Acórdão nº 03658/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | TERESA DE SOUSA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso do acórdão do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões: = A = Vem o presente recurso interposto do acórdão que julgou a presente acção administrativa especial totalmente improcedente, absolvendo, dessa forma, a entidade demandada do pedido e, consequentemente, o contra-interessado Albano …………, Tenente-Coronel da Guarda Nacional Republicana.
= B = O acórdão recorrido não alude, nem mesmo sumariamente, à factualidade dada como indiciada, ou não indiciada, referindo-se, tão só, à conclusão a que chegou da prova que analisou, mas sem dar por assente qualquer facto, nem mesmo por remissão para os autos de processo disciplinar.
= C = O acórdão recorrido violou os n.º s 2 e 3, do art.º 283.º, do CPP, aplicável, in casu, por força do art.º 7.º do RD/GNR, o que determina a sua nulidade, cognoscível em sede de recurso, nos termos do estatuído no art.º 283.º, n.º 3, al. b), do CPP. Logo, salvo melhor opinião, e com a vénia que é devida, o acórdão ora posto em crise deve ser anulado e mandado substituir por outro que descreva a matéria fáctica dos autos dada como indiciada, bem assim, toda aquela dada como não indiciada.
= D = As decisões judiciais são fundamentadas (art.ºs 374.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 do CPP e 202.º da CRP), o que não ocorreu no caso subjudice, não se tendo tido em conta que o elenco dos factos indiciados nos presentes autos encerram uma dinâmica precisa, dispersa por vários acontecimentos que não colidem entre si, antes se compatibilizam, obedecendo a uma inescapável lógica, que deverá vir exposta na fundamentação, a qual será englobante de factos relevantes para a decisão da causa em segmento estruturante da decisão.
= E = Da decisão recorrida restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o Tribunal a quo se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar.
= F = Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade, por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação de que se devem revestir todas as decisões judiciais.
= G = No caso do acórdão recorrido, as regras da experiência sofreram atropelo, sendo aquele completamente adverso à prova existente nos autos, violando-se assim o art.º 127.º do CPP. O Tribunal a quo esmaga a prova e a correlação entre os factos e os depoimentos prestados, com vista à absolvição da entidade demandada e, consequentemente, à absolvição de uma alta patente da Guarda Nacional Republicana.
= H = O despacho recorrido violou, além dos normativos legais supra-indicados, os princípios da legalidade, da tipicidade, da dignidade da pessoa humana, do estado de direito democrático, da igualdade, da necessidade da pena e da proporcionalidade, sendo, por tal via, inconstitucional, o que, também aqui, se invoca.
= I = O direito do cidadão a fazer-se acompanhar por advogado era, e é, assegurado pela aplicação imediata do n.º 2 do art.º 20.º da CRP. Logo, o acórdão recorrido, também nesta parte, viola de forma clara e frontal a Lei Fundamental da República, o que origina uma inconstitucionalidade que, desde já, se argui para todos os efeitos legais.
Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões: A. O Acórdão recorrido fez uma correcta descrição da factualidade com interesse para a decisão da causa; B. Não se verifica a violação dos nºs 2 e 3 do artigo 283º do CPP, que se refere à dedução de acusação pelo Ministério Público, em sede de processo crime, por a descrição da factualidade não estar conforme ao entendimento do ora Recorrente; C. A factualidade descrita no supra referido ponto 3.1. do Acórdão recorrido, encerra a consideração dos factos provados, fazendo referência àqueles que não foram considerados provados, pelo que a fundamentação de facto, como também, a de direito se encontram bem explicitadas no Acórdão recorrido, pelo que este não se encontra ferido de qualquer nulidade; D. Não foi violado o artigo 127º do CPP porquanto o entendimento expresso pelo ora Recorrente na conclusão G) da sua alegação, em nada evidencia que tenha sido violado a regra da livre apreciação da prova; E. O Ora recorrente não evidencia concretamente a violação de qualquer dos princípios que considera violados; F. O direito ao acompanhamento de advogado é integrado, em sede de processo disciplinar, na garantia de audiência e defesa do arguido; G. Ao queixoso não é reconhecido esse direito, pelo RD/GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de Setembro desde logo porque não está em causa a sua defesa.
