Acórdão nº 07528/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO “S……… – Sociedade ……….., SA”, com sede em Marteleira, Lourinhã, intentou no TAC de Lisboa uma Acção Administrativa Comum, na forma ordinária, contra o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 25.307,32, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes, causados pelas condutas lícitas que determinaram a proibição de comercialização e consequente destruição dos bens propriedade da autora, acrescido dos correspondentes juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Por sentença do TAC de Lisboa, datada de 29-10-2010, foi a acção julgada integralmente procedente e o Estado Português condenado a pagar à autora a quantia peticionada, acrescida dos juros entretanto vencidos e dos vincendos até integral e efectivo pagamento [cfr. fls. 385/411 dos autos].

Inconformado, interpôs o Estado Português recurso jurisdicional da sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “1. Dos factos dados como provados na acção não resultam verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Administração por facto lícito, pelo que mal andou a sentença recorrida ao condenar o réu nos termos expostos supra.

  1. Com efeito – quanto à exigência da gravidade especial e anormal do dano –, é manifesto que a factualidade provada não permitia nem permite formular um juízo de especialidade e anormalidade que determine o preenchimento de tal pressuposto.

  2. Na realidade, a medida de destruição em causa visou não apenas a autora [em virtude de a mesma se encontrar no circuito de comercialização das aves], mas todos os produtores de aves domésticas para consumo público, já que determinou a destruição dos produtos que se encontravam armazenados.

  3. Ou seja, a medida visou vários cidadãos, não os concretizando nem os determinando, já que a mesma se destinava a todos os operadores económicos [dos matadouros à restauração] que comercializavam carne de aves congelada de origem nacional, e não apenas uma pessoa certa e determinada.

  4. Face ao exposto, os prejuízos em causa não revestem uma natureza de especialidade subjectiva, na consideração de quem os suporta, por isso não poderão ser considerados como especiais.

  5. E também não podem ser considerados anormais: a medida de destruição tomada pelo Ministério da Agricultura visava reforçar a segurança e a confiança dos consumidores, os quais, no mencionado período de crise dos nitrofuranos, tinham praticamente deixado de consumir carne de aves, decorrente do conhecimento público da existência de aves com resíduos de nitrofuranos [cfr. alínea J) da matéria de facto dada como provada].

  6. Ou seja, a medida advém do comportamento do sector onde a autora se insere e destina-se, em primeira linha, a restabelecer a confiança no sector. E conseguiu atingir essa finalidade, como resulta da alínea EE) da matéria dada como provada.

  7. Assim sendo, a actuação da Estado teve como motivo a actividade do sector e destinou-se a relançá-lo. Isto é, com esta actuação, a Administração visou, em primeiro lugar, o interesse destes operadores, sacrificando parcialmente os seus bens. No fundo, foram eles que se colocaram numa situação desigual, já que os resíduos de nitrofuranos foram ministrados às aves pelos operadores do sector, sendo sobre eles que recaiu a medida, em consequência da sua actuação.

  8. Por isso, os prejuízos sofridos pela autora, embora significativos, não podem deixar de ser entendidos como integrados naquele número de sacrifícios que o sector, e não apenas determinadas pessoas ou entidades, teria de suportar para restabelecer a confiança dos consumidores.

  9. Assim, «não podem considerar-se os invocados prejuízos como ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração» [citação do Acórdão do STA, de 21 de Março de 2003], pelo que os mesmos devem considerar-se comuns, no sentido de que recaem genericamente sobre todos os cidadãos ou sobre categorias amplas e abstractos de pessoas, e "normais", no sentido de que são habituais e aceitáveis como risco usual próprio da vida em sociedade» – citação do Acórdão do STA, de 2 de Dezembro de 2004.

  10. Além disso, inexiste nexo causal entre o facto lícito e os danos verificados.

  11. É evidente que a causa directa e imediata da destruição dos produtos constantes dos autos foi a ordem oriunda do Ministério da Agricultura.

  12. Mas a lei exige mais do que uma causa directa e imediata, referindo o artigo 563º do Código Civil que «a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», consagrando assim a teoria da causalidade adequada.

  13. A indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação, nessa altura, era lícito prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras, o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido.

  14. Deste modo, para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o acto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso, ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada [hoc sensit] desse dano e ainda «a causalidade adequada não se refere ao facto isoladamente considerado, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano» – neste sentido, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª Edição, págs. 806 e 928, e Acórdão do STJ, de 25 de Março de 2003, Recurso 02-A-3006.

  15. Ora, no caso presente, é verdade que a ordem do réu Estado foi a causa directa e imediata dos prejuízos da autora. Contudo, ela só ocorreu tendo em conta a crise dos nitrofuranos, pela qual o réu não é responsável, mas o são os criadores de frango, peru e de outros produtos destruídos, o que levou a uma quebra de confiança no consumo do sector.

  16. Ou seja, a ordem dada é uma causa naturalística do dano, mas a mesma não contém em si a adequação – entendida esta nos mencionados termos legais – para produzir o dano, pois o mesmo decorria do comportamento do mercado, atenta a existência de nitrofuranos em produtos a vender, facto este pelo qual os produtores são responsáveis e que – diga-se –, não fora a intervenção do Estado, manteria a estagnação do sector.

  17. Falece, pois, o nexo causal, em termos de causalidade.

  18. Inexistindo, assim, a verificação do nexo causal entre o facto lícito e os danos, e não podendo os prejuízos ser considerados especiais e anormais, não deverá o réu Estado ser condenado a indemnizar a autora, devendo, antes, ser absolvido do pedido.

  19. Ao condenar o Estado e ao arbitrar a indemnização a favor da autora, nos moldes em que o fez, a douta sentença violou o artigo 9º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967 e ainda o artigo 563º do Código Civil.

  20. Termos em que, no provimento do recurso, deve a douta decisão em crise ser revogada e substituída por outra que absolva o Estado do pedido, por falta de verificação dos requisitos de que emerge o dever de indemnizar: a especialidade, a anormalidade e o nexo causal, e absolva o réu do pedido.

  21. Caso assim se não entenda, importa sublinhar que o acto de apreensão foi praticado por motivos de saúde pública e de retoma da confiança no mercado, ou seja, tendo em atenção o interesse público, salientando-se que o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas actuou de forma cautelar, tendo sido tomadas medidas considerando a possibilidade de alguns operadores económicos terem procedido à congelação de carne de aves [após a redução do consumo de carne de aves sequente à divulgação pública da informação relativa ao sequestro de diversas explorações agrícolas] e de uma parte significativa da carne de aves congelada [eventualmente proveniente daquelas explorações], poder ter sido introduzida nos circuitos comerciais antes de as explorações terem sido submetidas a sequestro.

  22. A situação em causa sendo, por um lado, de sacrifício especial de direito do particular, é aquela em que o lesado se encontra, também ele, envolvido especialmente na situação de risco, por actividade desenvolvida no seu interesse, cujas consequências são o dever de suportar uma parcela dos danos, a título de risco, e só a parte restante daqueles ser suportada ou repartida por terceiros.

  23. Já se deixou consignado que, no âmbito da "crise dos nitrofuranos", ocorreu uma quebra de mercado.

  24. Além das circunstâncias exteriores ao dano, existe um risco próprio da actividade de que...

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