Acórdão nº 07110/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução19 de Junho de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO José ...

, soldado de infantaria nº .... da GNR, afecto à Brigada Fiscal da GNR, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho da autoria do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, datado de 3 de Dezembro de 2002, que determinou a passagem do recorrente à situação prevista no nº 4 do artigo 75º do EM/GNR, assacando-lhe vícios de violação de lei, por erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito.

Respondeu a autoridade recorrida, pugnando pela manutenção do acto, por aquele não padecer dos vícios assacados [cfr. fls. 47/52 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Nas suas alegações, o recorrente concluiu nos seguintes termos: "I - Visam os presentes autos a anulação da decisão proferida pelo Exmº Sr. Secretário Estado Adjunto do Ministério da Administração Interna, o qual, no uso de competências que lhe foram delegadas pelo Exmº Sr. Ministro da Administração Interna, dispensou do serviço o ora recorrente, militar da GNR.

II - Como fundamento dessa decisão foi considerado que o recorrente terá perdido as qualidades essenciais que definem o perfil de militar da guarda, como soldado da lei, perfil este tipificado no nº 2 do artigo 2º dos Estatutos dos Militares da Guarda Nacional Republicana.

III - No que respeita aos factos que são imputados ao ora recorrente, considerou a decisão em crise que este terá participado num desembarque de tabaco ilegal, ou prestado apoio aos seus autores.

IV - O referido desembarque, terá decorrido na noite de 21 para 22 de Abril de 2000, em Viana do Castelo, no local designado Senhora das Areias, na margem esquerda do Rio Lima.

V - O recorrente foi surpreendido a algumas centenas de metros desse local por um companheiro da GNR, soldado NIBRA, que se encontrava emboscado.

VI - Este retirou o telemóvel ao recorrente e atendeu, pelo menos, uma chamada nesse aparelho.

VII - O recorrente foi incentivado a deslocar-se ao referido local por uma chamada que recebeu no seu telemóvel, anteriormente, por volta das 3:00 h.

VIII - Não se apurou que tenha contactado com os contrabandistas nem praticado qualquer acto relacionado com o desembarque em curso.

IX - Todavia, quando intimado pelo dito soldado NIBRA, o recorrente, não sabendo ao certo o que se estava a passar, ausentou-se do local sem tentar averiguar mais pormenores.

X - É, igualmente, imputado ao recorrente o facto de ter contactado, anteriormente à ocorrência dos factos supra mencionados, um companheiro de serviço, o soldado MANHENTE, tendo-lhe, alegadamente, pedido para colaborar no desembarque ilícito de tabaco que iria decorrer.

XI - Todavia, o referido soldado MANHENTE nada comunicou aos seus superiores hierárquicos.

XII - É manifesta a incoerência entre a sua versão destes factos e a reproduzida pelo seu companheiro soldado ANTÓNIO ESTEVES, a quem o soldado NIBRA, alegadamente, terá confidenciado o hipotético contacto com o recorrente.

XIII - Os depoimentos dos soldados MANHENTE e ESTEVES foram induzidos no sentido de incriminar o recorrente, associando-o ao desembarque de tabaco ocorrido na Senhora das Areias, carecendo, pois, de credibilidade.

XIV - Mediante informação prestada pela TMN, a decisão "sub judice" considerou que o recorrente não recebeu qualquer chamada no seu telemóvel no dia do desembarque.

XV - Todavia e porque se trata de um facto susceptível de incriminar o recorrente, a decisão em apreço já admite que nessa mesma data, a testemunha soldado NIBRA recebeu no telemóvel do recorrente, do qual se apropriou, uma chamada.

XVI - Por conseguinte, enferma a mesma de facciosismo e parcialidade.

XVII - A decisão em crise considera que o recorrente se encontrava na Senhora das Areias para apoiar os actos ilícitos de desembarque de tabaco.

XVIII - Todavia, não especifica quais os actos praticados por ele em concreto, nem o contributo que prestou aos contrabandistas.

XIX - Destarte, a decisão em apreço que sanciona o recorrente fundamenta-se em meras conjecturas ou suposições e não em factos concretos e, como tal, é ilegal.

XX - O comportamento do recorrente, até à data da ocorrência dos factos que lhe são imputados, é irrepreensível e como tal insusceptível de alicerçar a sua predisposição para a prática de qualquer acto ilícito.

XXI - A dispensa de serviço aplicada ao recorrente é, por conseguinte, uma sanção infundada e desproporcional relativamente à infracção eventualmente por ele praticada.

XXII - A decisão recorrida violou o princípio geral contido no artigo 40º, nº 2 do Cód. Penal, segundo o qual a medida da culpa do agente condiciona a medida da pena, não podendo esta ultrapassar aquela em caso algum".

