Acórdão nº 09409/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Freguesia de Santa Catarina e a Freguesia de Chainça, devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 25/09/2012 que, no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia, movido contra o Ministério da Educação e da Ciência, julgou verificada a exceção de ilegitimidade ativa e, consequentemente, julgou improcedente a providência cautelar, absolvendo a entidade demandada da instância.

Formulam as aqui recorrentes nas respetivas alegações (cfr. fls. 166 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. A da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no procedimento cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo à margem identificado, que julgou improcedente a providência cautelar requerida, absolvendo a Entidade Demandada Ministério da Educação e Ciência da instância, é ilegal, injusta e faz má interpretação e aplicação do Direito Processual.

  1. Refuta-se o entendimento do Tribunal a quo, que decidiu pela absolvição da Entidade Demandada da instância com fundamento em suposta falta de legitimidade ativa das Requerentes para requerer a providência cautelar em causa, 3. Na medida em que considerou, como objeto do presente processo, a organização da rede escolar do ensino público, e que, não tendo as Recorrentes competências específicas nessa matéria, também não têm legitimidade para intentar qualquer processo nesse âmbito, inclusive através do regime da ação popular, seja com fundamento na Constituição ou na lei ordinária.

  2. A providência cautelar requerida pelos ora Recorrentes destina-se a obter: a) a suspensão da eficácia do despacho emitido pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, datado de 28/06/2012, que autorizou a constituição do Agrupamento de Escolas Caranguejeira – Santa Catarina da Serra, por agregação dos pré-existentes agrupamentos de escolas de Caranguejeira e de Santa Catarina da Serra; b) a proibição da prática de qualquer ato administrativo de execução daquele despacho; c) a suspensão da eficácia de qualquer ato administrativo de execução daquele despacho, já levado a cabo.

  3. A causa de pedir das Recorrentes em sede de providência cautelar é, inequivocamente, a proteção do direito à Educação e ao ensino público dos residentes da área das suas circunscrições.

  4. Como resulta do requerimento inicial, entendem as Recorrentes que a agregação dos agrupamentos de escolas de Caranguejeira e de Santa Catarina da Serra irá prejudicar irremediavelmente o direito à Educação das suas populações e destruir o ensino público naquelas duas freguesias, 7. Pois, a agregação de ambos os agrupamentos acarretará o fim do projeto educativo existente no Agrupamento de Escolas de Santa Catarina da Serra, de comprovado sucesso, e levará à migração dos alunos daquele agrupamento para os colégios privados de Fátima.

  5. Desta forma, o ato sub judice ofende o direito fundamental à Educação plasmado no art. 73° e seguintes da CRP.

  6. O referido ato viola, ainda, formal e substancialmente, os princípios e normas jurídicas aplicáveis à agregação de agrupamentos de escolas, 10. Porque não foram cumpridos os formalismos legalmente exigidos, designadamente, a apresentação da proposta de agregação ao município e aos conselhos gerais dos agrupamentos de escolas, para consulta, conforme dispõe o Despacho n° 4463/2011, de 11 de março, 11. E porque não cumpre os requisitos legalmente estipulados para a criação de novos agrupamentos, nomeadamente, o princípio da agregação de agrupamentos com diferentes níveis de escolaridade, conforme o Despacho n° 5634-F/2012, de 26 de abril.

  7. Estabelece o art. 9°, n°2, do CPTA que “Independentemente de ter interesse pessoal na demanda (...) as autarquias locais (...) têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos (...)”, como o caso do direito à Educação e ao ensino público, consagrados nos artigos 73° e seguintes da CRP.

  8. Citando a sentença recorrida, tal disposição visa “conferir legitimidade ativa às entidades titulares de interesses legítimos contrapostos aos do réu, se e quando, mesmo não sendo parte na relação material subjacente, revelem interesse na instauração, prosseguimento e eventual procedência do pleito.

    ” 14. Ainda que as Recorrentes não tenham competências específicas na área da organização da rede escolar do ensino público, têm interesse legítimo na defesa dos direitos fundamentais associados à Educação nas suas circunscrições.

  9. Caso fosse correto o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual as Recorrentes só teriam legitimidade ativa para a presente providência cautelar caso tivessem competências próprias naquela área especifica, então estariam a agir como partes na relação material subjacente, consequentemente, aquele art. 9°, n°2, do CPTA não teria qualquer aplicabilidade ou propósito de existir.

