Acórdão nº 09322/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A...& Co. KG, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no âmbito do incidente previsto no artº 124º CPTA, dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. Ao presente recurso deve atribuir-se efeito suspensivo, nos termos da regra geral relativa ao efeito dos recursos contida no n.° l do artigo 143.° do CPTA, uma vez que não foi interposto de uma decisão que adote uma providência cautelar mas, ao invés, foi interposto de uma decisão que revogou tal providência.

  1. Um ato administrativo de atribuição de números de registo nacional é um ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade.

  2. Os direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais pessoais que beneficiam do mesmo regime de proteção constitucional aplicável à liberdade fundamental de criação cultural em que se apoiam ou seja, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, 4. Os direitos de propriedade industrial são, por outro lado e conforme reconhecido pelo Tribunal Constitucional e por ilustres constitucionalistas, direitos de propriedade privada e, como tal, direitos fundamentais de natureza análoga à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição, designadamente do estabelecido no seu artigo 18.°.

  3. Tais direitos gozam ainda de uma tutela constitucional acrescida, se bem que por via indi-reta ou reflexa, decorrente da proteção direta que têm vindo a merecer ao nível do Direito Internacional e do Direito da União Europeia, cujas normas vigoram na ordem jurídica interna português por força do disposto no artigo 8.° da Constituição.

  4. Um ato de registo nacional de AIM comunitária é ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento, no território nacional, atividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu destinatário do dever de exercício dessa mesma atividade.

  5. Ao Estado incumbe o dever de salvaguarda dos direitos de propriedade industrial, como direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, obrigando-o a adotar formas de organização e de procedimento adequadas à sua proteção efetiva.

  6. Entre os deveres do Estado avulta também a sua vinculação aos princípios da legalidade e da imparcialidade.

  7. O princípio da legalidade impõe-lhe que, no âmbito da sua atuacão, a Administração respeite a lei mediante a sua subordinação a todo o bloco legal, onde se insere, entre outros, a Constituição da República Portuguesa.

  8. Por seu turno, o princípio da imparcialidade impõe à Administração Pública que, antes da tomada de qualquer decisão, aprecie todos os interesses em causa com a adoção do seu comportamento.

  9. Assim, e na estreita medida em que a autorização administrativa ora impugnada tem como finalidade última e efeito útil a viabilização de uma prática criminosa (nos termos do artigo 321.° do Código da Propriedade Industrial) levada a cabo por terceiros, a existência de direitos de propriedade industrial que serão necessariamente violados por uma tal ati-vidade, direitos esses análogos aos direitos, liberdades e garantias, tem necessariamente de ser considerada pela Administração Pública no âmbito da sua atividade.

  10. A Lei n.° 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente.

  11. Os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância que o ato de registo nacional de AJM comunitária (e também a aprovação de PVP) ter por objeto mediato uma atividade - a comercialização dos medicamentos da Contra-interessada - violadora dos direitos de patente da Recorrente que constituem um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias e, para além disso, considerada pela lei como um crime previsto e punido pelos artigos 321.° e 324.° do Código da Propriedade Industrial, sendo nulos, nos termos do artigo 133.°, n.° 2, alíneas c) e d) do CP A.

  12. Nessa ação não se defende que o ato de registo nacional de AJM comunitária (ou as aprovações de PVP) em causa sejam per se violadoras dos direitos invocados pela ora Recorrente.

  13. O que se pretende, em suma, na ação principal, é a verificação da inconstitucionalidade dos atos administrativos impugnados e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE.

  14. Invocou a Recorrente na ação principal a nulidade dos atos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133° n° 2 c) e d) do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), por tais atos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de proteção dos autos e porque a atividade por eles licenciada é uma atividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321° do Código da Propriedade Industrial.

  15. Mais invocou que o mesmo ato era inválido, nos termos do art.° 135.° do CP A, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um ato administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18° da Constituição que tem aplicação direta.

  16. Uma vez que a declaração de invalidade dos números de registo atribuídos pelo Infarmed, pedida na ação principal é formulada à luz dos referidos artigos 133.° e 135." do CP A, da Lei n.° 62/2011 não pode decorrer que a pretensão da Recorrente na ação principal se tornou manifestamente improcedente e com esse fundamento, que a presente providência cautelar deva ser revogada.

  17. A nova norma do artigo 23-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de um ato administrativo de registo nacional, pelos Tribunais, com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por aquele ato consentida e, mesmo, imposta.

  18. As normas dos artigos 25.° n.°2 e 179.° n.°2 do Estatuto do Medicamento, com a redação que lhes foi dada pela Lei n.° 62/2011, têm que ser entendidas como contendo uma proibição, procedimental, de o Infarmed alterar, suspender ou revogar atos de registo nacional de AIM comunitária com base na existência de direitos de propriedade industrial.

  19. Elas não têm, porém, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade daqueles atos administrativos de atribuição de números de registo nacional que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licenciem a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.

  20. Se, porém, tais normas forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed aprecie, no contexto daqueles atos administrativos, a eventual violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente, do artigo 18.° da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.

  21. As considerações cima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.° da Lei n.° 62/2011, ao pedido de intimação da DGAE à abstenção da prática do ato de aprovação de PVP 24. As disposições constantes do artigo 23.°-A, n.° l e n.° 2, do artigo 25.°, n.° 2 e do artigo 179.°. n.°2 do Estatuto do Medicamento — na redação conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/201 1, bem como o artigo 8.°, n.° l, 2, 3 e 4 do mesmo diploma — , acima referidas e mencionadas na decisão sob recurso, não têm qualquer conteúdo útil no contexto da ação principal, uma vez que esta não pressupõe que o ato de registo nacional de AIM comunitária, em causa nestes autos, seja "contrário" aos direitos de propriedade industrial da Requerente, baseando-se exclusivamente na circunstância de que o mesmo viabiliza juridicamente a prática de atívidade que, ela sim, é contrária a tais direitos.

  22. Se, porém, as disposições constantes do artigo 23.°- A. n.° l e n.° 2. do artigo 25.°. n.° 2 e do artigo 1 79.°. n.° 2 do Estatuto do Medicamento (na redação conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/201 1, bem como o artigo 8.°, n.° l, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, forem entendidas - o que não deriva do seu texto - como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED (ou MEE/DGAE) aprecie, no contexto daqueles atos administrativos, a eventual violação direitos de propriedade industrial por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou o obriguem a praticar aqueles atos de registo nacional que viabilizam a comercialização dos medicamentos, tais disposições serão materialmente inconstitucionais, por desconsideração de direitos liberdades e garantias, desde logo por violação dos 17.°, 18.°, 42.°, 62.°, n.° l e 266.° da Constituição da República Portuguesa, consagradores dos direitos/liberdade fundamentais de criação cultural e de propriedade privada, concebidos como alicerces constitucionais dos direitos fundamentais de propriedade industrial e por falta de uma proteção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Publica, com violação nomeadamente do artigo 1 8.° da Constituição.

  23. Deverá, assim, este Venerando o Tribunal ad quem recusar a aplicação dessas normas, com um tal entendimento, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação, nomeadamente, dos artigos 17.°, 18.°, 42°, 62.° e 266.° da Constituição da República Portuguesa.

  24. Tais normas (elencadas da Lei n.° 62/2011) são ainda inconstitucionais por consagrarem um desvio...

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