilizar nos instrumentos de gestão territorial «na linguagem comum, designa-se por andar cada um dos pisos de um edifício acima do piso térreo (rés do chão)».

  4. ª Na definição de “ANDAR RECUADO” dada pelo Vocabulário do Ordenamento Urbano (publicado pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, disponível também em versão digital em http://pt.scribd.com/doc/43306375/Vocabulario-do-Ordenamento-do-Territorio), andar recuado é o “Recuo do espaço coberto de um piso ou andar (geralmente o último) de um edifício, relativamente ao plano de fachada, pode ser consequência da determinação da sua altura por aplicação da regra da cércea” (sublinhado nosso).

  5. ª Ou seja, um andar corresponde apenas a um piso. Dito de outra forma, um andar recuado deverá ser um só piso.

  6. ª A não ser assim, estava aberta a porta a que o “andar recuado” não tivesse limite de altura, bastando ser um duplex, triplex, quadruplex, etc., para ter mais dois, três, quatro, cinco pisos.

  7. ª O R.M.E.U. do Porto no seu art.º 9.º que apenas permite um andar recuado está-se a referir a apenas um piso recuado. De outro modo, qual seria o sentido da limitação desse artigo? 9.

    ª Deste modo, foi violado o disposto no art.º 9.º do R.M.E.U., pelo que o licenciamento nulo. O acórdão recorrido, ao assim não entender, e ao considerar que o acto de licenciamento não se encontrava viciado por esta invalidade, ofendeu o disposto no art.º 9.º do R.M.E.U.

  8. ª Os autores alegaram também que o projecto em causa prejudica as características dominantes do quarteirão, pois a cércea deste projecto ultrapassa claramente a definida pela construção existente.

  9. ª A interessada particular pretendeu fazer crer que cumpre a cércea dominante (nomeadamente do prédio vizinho) alegando que o limite máximo do edifício (ou seja a laje do último andar (o 5.º piso) coincidia com o pico do telhado do prédio ao seu lado.

  10. ª Porém, é evidente que tendo o prédio do lado r/c + 4 pisos e o projecto agora em análise r/c + 5 pisos, não há aqui cumprimento da cércea dominante.

  11. ª O telhado (mormente um telhado tradicional inclinado em pirâmide, como aquele ali existente) não conta para a cércea, pois a nível visual da rua esse elemento não interfere com a vista nem com a luz, e também porque se insere no plano de 45º referido no art.º 59.º do RGEU. Ou seja, nos edifícios com telhado, a altura relevante em termos de cércea será o beirado e não, evidentemente, o cume do telhado.

  12. ª Assim, mostra-se também incumprido quer o disposto no art.º 5.º, 1, a), do PDM-1993, quer no art.º 20.º, 1, a),o PDM actual (PDM-2006), quer as medidas por remissão para este (tendo o acórdão recorrido aceitado que as medidas preventivas contemplavam precisamente as soluções da proposta de revisão do PDM), o que inquina o acto de licenciamento do vício do violação de lei, causal da sua nulidade.

  13. ª O acórdão recorrido afirma que tendo presente o que afirma a definição de cércea constante do art.º 2.º, ponto 12 do Regulamento do PDM2006 [«Cércea (acima do solo) - a dimensão vertical da construção, medida a partir do ponto de cota média do terreno marginal ao alinhamento da fachada até à linha superior do beirado, platibanda ou guarda do terraço, incluindo andares recuados mas excluindo acessórios: chaminés, casa de máquinas de ascensores, depósitos de água, etc.»], a cércea dominante «não se afere pelo beirado mas sim pelo cume do telhado, uma vez que o edifício em referência, contíguo a Sul ao que está aqui em causa, tem um andar recuado».

  14. ª Se se faz apelo à definição referida no art.º 2.º, ponto 12 do Regulamento do PDM2006, onde expressamente se refere à linha superior do beirado, não se percebe como logo a seguir se diz que afinal a cércea não se afere pelo beirado mas sim pelo cume do telhado.

  15. ª O beirado é a «fileira de telhas que sobressaem em relação à prumada das paredes; beira do telhado. ≈ beirada, beiral» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciência de Lisboa, I, Verbo), pelo que não pode haver qualquer dúvida de que não se confunde com telhado.

  16. ª Por outro lado, também não se percebe qual a relação entre o facto do prédio contíguo ter um andar recuado com o facto de a cércea dominante se aferir pelo cume do telhado.

