Acórdão nº 00524/04.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2006 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, inconformada veio interpor recurso jurisdicional a sentença do TAF de Coimbra, datada de 24/02/2006, que julgou procedente a acção administrativa especial contra a mesma deduzido por A…, J…, A…, A… e D…, devidamente identificados nos autos, e consequentemente a condenou a “(…) proceder de acordo com o disposto no DL n.º 116/85 de 19 de Abril, aceitando e apreciando os pedidos de aposentação antecipada dos funcionários (…), considerando que o requisito de inexistência de prejuízo para o serviço se encontra preenchido, procedendo à contagem do tempo de serviço dos funcionários e, no caso de os quatro primeiros reunirem os 36 anos de serviço efectivo à data de 30 de Dezembro de 2003, e a última à data de 17 de Dezembro de 2003, a ré deverá proferir, no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente decisão, os despachos a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do DL (…), com efeitos imediatos, e comunicando esse facto aos serviços de origem (…)”.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 125 e segs.
) conclusões nos termos seguintes: “(…)
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A douta sentença recorrida deve ser revogada, por o Despacho n.º 867/03/MEF, de 5 de Agosto, não violar o princípio da hierarquia normativa ou da tipicidade legislativa, consagrado no artigo 112.º da CRP, uma vez que não exige a observância de pressupostos legais que não se encontrem já consignados no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, nem limita poderes discricionários nem retira qualquer margem de avaliação e de decisão do responsável máximo do serviço de origem, nem tão pouco invade a sua esfera de competência em matéria de gestão de pessoal.
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O Despacho n.º 867/03/MEF, de 5 de Agosto, veio estabelecer apenas, uniformemente, para toda a administração pública, em termos gerais e abstractos, a forma que deve revestir a fundamentação da declaração de inexistência de prejuízo para o serviço, que a CGA deverá exigir sempre que proceda à apreciação de pedidos de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril.
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O Despacho n.º 867/03/MEF, de 5 de Agosto, tal como refere a Sentença de 18 de Janeiro de 2005, na parte que decorre de fls. 10 a 13, Proc.º 679/04.4BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferido no uso das competências próprias da Ministra de Estado e das Finanças e visou a definição dos critérios que vieram densificar o conceito previsto no Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, de "inexistência de prejuízo para o serviço", no sentido de alterar a praxis administrativa de então.
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Igualmente, por, pelas razões invocadas, não ter havido violação de qualquer das normas contidas nos artigos do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, uma vez que, por a Câmara Municipal de Coimbra nunca ter enviado novos requerimentos nem tão pouco as notas biográficas do Autor e Outros devidamente rectificadas, designadamente contendo a fundamentação da declaração de inexistência de prejuízo para o serviço, de acordo com o disposto no Despacho n.º 867/03/MEF, de 2003.08.05, para que os processos pudessem ser apreciados, nunca os pedidos, por carecerem de objecto, poderiam ser objecto de decisão quer expressa quer tácita.
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É que, na verdade, do que se trata é de uma questão de legalidade (a tutela do Governo sobre a autarquias respeita a isso mesmo): todos os actos carecem de ser fundamentados, de acordo com a lei. Se um despacho de inexistência de prejuízo para o serviço não cumpre aquele requisito, a intervenção do Governo torna-se legítima e, mais do que isso, obrigatória, tendo, assim, o M.º Juiz "a quo", quanto a esta questão, feito errada interpretação e aplicação da lei.
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É à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as condições para a aposentação antecipada e não ao autor.
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Assim, atento o estrito cumprimento da lei e do Despacho n.º 867/03/MEF, de 5 de Agosto, a que a Ré se encontra vinculada, em face do não preenchimento por parte do representado do autor de um dos requisitos exigidos para a atribuição de pensão ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, não podia ter tido outro procedimento do que proceder à devolução do respectivo processo até à sua completa instrução, pelo que o M.º Juiz "a quo", quanto a esta questão, também fez errada interpretação e aplicação da lei.
(…).” Conclui no sentido do provimento do recurso jurisdicional e revogação da sentença recorrida com as legais consequências Os aqui ora recorridos apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 140 e segs.