Por seu turno, nas contra-alegações apresentadas, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões: "[...] b) A avaliação do perfil comportamental do militar resultou da apreciação global de todo o seu passado na GNR; c) A natureza e a gravidade dos factos apurados são reveladoras da perda das qualidades essenciais para continuar a servir a Guarda Nacional Republicana; d) A alegação visando considerar excessiva uma pena disciplinar que não existe, não pode ser contraditada, já que não nos encontramos no domínio de um processo disciplinar; e) Os factos considerados provados revelam que o ora recorrente se colocou na inequívoca situação de perda de qualidades essenciais que definem o perfil de militar da Guarda [artigo 2º, nº 2 do EMGNR, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho]; f) Foi dado integral cumprimento ao nº 2 do artigo 94º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho; g) A análise factual apresentada pelo recorrente em nada afecta a convicção de que se trata de factos de extrema gravidade, sendo plenamente justificada a decisão que assentou na perda de qualidades essenciais que definem o perfil de militar da Guarda [artigo 2º, nº 2 do EMGNR, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho]".

A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso merece provimento [cfr. fls. 84/85 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Resulta do processo instrutor apenso e também do acervo documental constante dos presentes autos, com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso, a seguinte factualidade: i.

    Na sequência duma participação elaborada pelo Capitão de Infantaria António Manuel Carrilho dos Prazeres, o comandante do Grupo Fiscal do Porto da Brigada Fiscal da GNR, por despacho datado de 22-5-2000, determinou a abertura de processo disciplinar contra o aqui recorrente [cfr. fls. 9 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    ii.

    Em 16 de Março de 2001 foi deduzida acusação contra o recorrente, com o seguinte teor:"ACUSAÇÃO Nos termos do artigo 98º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana [RD/GNR], com base nas declarações do arguido, autos de acareação e nos depoimentos de testemunhas, deduzo, contra o arguido, Soldado de Infª nº 1113/836339 - José ..., a seguinte acusação.

    1 - Matéria de facto a. Na noite de 21 para 22 de Abril de 2000, o Comandante do Destacamento Operacional de Caminha, Capitão António Manuel Carrilho dos Prazeres, na posse de notícias, que lhe indicavam a possibilidade de se efectuar um desembarque de tabaco, no Porto de Viana do Castelo, montou uma operação discreta no terreno, pedindo para o efeito, colaboração ao Subdestacamento Operacional da Póvoa de Varzim.

    1. Cerca das 02H50, do dia 22.ABR.00, uma pequena embarcação, tipo "bateira", vinda do interior do rio, abeirou-se da entrada da barra, tendo ficado a pairar, aí permanecendo, até cerca das 03H20, altura em que uma outra embarcação de médio porte, vinda do mar entrou na barra e depois de uma pequena conversação entre tripulantes de ambas, subiu rio acima.

    2. O arguido, cerca das 03H00 do dia 22ABR00, contactou o Soldado Manhente, no local "RIBEIRA", onde efectuava o seu serviço e lhe pediu para não actuar nem denunciar, perante qualquer movimento que eventualmente observasse e que posteriormente alguém o iria contactar.

    3. O Soldado Manhente após ter sido abordado pelo arguido, ligou cerca das 03H10 do dia 22ABR.00, para casa do Soldado Esteves, a solicitar-lhe ajuda.

    4. O Soldado Esteves, pelas 03H10 do dia 22ABR00, recebeu, o telefonema do soldado Manhente, mostrando nas palavras grande preocupação, a comunicar-lhe que um camarada seu, o tinha contactado e lhe tinha feito uma proposta, referindo-lhe, que iria haver um desembarque de tabaco no local denominado Srª das Areias e caso observasse alguma embarcação subir o rio, nada fizesse nem comunicasse nada a ninguém.

    5. O Soldado Esteves, aconselhou-o, a contactar as equipas que estavam de serviço, tendo o Soldado Manhente referido que o militar que o contactou [arguido], lhe disse, que estava tudo controlado.

    6. O Soldado Nibra, convocado para tomar parte na operação, quando se encontrava no local Srª das Areias, para se inteirar de movimentos suspeitos, viu aparecer junto de si o arguido, que não se encontrava de serviço.

    7. O telemóvel do arguido, tocava constantemente, tendo uma das vezes o Soldado Nibra, incentivado o arguido a atender, o que não aconteceu. Entretanto, como o telemóvel continuava a tocar, o Soldado NIBRA, solicitou ao arguido a entrega e mais tarde atendeu uma chamada, na presença do Soldado Teixeira, tendo-lhe sido perguntado, do outro lado, "o que se passava", tendo o Soldado Nibra respondido, "que estava ali muita confusão" e desligou.

    8. O arguido, declarou nos autos ter recebido no seu telemóvel nº 964509400, uma chamada, cerca das 03H00 do dia 22 de Abril de 2000, quando se encontrava na central de camionagem de Viana do Castelo...

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