Acórdão nº 02320/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução30 de Abril de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo: I - A... -Argilas do Centro, S.A., não se conformando com a sentença do Mº Juiz do TAF de Leiria que concedeu parcial provimento ao recurso que havia interposto da decisão lhe aplicou coima dela vem interpor recurso para esta Secção do TCAS, formulando as seguintes conclusões: 1. A sentença deve ser revogada.

  1. A título de questão prévia, diga-se que o processo, e a decisão, estão feridos de nulidade, a qual é insanável e de conhecimento oficioso.

  2. Nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos.

  3. Nos termos da jurisprudência constante do STA, "Em processo de contra-ordenação fiscal, constitui nulidade insuprível, por força do disposto no art° 63°, n° 1, al. d) do RGIT, a falta de indicação, na decisão de aplicação da coima, dos elementos que contribuem para a sua fixação. II - Assim, não satisfaz aquele requisito, exigido pelo art° 79°, n° 1, al. c) do RGIT, a remissão para uma informação que conste do processo de contra-ordenação." (cfr. Ac. de 22.02.2006, proferido no processo n° 0834/05, entre outros).

  4. O art° 79°, n° 1, alínea c) do RGIT, exige que os elementos que contribuíram para a fixação da coima sejam indicados na decisão, pelo que não basta a referência a um documento distinto dela em que eles eventualmente venham indicados.

  5. No caso concreto, a decisão de aplicação da coima não satisfaz a indicação, concreta e circunstanciada, dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.

  6. Pelo contrário, faz-se tão-só a remissão para outras peças do processo, usando-se a seguinte expressão: "Atendendo às condições objectivas e subjectivas que rodearam o ilícito e que vem noticiado a fls. 2, o informado a fls. 8, e no uso da competência prevista na alínea b) do art° 52° do RGIT, aplico a coima de (...)" 8. Ora, atento o Acórdão referido, nomeadamente, não é admitida em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, excepto quando a coima se fique pelo mínimo legal.

  7. Variando a coima entre 20% e a totalidade do imposto omitido, isto é, entre 10.193,18€ e 50.965,91€ (relativos a IVA), a coima fixada, no valor de 12.308,26€, suplanta o montante mínimo aplicável, pelo que, não está a Administração dispensada de indicar os elementos que contribuíram para a fixação da coima.

  8. É, por isso, de todo irrelevante que a graduação da coima não se afigure "desajustada", nomeadamente, em função do "cadastro" da recorrente.

  9. A lei é clara, e não se compadece com interpretações.

  10. A lei obriga a Administração Tributária a fundamentar expressamente a fixação da coima sempre que esta exceda o mínimo legal (de 20% do valor do imposto não entregue).

  11. Assim, mesmo que exceda apenas em 0,1%, por hipótese, a decisão deve ser fundamentada.

  12. Trata-se de uma norma instituída em função do interesse dos contribuintes em ter acesso, em tempo útil, aos fundamentos da decisão que determina a sanção aplicável.

  13. Interesse que corresponde a um direito fundamental destes, que não pode ser suprimido ou comprimido em função de tergiversações interpretativas.

  14. Aliás, a entender-se que a (letra) da lei não constitui um limite inultrapassável, imposto em nome do interesse dos administrados, então estaria aberta a via para a Administração, "grão a grão", ir coleccionando mais alguns cêntimos, sem ter o dispêndio de tempo e trabalho a fundamentar adequadamente as suas decisões, como se lhe impõe.

  15. Compulsando os princípios da legalidade, boa-fé e proporcionalidade vigentes no ordenamento tributário em geral (e, "mutatis mutandis", no ordenamento penal), tal entendimento constituiria uma intolerável agressão aos mais elementares direitos dos contribuintes.

  16. Na verdade, o direito à fundamentação das decisões é considerado por todos como um esteio do Estado de Direito Democrático.

  17. Assim sendo, a decisão recorrida é nula, nos termos conjugados dos art°s 79°, n° 1, alínea c) e 63°, n° 1, d), ambos do RGIT.

  18. Nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos, devendo a decisão recorrida ser revogada, com todas as legais consequências, o que se requer.

  19. Dado que não se pode aceitar que, em face de nulidade insanável, o Tribunal "a quo" reduza o montante da coima até aos limites legais mínimos, convalidando uma irregularidade grave praticada pela Administração.

  20. O Tribunal "a quo" errou quanto ao aspecto fáctico do "thema" destes autos.

  21. Quer porque não valorou adequadamente os factos provados.

  22. Quer porque não deu por provados outros factos abundantemente demonstrados pela prova produzida.

  23. Ora, salvo melhor opinião, resulta só por si dos factos provados, que a arguida não praticou a infracção que lhe vem assacada -cfr. art° 114° do RGIT.

  24. Isto porque, o Tribunal dá por provado que nem todo o IVA gerado já tinha sido recebido dos clientes quando estava vencido perante o Estado.

  25. Na verdade, difícil seria o Tribunal dar por provado o contrário, pois é facto notório que o mecanismo de funcionamento do IVA pressupõe, na prática, que as empresas subsidiem o Estado com o seu próprio dinheiro, face aos atrasos sucessivos nas cobranças.

