Acórdão nº 04340/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Outubro de 2012
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO A..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 24/01/2008 que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada contra o Município de Loulé, julgou procedente a exceção de prescrição, nos termos do preceituado no artº 498º do CC, absolvendo o réu do pedido de condenação ao pagamento da quantia de € 703.135,34, sendo € 389.363,14 de capital em dívida e € 313.772,20 de juros vencidos até 15/09/2004, bem como dos juros a contar da citação e após a notificação para a capitalização dos juros vencidos, dos que entretanto se vencerem, até efetivo pagamento.
Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 204 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as demais referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “A.
O juiz, terminada a fase dos articulados, deveria ter convocado audiência preliminar, nos termos do art. 508-A CPC, destinada a discutir eventuais exceções dilatórias, que entendesse existirem ou a proporcionar discussão de exceções perentórias ou o fundo da questão, se entendesse que havia nos autos todos os elementos que o habilitassem a julgar de mérito.
B.
As questões levantadas pelas partes na presente ação não podem classificar-se como de manifesta simplicidade, segundo os padrões correntes na comunidade jurídica, em particular nos tribunais superiores, pelo que não se encontravam reunidos os pressupostos para que o juiz dispensasse a convocatória de audiência preliminar.
C.
O despacho de fls. 201 faz incorreta aplicação do direito ao atribuir ao juiz um poder discricionário na convocação ou não da audiência preliminar e ao fundamentar esse poder discricionário nos arts. 508 e 509 CPC.
D.
O poder discricionário de convocar ou não a audiência preliminar só ocorre se se verificarem os pressupostos que permitem ao juiz prescindir da audiência, tal como estão expressos no art. 508-B CPC (fixação de base instrutória nos casos em justificada simplicidade da causa ou discussão de exceções dilatórias já discutidas nos autos ou do mérito da causa nos casos em que a sua apreciação revista manifesta simplicidade) E.
O conceito de manifesta simplicidade é de natureza objetiva e corresponde ao que a comunidade jurídica considera como não sendo de resolução fácil ou evidente ou que ofereça matéria para discussão ou debate contraditório.
F.
O conceito de manifesta simplicidade ou de manifesta dificuldade é sindicável pelos tribunais de recurso.
G.
No caso dos autos, as matérias relativas às exceções suscitadas no processo, à matéria das exceções perentórias e o próprio fundo da questão têm complexidade bastante para não configurarem os pressupostos da faculdade de dispensa da audiência preliminar.
H.
A exceção da prescrição com fundamento no art. 498 CC ou relativa a responsabilidade civil do Estado ou das outra pessoas coletivas públicas nunca foi suscitada nos autos e nunca foi neles discutida.
I.
Pelo que é razão acrescida para a necessidade de convocar a audiência preliminar.
J.
O Município Réu não invocou nunca na ação a prescrição da responsabilidade civil extracontratual emergente dos factos que constituem a causa de pedir.
K.
A invocação da prescrição das obrigações objeto da ação é condição indispensável para que o juiz possa conhecer da extinção das obrigações objeto da ação por prescrição.
L.
É nula a sentença que conheça de questões que as partes não tenham submetido à sua apreciação.
M.
A sentença não se pronunciou sobre o pedido reconvencional deduzido pelo Município Réu e a exceção de prescrição aí invocada, pelo que é nula por omissão de pronúncia.
N.
O pedido do Autor consiste na condenação do Município Réu a pagar os montantes devidos pelo depósito de resíduos urbanos em aterro sanitário construído pelo Autor, em cumprimento de um contrato administrativo celebrado com o município Réu.
O.
Trata-se pois do cumprimento de obrigações contratuais.
P.
À prescrição das obrigações emergentes de contrato aplica-se o regime jurídico e os prazos prescricionais constantes dos art. 309 e sgs. CC.
Q.
O prazo prescricional do art. 498 CC apenas se aplica à responsabilidade civil extracontratual quer dos particulares quer do Estado e das demais pessoas coletivas públicas.
R.
O Tribunal, ao não convocar a audiência preliminar, violou o art. 508-A CPC, pelo que deve ser anulado todo o processado após o último articulado, baixando os autos para convocação da audiência preliminar.
S.
Também incorreu na violação do art. 508-A CPC o despacho de fls. 201, ao manter a não convocação da audiência preliminar, pelo que deve ser revogado.
T.
A sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 668.1.d) CPC, uma vez que as partes não submeteram ao Tribunal a apreciação daquela exceção de prescrição.
U.
E igualmente nula por omissão de pronúncia porquanto se não pronuncia sobre o pedido reconvencional, violando dessa forma o mesmo art. 668.1.d).
V.
A sentença faz incorreta aplicação do direito ao aplicar a norma do art. 498 CC, que regula o prazo de prescrição da responsabilidade extracontratual a obrigações de natureza contratual.”.
Termina pedindo que seja julgada procedente a arguição de nulidade da sentença, porque há prova que deve ser produzida, devendo os autos baixar para ser organizado saneador, factos assentes e base instrutória e prosseguirem com a instrução e julgamento.
* O ora recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.
* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (cfr. fls. 269 a 277).
Está em causa uma ação administrativa comum, colocando-se a questão de saber se deveria ou não ter sido convocada a audiência preliminar.
O regime de dispensa ou não dessa diligência deve ser apreciado pelo juiz, considerando toda a prova produzida e a discussão jurídica das questões suscitadas.
Nos presentes autos foi deduzida a exceção de prescrição, tanto em relação ao pedido formulado pelo autor, como em relação ao pedido reconvencional.
Afigura-se que a dispensa da audiência preliminar deveria ter sido fundamentada com base numa das situações previstas no artº 508º-B do CPC, o que não aconteceu e que, no caso, a sua realização não teria trazido nada de novo em relação ao sentido da decisão relativa à prescrição, por não ter sido posta em causa a matéria de facto apurada.
O que está em causa saber é se os factos apurados são adequados para se julgar a exceção de prescrição.
No que respeita à nulidade da sentença, por aplicação de normativos de direito não invocados pelas partes, está em causa o segmento da disposição da alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC que veda o conhecimento de questões de que o juiz não podia conhecer.
A sentença para apreciar a exceção de prescrição veio a considerar factos que não foram alegados pelas partes e que não foram consignados na matéria de facto dada como provada, aplicando norma jurídica diversa da indicada pelo réu, o que só poderia ter ocorrido se tivessem sido alegados factos.
A sentença padece, pois, de nulidade, por invocar factos não alegados pelas partes, em violação da alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC.
Verifica-se ainda a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, quanto à prescrição suscitada pela recorrente em relação ao pedido reconvencional, impondo-se a fixação da matéria de facto relevante à sua apreciação.
Pugna pela procedência do recurso.
* O recorrente pronunciou-se sobre o parecer do Ministério Público, em sentido não inteiramente concordante com o parecer emitido, reiterando o anteriormente alegado.
* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II.
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo...
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