A EMMP emitiu parecer a fls. 367 a 374 no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido substituindo por outro que, deferindo o pedido, determine a acusação disciplinar do arguido, contra-interessado, nos termos do art. 98º do RD/GNR, quanto à violação do deveres que são integrados pelas atitudes do mesmo constitutivas dos crimes de injúrias e ofensas corporais simples.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos: O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
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O Autor é Cabo de Transmissões/ Exploração n° ………/……….., da Formação do Comando - Geral da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço na Chefia de Investigação Criminal, em …………… - ver docs juntos aos autos.
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Em 6.10.2005, o Autor, através de mandatário forense, apresentou queixa contra Albano …………………., Tenente-Coronel e Chefe da Chefia de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana, na qual fez constar o seguinte: «1. O queixoso/ ofendido foi colocado, por Ordem de Serviço, na Chefia de Investigação Criminal atendendo às suas habilitações técnicas, profissionais e qualidades pessoais, tais como: possuir licenciatura em antropologia, pós-graduação em criminologia, experiência profissional no serviço territorial, formação na área das transmissões/ exploração, conhecimentos na área da informática e ser mestrando na área da sociologia do crime, violência e segurança interna.
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Desde que o queixoso foi colocado naquela chefia que o denunciado, abusando da posição hierárquica que tem sobre o ofendido, vem assumindo diversos comportamentos lesivos de bens jurídicos fundamentais daquele.
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Tais actos repetiram-se ao longo do tempo, não sendo possível precisar a data em que ocorreram.
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E traduzem-se, nomeadamente, em insultos diversos pondo em causa a honra e consideração do queixoso.
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Assim, por diversas vezes apelidou-o de impropérios como: «olhem que o preto está ali sozinho», e sempre que se dirige ou fala do queixoso refere-se a ele como o «preto», manifestando e incitando a uma atitude xenófoba.
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Os diversos comportamentos foram sempre cometidos de forma gratuita, espontânea e na presença de outros camaradas de serviço do queixoso, sem que alguma vez o queixoso praticasse algum acto susceptível de desencadear estas atitudes.
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As mesmas revelam-se ofensivas da honra e consideração do queixoso.
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Mas, os mesmos comportamentos foram-se tornando mais frequentes e num tom mais ofensivo, à medida que o queixoso foi demonstrando o seu desagrado ao denunciado pelo cometimento dos mesmos.
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Do tom ofensivo o denunciado partiu para atitudes ameaçadoras, chegando a referir ao queixoso que tinha que «começar a bater nos militares da chefia», olhando-o firmemente, revelando que se dirigia a ele pessoalmente.
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Não obstante, no dia 21.9.2005, cerca das 17h15m, quando o queixoso se encontrava no seu local de trabalho, sentado a uma secretária, numa das salas das instalações da Chefia de Investigação Criminal em …………, o denunciado dirigiu-se-lhe e, aos gritos, ofendeu-o, chamando-lhe incompetente.
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De seguida, fechou a porta da referida sala e, sozinho com o queixoso, referiu-lhe em voz alta: «seja o que Deus quiser».
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Acto contínuo, agrediu fisicamente o queixoso, agarrando-o com a mão direita na zona do pescoço e empurrando-lhe a cabeça contra o tampo da secretária, num movimento ascendente/ descendente.
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O queixoso estava sentado à secretária e não teve tempo de reagir.
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Deixando perceber que a sua intenção era precisamente a de agredir o queixoso, e que os actos que praticou se destinavam a executar a sua vontade, o que consumou, só não levando os seus intentos mais além porque os gritos de dor e aflição soltados pelo ofendido alertaram os restantes militares que se encontravam naquelas instalações.
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Na sequência destes acontecimentos, e porque ficou psicologicamente debilitado, o queixoso sentiu necessidade de procurar apoio médico.
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Nos termos do art 68°, nº 1, al b) do RDGNR, o queixoso informou o denunciado da sua vontade de apresentar queixa contra este, bem assim foi ainda notificado dessa intenção.
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A actuação do denunciado, para alem de constituir clara e grave violação dos arts 13°, 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa e dos deveres profissionais a que está vinculado, consubstancia, também, a prática dos seguintes crimes: - ofensa à...
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