Acórdão nº 00640/11.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução09 de Setembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO M…, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 06.06.2011, que indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia pela mesma deduzida contra o “MUNICÍPIO DO PORTO” (doravante «MP») e as contra-interessadas “SOCIEDADE…, SA” e “METRO DO PORTO, SA”, todos igualmente identificados nos autos, na qual era peticionada a suspensão de eficácia do despacho do Vereador da CM Porto com Pelouro da Protecção Civil, proferido em 09.12.2010, que ordenou a demolição de duas construções afectas a garagem e arrumos implantadas em terreno que integra edificação onde a mesma habita a título de arrendamento.

Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 327 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O acto administrativo suspendendo ordena a demolição no prazo de 60 dias seguidos, nos termos e com os fundamentos constantes do n.º 1 do artigo 106.º do RJUE, de duas construções destinadas a garagem e arrumos que integram a habitação da autora/recorrente objecto de contrato de arrendamento celebrado em 01.04.1944 com a proprietária e senhoria, a contra-interessada «Sociedade… SA».

  2. A douta sentença em recurso julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia formulada nos autos pela requerente, consequentemente, absolvendo a Câmara Municipal do Porto do pedido, com custas pela requerente.

  3. O fundamento do decidido louvou-se no facto de ter sido considerado não se verificarem os requisitos enunciados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

    Mas, por um lado, 4.ª Tendo em conta os factos tidos como provados pela 1.ª instância, o direito aplicável e a jurisprudência que vem sendo afirmada tribunais (cfr. entre outros, os Acórdãos dos STA no processo n.º 0941/08, de 07.10.2009; n.º 0656/08 de 24.09.2009; n.º 0922/08 de 22.04.2009; n.º 0900/07 de 14.07.2008; n.º 0600/05 de 14.02.2006; n.º 0959/05 de 14.12.2005; n.º 01860/03 de 15.12.2004; n.º 0177/04 de 19.05.2004), entendemos ser manifesta a ilegalidade do acto administrativo e, consequentemente, o preenchimento do requisito legal enunciado na alínea a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

  4. Com efeito, a recorrida CM Porto enquadra a pretendida demolição no disposto no art. 106.º do RJUE e de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.

  5. O prédio em que se inserem as duas construções não se integra em área classificada ou em vias de classificação, nem em zona de protecção na planta de condicionantes do PDM, localizando-se em área de edificação isolada com prevalência de habitação colectiva, onde as mesmas são potencialmente permitidas, não existindo, à partida, qualquer limitação à sua edificação.

  6. Daí que o juízo de viabilidade de legalização das ditas construções tenha de anteceder a prática do acto administrativo de demolição, nos termos do art. 106.º, 2. RJUE.

  7. E, ainda que se ignore a data da edificação de tais construções e, nessa medida, o regime jurídico aplicável em tal data, o certo é que, presentemente, o titular do direito de requerer o licenciamento das construções em causa sempre seria a contra-interessada «Sociedade… SA», dada a sua qualidade de proprietária do prédio (art. 9.º, 1. RJUE) ou à própria ré/recorrida Câmara Municipal do Porto e nunca a autora/recorrente, mera titular de direitos obrigacionais decorrentes do contrato de arrendamento.

  8. Não pode, por isso, onerar-se a autora/recorrente pela omissão de um acto administrativo de legalização de construções que não está no seu domínio ou na sua disponibilidade almejar, para daí extrair a consequência da demolição de obras que tem em seu uso há mais de 60 anos, em virtude da não verificação daquele pressuposto.

  9. Impõe-se, por isso, que a ré/recorrida Câmara Municipal do Porto, previamente à demolição das construções que fazem parte do contrato de arrendamento entre a contra-interessada «Sociedade … SA» e a autora/recorrente, faça uma prognose de que a obra devidamente enquadrada e apresentada em forma de projecto a submeter à sua aprovação, é, ou não, susceptível de cumprir os requisitos legais e regulamentares em matéria de urbanismo, de estética, de segurança e de salubridade.

    E, por outro lado, 11.ª O dispositivo legal em que se enquadra o pedido da requerente é o art. 120.º 1 b) CPTA, já que se visa uma providência conservatória.

  10. No conceito da lei (art. 120.º, 1 b) CPTA), quando esteja em causa uma providência conservatória, o periculum in mora decorre do fundado receio da constituição de um facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses visados pelo requerente.

