Acórdão nº 12780/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

J...., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que indeferiu a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, em renda mensal não inferior a 1 200 €, por si requerida e intentada contra o Estado Português, dela vem recorrer para o que formula as seguintes conclusões: 1. O arbitramento provisório, como procedimento cautelar que é, destina-se (...).a prevenir o perigo de demora inevitável do processamento normal da acção, o procedimento cautelar necessita de ter uma estrutura mais simplificada e mais rápida. Por isso, na apreciação dos pressupostos da providência cautelar. o juiz não tem a mesma exigência nem quanto à prova de existência e violação do direito do requerente nem quanto à demonstração do perigo do dano que o procedimento se propõe evitar. O tribunal não emite um juízo definitivo mas provisório. Ac. Relação de Lisboa, recurso de agravo no processo n.º 4876, disponível em www.dgsi.pt.

  1. Dizer que o arbitramento provisório previsto no artigo 403° do CPC implica que "(..) a obrigação, de indemnizar a cargo do requerido, esteja suficientemente indiciada e sustentada por uma alegação consistente dos factos donde resulta a citada obrigação de indemnizar.(..)" (pág. 3 e 4, sublinhado nosso) 3. E que o requerente se limitou a alegar que não existe possibilidade de justificar uma pendência superior a 17 anos, sem ter procedido à "(..) dissecação das diversas fases em que se desdobrou o aludido processo crime (..) nem tão pouco fez alusão à natureza, dificuldade e volume do processo em causa, espelhada no número de arguidos investigados e acusados, ao ainda maior número de lesados, alegando de forma tão detalhada quanto possível quais as razões por que, em seu entender, o Estado português, aqui requerido, incumpriu o seu ónus de proporcionar uma justiça célere, com decisões em tempo útil (..)" (pág. 4, sublinhado nosso) 4. É interpretar os indícios que alude o n.° 2 do artigo 403° do CPC como devendo ser indícios não apenas (pleonásticamente) suficientes como ainda sustentados por uma alegação consistente e detalhada dos factos é confundir consistência com exaustão, vestígio com evidência, aparência com demonstração, rasto com trilho ...

  2. Consequentemente, com tal interpretação defensiva e restritiva do disposto no artigo 403° do CPC transporta-se para a summario cognitio da providência os requisitos de prova da acção principal, negando-se o próprio sentido dum procedimento cautelar.

  3. A interpretação dada aos legalmente exigíveis indícios e consequentemente à alegação de factos - ónus do Rte. - constitutivos desses indícios, foi de tal forma que mais se identifica com prova final a produzir no âmbito da acção principal do que com a indiciaria prova a apresentar em providência cautelar, como é o caso.

  4. O FACTO relevante, ALEGADO e PROVADO é que, na soma das fases e dos actos que se foram praticando na acção cuja morosidade é objecto da acção principal e da providência cautelar se contabilizam já 17 ANOS.

  5. Este facto deve de per se ser entendido como indício da responsabilidade do Rdo. porquanto é IRRAZOÁVEL.

  6. Demorar 17 anos para não proferir uma decisão constitui incumprimento do dever de proporcionar uma justiça célere, com decisões em tempo útil.

  7. As concretas e parciais justificações para aquele decurso de tempo só poderão ser atendidas em sede de determinação do QUANTUM INDEMNIZATÓRIO pois consubstanciam meros elementos de medida, de culpa, que não podem ser determinantes para a constatação objectiva da existência dos sinais, dos indícios de responsabilidade exigíveis pela lei.

  8. Provado que foi em sede indiciaria que as investigações iniciadas em 1986 não conduziram até 2003 a uma decisão final e definitiva, não pode ser esperado que o Rte. disseque, substituindo-se ao próprio Rdo., as razões de tal omissão.

  9. Refulge do texto da própria decisão recorrida a admissão por parte do Mmo. Juiz, da verificação do almejado indício quando refere: "(..) De resto, um processo com a complexidade do da Caixa Económica Faialense não pode ser visto de uma forma meramente contabilística pois se num outro processo 17 anos de pendência podem não ter justificação, neste processo concreto poderá não constituir um período de tempo injustificadamente excessivo.(..)" (pág. 4 sublinhado nosso) 13. Limpidamente resulta que se o próprio Tribunal a quo confessa e admite que tal período de tempo poderá não ser injustificadamente excessivo, então é porque também e de igual modo admite que poderá ser injustificadamente excessivo.

  10. É na acção principal que se esclarecerá se os 17 anos do processo concreto constituíram um período de tempo justificadamente excessivo ou um período de tempo injustificadamente excessivo.