  26. Por isso pergunta-se: o IVA que o Estado reclama, nestes autos, já tinha sido recebido dos clientes da arguida, ou não? 29. Ora, o Tribunal "a quo" fundou a sua convicção probatória nos documentos juntos a fls., mas também, e sobretudo, nos depoimentos de José Joaquim Marques de Almeida e Vítor Carpalhoso, documentados de acordo com a acta de audiência de fls., para cujo teor se remete (e que se dá por inteiramente reproduzida).

  27. Considerou o Tribunal "a quo" que estes depoimentos foram credíveis, e que atestaram, com rigor, a situação financeira da arguida.

  28. Bem como o seu comportamento perante o Estado, os clientes e os fornecedores.

  29. Se assim foi, então o Tribunal "a quo", com base nesses depoimentos, deveria ter dado por provados os seguintes factos: - O funcionamento das regras próprias do IVA levou ao desequilíbrio da tesouraria da arguida.

    - A arguida não tinha condições de proceder ao pagamento da prestação tributária em dívida, que motivou o presente processo contra-ordenacional.

    - Todos os cheques emitidos e subscritos pela Arguida seriam, invariavelmente, devolvidos por falta de provisão 33. Mas também os seguintes factos:- Os fornecedores e clientes tomaram conta da actividade económica da empresa.

    - Apenas forneciam com a garantia antecipada a produto final e stocks.

    - A empresa vem sobrevivendo com a gestão imposta de fora pelos fornecedores e clientes.

    - A gestão foi feita praticamente sem a circulação de dinheiro.

    - O próprio pagamento aos funcionários foi gerido e determinado pelos fornecedores e clientes.

    - Os pagamentos efectuados foram determinados pelos fornecedores e apenas efectuados por estes para garantirem os fornecimentos.

  30. Os depoimentos das testemunhas foram julgados idóneos e credíveis pelo Tribunal "a quo".

  31. As testemunhas mostraram ter razão de ciência suficiente quanto aos factos descritos, não apenas porque conhecem a realidade da empresa, mas também, e sobretudo, por possuírem conhecimentos e experiência na área da contabilidade.

  32. O depoimento das testemunhas, salvo o devido respeito - que muito é! - não pode ser credível para uns aspectos, e absurdo para outros.

  33. Cada empresa é uma realidade específica, sendo possível conceber inúmeras formas de gestão.

  34. E uma delas é a gestão "hetero-imposta", nomeadamente, pelos financiadores.

  35. Como se sabe, clientes, financiadores e fornecedores são realidades que gravitam em torno da empresa, constituindo elementos imprescindíveis desta.

  36. Daí que não seja descabido contemplar que a gestão da empresa se fizesse sem a circulação de dinheiro.

  37. Na verdade, impunha-se que o Tribunal "a quo" compulsasse esse(s) facto(s) com os demais que deu por provados, nomeadamente, que a empresa tinha as suas contas bancárias a "zeros".

  38. Ora, é ou não perfeitamente concebível que a gestão se fizesse sem a circulação de dinheiro, numa empresa com as contas bancárias a "zero"? 43. Além do mais, a gestão imposta por "fornecedores" não tem de ser, necessariamente, uma gestão que conduza à liquidação do activo da empresa.

  39. Os fornecedores entregam as mercadorias desde que tenham uma garantia.

  40. Essa garantia era constituída pela garantia final e stocks.

  41. Assim sendo, o Tribunal "a quo" não apreciou adequadamente a matéria de facto.

  42. Tanto mais que, os factos não provados estão em perfeita associação e sintonia lógica com os factos que o Tribunal deu por provados.

  43. Ora, "revista" a matéria de facto, vejamos as implicações jurídicas.

  44. A contra-ordenação prevista e punida pelo art° 114° do RGIT é decalcada do crime de "abuso de confiança fiscal" previsto no art° 105°, n° 1, do mesmo diploma.

  45. Na verdade - cfr. LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, in "Regime Geral das Infracções Tributárias", Anotado, 2003, pág. 690 e ss. - em qualquer dos casos o que está em causa é a "apropriação" por parte do sujeito passivo de uma quantia que não lhe pertence, mas que pertence ao Estado.

  46. Isto é, o sujeito passivo obriga-se a liquidar e entregar ao Estado uma determinada importância.

  47. No fundo, é um "cobrador" mandatado pelo Estado.

  48. Assim, passe a redundância, para que o sujeito passivo se "aproprie" dessa importância é necessário tê-la recebido (do contribuinte).

  49. Nesse sentido, vide MONTEIRO DA COSTA, José, in "Despenalização da não entrega da prestação tributária", fls. 5, disponível em www.verbojuridico.net.

  50. Na verdade, o art° 105° do RGIT pune todos aqueles casos em que a não entrega da prestação recebida se prolongue, dolosamente, por mais de 90 dias após o termo do prazo legal de entrega.

  51. Nas demais hipóteses, o delito fica-se pela mera contra-ordenação.

  52. Em ambos os casos, todavia, o agente não é punido sempre que por qualquer razão válida não esteja em condições de entregar a referida prestação, por exemplo, porque não a recebeu do contribuinte (o comprador, o cliente final, etc.).

  53. Tal entendimento aplica-se, naturalmente, ao...

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