  11. Ao contrário do decidido pela 1.ª instância, desde logo, na eventualidade de execução do acto administrativo com a consequente demolição das duas construções que integram o contrato de arrendamento da autora/recorrente, esta fica confrontada com uma situação de facto consumado, já que a situação será irreversível, pelo menos, no interim da demolição das duas construções e da sua reconstrução e novo uso pela recorrente.

  12. Por outro lado, discordamos do conceito redutor do direito à habitação defendido pela 1.ª instância, porquanto o contrato de arrendamento entre a autora/recorrente e a contra-interessada «Sociedade …, SA» confere a esta o direito de fruir, em toda a sua plenitude, como vem sendo feito há mais de 60 anos, o prédio arrendado, com tudo o que o compõe.

  13. Trata-se de um contrato de arrendamento para a habitação, composto por casa, terreno e garagens e não de um contrato de arrendamento com pluralidade de fins, constituindo obrigação da contra-interessada proprietária e senhoria, «Sociedade…, SA», assegurar à recorrente o gozo da coisa locada para os fins a que ela se destina (art. 1031.º, b) CCivil), direito que só poderá ser diminuído com consentimento da recorrente locatária (art. 1037.º, 1 CCivil).

  14. E foi dado como provado que está pendente uma acção movida por aquela contra-interessada à autora/recorrente, visando a sua condenação à demolição das duas construções ou à autorização para a sua demolição (Proc. n.º 673/10.6TJPRT, da 3.ª Secção, do 3.º Juízo Cível do Porto), ou seja, os interesses privados das partes, no que concerne ao contrato de arrendamento e seu objecto, estão a ser discutidos no local próprio, o foro civil.

  15. Este facto, só por si, não devia deixar margem para a ré/recorrida se interpor na discussão de tais interesses privados, tendo em conta que a manutenção do acto administrativo suspendendo beneficiará a contra-interessada «Sociedade…, SA» com prejuízo dos interesses da autora/recorrente e à margem do consentimento dela, por isso, em violação da lei (art. 1037.º, 1 CCivil), bem como, à margem do que vier a ser decidido pelo foro cível, o que tem competência específica para dirimir o litígio privado entre as partes.

  16. Pensamos, por isso, que se verifica o pressuposto previsto art. 120.º 1 b) CPTA, ou seja, o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.

  17. Por último, no que se refere à pretensa não alegação pela autora/recorrente de factos consubstanciadores do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, entendemos que tais factos foram alegados nos arts. 7.º a 21.º, 44.º a 49.º p.i. e decorrem do conceito legal de locação e arrendamento previstos nos arts. 1022.º e 1023.º CCivil.

  18. A privação do uso do direito à habitação, tal como está consagrado no contrato de arrendamento vigente há mais de 60 anos entre a autora/recorrente e a «Sociedade…, SA», com as valências de habitação, terreno de cultivo e jardim e duas garagens, tal como dado como provado nos pontos 1), 2), 3) e 4) da sentença em sindicância (cfr. fls. 313 dos autos) é, por si só, suficiente para sustentar a produção dos prejuízos de difícil reparação para os interesses da autora/recorrente, pressuposto da adopção da providência requerida.

  19. Mas, ainda que assim não fosse, tal não seria, nunca, motivo para improcedência do pedido formulado pela autora/recorrente, mas, antes e apenas, razão para que o tribunal convidasse a autora para aperfeiçoar o articulado, suprindo a carência da alegação de elementos de facto e a sua concretização, fixando prazo para apresentação de articulado em que completasse ou corrigisse o articulado inicial (art. 508.º, 1 b) e 3 CPCivil ex vi art. 1.º CPTA).

  20. A ré Câmara Municipal do Porto não pode, aliando-se aos interesses das contra-interessadas «Sociedade…, SA» e «Metro, SA», impor à autora sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para defender os interesses privados daquelas à custa dos interesses desta.

  21. A manter-se o decidido pelo tribunal a quo e, consequentemente, o despacho sindicado e ordenando-se a demolição das construções que fazem parte do objecto do contrato de arrendamento de que a requerente é titular, serão feridos de modo inconcebível os direitos e interesses particulares da requerente, quer os de natureza civil, quer os direitos constitucionais à habitação e de qualidade de vida previstos nos arts. 65.º e 66.º da CR Portuguesa.

  22. Nada justifica a sentença proferida, que deve ser anulada, com as consequências legais ...

    ”.

    Conclui no sentido da revogação da decisão e consequente deferimento da pretensão cautelar pela mesma deduzida.

    Dos requeridos, ora recorridos, apenas o «MP» apresentou contra-alegações (cfr. fls. 353 e segs.

    ) nas quais pugna pela manutenção do julgado formulando conclusões nos termos...

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