  11. Mas o que foi reconhecido é que, sem dúvida, sempre será excessivo, desmedido, demasiado, exagerado, exorbitante, para lá do vulgar, da regra, da justa medida.

  12. Exigindo embora a realização do direito uma interpretação jurídica que não se reconduz apenas ao seu sentido léxico gramatical, parece de elementar prudência concluir que esta significância jurídica, da letra e do espírito da lei, para além de não poder deixar de encontrar correspondência na letra não pode ser radicalmente contrária à denotação gramatical e linguística das palavras.

  13. Donde, se excessivo, um prazo não pode ser razoável.

  14. Consagrando a CRP que: Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, e a CEDH que: Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (...), 19. Dizer que prova de 17 anos de pendência não permite, para os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 403° do CPC, antever a obrigação do Rdo. de indemnizar o Rte é interpretar aquele preceito em sentido contrário ao que aí se estabelece e em clara oposição com o disposto nos artigos 20° e 22° da CRP, bem como do artigo 6° da CEDH.

  15. Deixando de atender à sistemática, à unidade do sistema jurídico e à interpretação das normas jurídicas no seu contexto superior, enformador e global (cfr. artigo 9" do Código Civil e, claro está, a Constituição da Republica Portuguesa, Lei Fundamental).

  16. O Estado é civilmente responsável por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrém (artigo 22" da CRP).

  17. Tendo o Rte o direito a uma decisão em prazo razoável (artigo 20° da CRP).

  18. Aguardando o Rte. uma decisão há 17 anos.

  19. Afirmando o Tribunal a quo que a pendência dum processo durante 17 anos, poderá não constituir um período de tempo injustificadamente excessivo e assim reconhecendo que poderá ser um período de tempo justificadamente excessivo 25. Confessando o Tribunal a quo que aquele período sempre será um período excessivo.

  20. Só poderia concluir em conformidade com a letra e espírito da lei, bem como com o texto da própria decisão estar verificada a existência de indícios da obrigação de indemnizar.

  21. No tocante ao segundo requisito legalmente exigido (cfr. nºs. 4 e 2 do artigo 403° do CPC) - dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado - entendeu também o Tribunal a quo concluir pela sua não verificação, embora tenha ficado demonstrada a situação de carência do Rte., a necessidade de recurso à solidariedade de terceiros para sobrevivência - "(..) teve de mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares ... subsiste com a ajuda económica de amigos... tem permanecido no Canadá ... última vez a Portugal... a expensas do Estado Português ... não voltou ao seu país nem à sua ilha natal...(..)" 28. Aceitando a situação de necessidade que põe em causa o sustento e habitação do Rte o Tribunal a quo refere na decisão: "(..) Com efeito, a situação de grave dificuldade económica com que o requerente se encontra teve mais como causa a ilícita e ilegítima apropriação por parte dos arguidos já condenados das poupanças que aquele depositou na filial de Toronto da Caixa Económica Faialense do que o tempo que entretanto decorreu desde o início do processo (..) " (cfr. págs. 4 e 5) 29. Ao assim se expressar o Tribunal a quo, compara causas geradoras de danos e reconhece e admite que a morosidade também deu origem à grave dificuldade económica em que o requerente se encontra.

  22. Simplesmente afasta a responsabilidade de um dos lesantes, o Rdo. por entender que lhe caberá uma parcela [não determinada mas] menor na referida situação de grave dificuldade económica em que o requerente se encontra.

  23. Reconduz assim o Tribunal a quo responsabilidade da necessidade a uma questão de quantidade: quem causa mais a grave dificuldade económica em que o requerente se encontra e que obriga o Rte. a "(..) mendigar comida e dormida junto de amigos e familiares ... subsiste com a ajuda económica de amigos ... tem permanecido no Canadá ... última vez a Portugal ...a expensas do Estado Português ... não voltou ao seu país nem à sua ilha natal (..)" ? para concluir que serão mais os "outros" que o Rdo .

  24. Interpretando, assim, a lei no sentido que a indiciaria prova que incumbe ao Rte. fazer - de que é vitima de um dano susceptível de pôr seriamente em causa o seu sustento ou habitação ou de que a situação de necessidade - comporta um elemento de EXCLUSIVIDADE que implicará que o requerido se afigure como... o único responsável do dano.

  25. Este acrescido requisito implícito da exclusividade que resulta da leitura da decisão do Tribunal a quo não encontra correspondência, nem na letra, nem no espírito da lei maxime nos nºs. 2 ou 4 do artigo 403° do CPC.

  26. Finalmente, o facto de no momento em que a providência cautelar é requerida, já existirem danos consumados não obsta a que se requeira a providência cautelar para evitar novos danos, sob pena de se enjeitar a tutela de...

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