  17. ª O que consta do alvará de construção é claro (cfr. facto provado n.º 17, na sentença): N.º de pisos acima da cota da soleira: 6Cércea 19m - os pisos do 1.º, 2º e 3.º andares destinam-se a habitação; - o piso do 4.º andar recuado destina-se a habitação; - o piso do 5.º andar recuado destina-se a habitação.

  18. ª Não é correcto afirmar-se, como se faz na decisão recorrida, que o prédio da contra-interessada tem rés-do-chão, três pisos e um andar recuado, querendo com isso dizer que tem a mesma altura do prédio contíguo.

  19. ª É que o que aparentemente são 3 pisos + 1 andar recuado, são na verdade [conforme decorre claramente do alvará (facto 17)], 4 pisos acima da soleira (r/c + 3) + 2 pisos recuados, num total de 6 (seis) pisos (r/c + 5).

  20. ª O prédio contíguo, como decorre do facto provado n.º 23 (e pasta 8 do PA) tem efectivamente 4 pisos (r/c + 3) + 1 piso recuado, num total de 5 (cinco) pisos (r/c + 4).

  21. ª Daí que não haja qualquer continuidade nem cumprimento da cércea dominante. A decisão recorrida ao considerar que a edificação em causa não ultrapassa essa cércea fez errada aplicação lei. Violou pois, quer o disposto no art.º 5.º, 1, a), do PDM-1993, quer no art.º 20.º, 1, a) do PDM actual (PDM-2006), quer as medidas preventivas por remissão para este.

  22. ª A este propósito, o acórdão recorrido faz ainda apelo à alínea e) do art.º 20.º, 1, do RPDM do Porto e à margem de discricionariedade de que disporiam os serviços camarários de apreciação nesses casos, mas deverá tratar-se de um lapso, pois a mencionada alínea e) reporta-se às alíneas b) e c) do mesmo número e estas não têm qualquer aplicação à situação em apreço (de determinação de cumprimento das cérceas dominantes e formas da frente urbana em que se insere).

  23. ª Alegaram ainda os recorrentes que a cércea do edifício na fachada voltada para a Rua do Funchal ultrapassa claramente a conhecida regra dos 45º graus, consagrada legalmente no art.º 59.º do Regime Geral das Edificações Urbanas (aprovado pelo D.L. 38.382, de 7 de Agosto de 1951), mas também por remissão no art.º 5.º, 2, do PDM-1991, no art.º 32.º, 2, das Normas Provisórias e no art.º 20.º, f), do PDM-2006 e das medidas preventivas por remissão.

  24. ª A verdade é que o edifício projectado excede, na parte voltada para a Rua do Funchal, a largura do arruamento confrontante.

  25. ª Sendo a altura do prédio projectado de 19,5m e o arruamento fronteiro (a Rua do Funchal, incluindo os passeios) medindo apenas 12,00m, é evidente que não será possível cumprir aquela mencionada regra, conforme fica cabalmente demonstrado no desenho que se junta como documento n.º 3.

  26. ª A sentença sub iudice aceita que a cércea do edifício é superior à largura da estrada, mas entende que estando o edifício situado num terreno em declive e está situado num gaveto a fachada virada para a Rua do Funchal podia ter, até uma extensão de 15 metros, uma altura igual à fachada de voltada para a Rua Marechal Gomes da Costa ainda que não fosse cumprida a regra dos 45.º, por isso caber na excepção prevista no art.º 59.º, § 2, do RGEU.

  27. ª Porém, a sentença fez aplicação do 59.º, § 2, do RGEU sem atender ao que prescreve o art.º 20.º, f), do Regulamento do PDM.

  28. ª No art.º 20.º, f), do PDM, que foi expressamente invocado na petição inicial dos recorrentes, refere-se simplesmente que «a cércea não pode exceder a largura do arruamento confrontante, medida entre o limite do espaço público dominante ou estabelecido».

    E não se estabelece qualquer excepção.

  29. ª A cércea não cumpre a regra dos 45.º estabelecida no art.º 20.º, f) do PDM. A regra prevista no art.º 59.º do RGEU é mais ampla e com excepções.

  30. ª Daí que também por aqui o projecto apresentado viole ostensivamente a lei (art.º 59.º do Regime Geral das Edificações Urbanas (aprovado pelo D.L. 38.382, de 7 de Agosto de 1951), mas também por remissão o art.º 5.º, 2, do PDM-1991, o art.º 33.º, 2, das Normas Provisórias e o art.º 20.º, f), do PDM-2006 e das medidas preventivas por remissão), sendo nulo. A decisão recorrida ao decidir que o licenciamento camarário em causa cumpria com tais disposições legais, incorreu na sua violação.”*A entidade requerida apresentou contra-alegações...

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