) nas quais, em suma, pugnam pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões: “(…) A. A douta sentença recorrida decidiu, e bem, que “no caso dos Municípios, enquanto pessoas colectivas de substrato territorial diferentes do Estado e dotadas de autonomia, a referência ao membro do Governo competente (enquanto dirigente máximo do serviço) reporta-se ao presidente da Câmara Municipal da qual o requerente seja funcionário ou agente”; B. Como também, e bem, entendeu que “O Despacho n.º 867/03/MEF, de 5 de Agosto, a pretexto de uniformizar práticas e de concretizar o conceito legal de «prejuízo para o serviço», vai muito além dos pressupostos legais de concessão de aposentação antecipada constantes do Decreto-lei n.º 116/85, de 19 de Abril, retirando do responsável máximo do serviço de origem a margem de avaliação e decisão que a lei lhe confere, limitando os poderes discricionários que lhe eram conferidos por lei, e invadindo a sua esfera de competência em matéria de gestão de pessoal, pelo que viola o princípio da hierarquia normativa ou da tipicidade legislativa, consagrado no art.112.º da CRP”; C. E, bem assim, que a entidade recorrente “não actuou (apenas) com fundamento no DL n.º 116/85 e dentro dos limites por ele impostos, e pese embora actuando em obediência e observando o procedimento imposto pelo Despacho n.º 8677037MEF, incorreu em vício de violação da lei.”; D. E, assim decidindo, a douta Sentença, ora recorrida, fez correcta aplicação do Direito e não merece qualquer censura.
(…).” O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso jurisdicional (cfr. fls. 157 a 159), parecer esse que mereceu oposição por parte da aqui recorrente [cfr. fls. 165 e 166).
Dispensados os vistos legais foi o processo submetido à Conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 7ª edição, págs. 435 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Dr. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1).
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao julgar procedente a acção administrativa especial fez errado julgamento do disposto nos arts. 01.º, n.º 1 e 03.º, n.ºs 2 e 3 do DL n.º 116/85, de 19/04, 112.º da CRP [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].
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FUNDAMENTOS 3.1.
DE FACTO Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos: I) Pelo despacho n.º 867/03/MEF, de 05/08/2003, que consta de documento n.º 6, junto pelos autores com a petição inicial, e aqui se dá por reproduzido, a então Ministra de Estado e das Finanças determinou o seguinte: «A Lei n.º 30 – B/2002, de 30 de Dezembro determinou no n.º 4 do artigo 9.º a revogação da possibilidade de aposentação antecipada dos funcionários prevista no DL n.º 116/85, de 19 de Abril a qual pressupunha uma avaliação das necessidades dos serviços.
A generalização indiscriminada do recurso à antecipação da aposentação, veio a traduzir-se numa situação de insustentável agravamento de custos da Caixa Geral de Depósitos, sem a correspondente e pretendida redução do mínimo de efectivos na Administração Pública. Pelo contrário, o automatismo e total ausência de fundamento de interesse público converteram em regra a aceitação dos pedidos muito antes da idade legalmente estabelecida, como é largamente demonstrado pelo número de aposentados em sectores carenciados como a saúde, a educação e a justiça.
Não só se procedia sistematicamente à substituição dos que viam aceite ‘sem prejuízo para o serviço’ a sua saída antecipada, como se permitiu o desperdício de capacidades técnicas, muitas vezes em áreas de grande especialização, com o respectivo investimento em formação.
Dirigentes, quadros técnicos, médicos, juízes e funcionários integrados em muitos outros cargos e carreiras em que a Administração Pública evidencia necessidades permanentes ou mesmo crescentes, puderam retirar-se, com pensão completa, em período de plena capacidade de trabalho e máxima qualificação e experiência profissional.
A total subversão do regime de aposentação antecipada com graves prejuízos para o interesse público determinou a revogação do DL 116/85.
Em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade da norma, veio o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade formal da norma revogatória por falta de audição prévia das organizações sindicais, de que resultou a repristinação do regime revogado.
Mantendo-se todos os pressupostos que determinaram a...
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