  10. As Recorrentes estão a agir como garantes dos valores e bens constitucionalmente protegidos da Educação, que, no seu entendimento, estão a ser ofendidos pelo ato praticado pela Entidade Recorrida, daí decorrendo a sua legitimidade ativa.

  11. A legitimidade ativa também se verifica para efeitos de impugnação de atos administrativos, pois estabelece o art. 55°, n° 1, f) do CPTA que essa legitimidade assiste, entre outras, às pessoas e entidades identificadas no supracitado art. 9°, n° 2.

  12. De qualquer forma, a legitimidade ativa das Recorrentes para a impugnação do ato administrativo em causa, e para as respetivas providências cautelares, ao abrigo do art. 112°, n° 1 do CPTA, também advém do facto do processo se debruçar sobre direitos e interesses que às Freguesias de Santa Catarina da Serra e de Chainça incumbe defender, nos termos do disposto no art. 55°, n° 1, c).

  13. Na medida em que incumbe às freguesias defender e promover o direito à Educação dos residentes da sua circunscrição, pois têm atribuições e competências nessa matéria, por força do disposto no art. 14°, n° 1, c) da Lei n° 159/99, de 14 de setembro, e no art. 34°, n° 6, l) da Lei das Autarquias Locais.

  14. O facto de as freguesias terem atribuições e competências meramente genéricas no âmbito da Educação é mais que suficiente para lhes atribuir legitimidade ativa por via do referido art. 55°, n° 1, c), quando o que está em causa é exatamente o direito à Educação e ao ensino público.

  15. Ainda, o direito à Educação e ao ensino público são, indubitavelmente, interesses dos residentes na área de circunscrição das Recorrentes, que são constitucionalmente consagrados e que merecem proteção jurídica.

  16. De acordo com o disposto no art. 2°, n° 2 da Lei n° 83/95, de 31 de agosto, as autarquias locais têm o direito de ação popular relativamente aos interesses de que sejam titulares os residentes na área da respetiva circunscrição.

  17. São interesses protegidos pela presente lei, nos termos do seu art. 1°, n° 2 – entre outros, pois esta é uma enumeração não taxativa – a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público, 24. Os interesses protegidos por aquela lei são os designados interesses difusos, que pertencem à globalidade das pessoas e a ninguém especialmente determinável, nos quais se incluem também os interesses da educação e do ensino público.

  18. Assim, as freguesias têm o direito de ação popular relativamente aos interesses sobre a educação e o ensino público dos residentes na área da sua circunscrição. (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-04-2003, in www.dgsi.pt) 26. Sendo que, de acordo com o art. 12°, n° 1 da mesma lei, a ação popular administrativa compreende a ação para defesa dos interesses supra enumerados, que é exatamente o processo ora em causa.

  19. No entendimento das Recorrentes, o ato praticado pela Entidade Recorrida ofende o direito à Educação e ao ensino público dos residentes da sua circunscrição, 28. É com base nesse pressuposto que as Recorrentes requereram a providência cautelar em apreço, e é com base nesse pressuposto que deve ser avaliada a sua legitimidade ativa.

  20. A legitimidade das partes deve ser avaliada pela perspetiva como o autor configura a relação material controvertida, conforme estabelece o n° 3 do art. 26° do CPC. (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-2004, in www.dgsi.pt) 30. E, na perspetiva das Recorrentes, requerentes da providência cautelar, a relação jurídica material controvertida centra-se na ofensa ao direito à Educação e ao ensino público dos residentes nas freguesias de Santa Catarina da Serra e de Chainça por via do ato administrativo praticado pelo Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, que autorizou a constituição do Agrupamento de Escolas Caranguejeira – Santa Catarina da Serra, por agregação dos pré-existentes agrupamentos de escolas de Caranguejeira e de Santa Catarina da Serra.

  21. Se do ato administrativo em causa resulta efetivamente alguma ofensa a tais direitos, como entendem as Recorrentes, só em sede de julgamento do presente procedimento cautelar e subsequente ação principal se poderá aferir, pelo que deverá o processo prosseguir para a fase de julgamento.

  22. No entanto, o Tribunal a quo julga o processo de constituição de agrupamentos como um interesse ou um valor per si, de forma a que só tem legitimidade ativa por via de qualquer das disposições supra mencionadas (arts. 9°, n° 2, e 55°, n° 1, c), do CPTA, e art. 2°, n° 2 da L83/95) quem tenha competências específicas nesse âmbito.

  23. Como resulta dos vários diplomas legais que regulam o processo de agregação de escolas, essa é uma competência...

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