Acórdão nº 7271/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução19 de Novembro de 2002
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 A Procuradora da República (adiante Recorrente) junto do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo (TCA) da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida por O.... e mulher(adiante Impugnantes ou Contribuintes), contra a liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, que lhes foi efectuada com referência ao ano de 1995, do montante de esc. 955.411$00, com o fundamento de que o atestado médico de incapacidade apresentado como comprovativo da deficiência fiscalmente relevante do Contribuinte marido, porque emitido antes de 15 de Dezembro de 1995, não era adequado a tal comprovação, nos termos da circular n.º 1/96, de 31 de Janeiro de 1996, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI).

    1.2 Na petição inicial da impugnação os Contribuintes insurgiram-se contra aquela liquidação sustentando, em síntese, o seguinte: - fizeram prova da deficiência do Contribuinte marido através de Atestado Médico de Incapacidade emitido em 26 de Janeiro de 1995 pela Administração Regional de Saúde Aveiro, a qual atestou a deficiência mediante a invocação do «único instrumento legal que servia de base à avaliação das incapacidades para efeito de obtenção de benefícios fiscais - a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 341/93, de 30 de Setembro» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.

    ); - a Administração tributária (AT), com base na circular n.º 1/96 entendeu solicitar ao Contribuinte marido novo atestado médico com data de emissão ulterior a 15 de Dezembro de 1995 e, porque tal solicitação não foi atendida, procedeu à liquidação ora impugnada, com base no não reconhecimento ao Contribuinte marido da qualidade de pessoa com deficiência fiscalmente relevante; - ao aplicar a doutrina da circular retroactivamente, a AT violou as legítimas expectativas dos Impugnantes, que agiram de acordo com o quadro normativo em vigor à data, e ao efectuar a liquidação adicional impugnada, violou mesmo um direito já adquirido pelos impugnantes e por ela reconhecido, violando o disposto no art. 12.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e o princípio da boa fé que deve nortear todas as relações entre os contribuintes e a Administração; - por outro lado, a Administração não pode, «por meio de simples circular administrativa, restringir o âmbito da incidência de benefícios fiscais previstos na Lei» e à situação não é aplicável o Decreto-Lei n.º (DL) n.º 202/96 «visto que é posterior ao atestado médico [...] e o processo de incapacidade do impugnante marido haver sido concluído em 26 de janeiro de 1995, com a passagem daquele atestado»; - porque pagou o montante liquidado em 22 de Março de 2000, tem direito a juros indemnizatórios contados desde aquela data.

    1.3 Na sentença recorrida, o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro considerou, em síntese, que a AT podia exigir um documento comprovativo da deficiência emitido «de acordo com os critérios julgados mais precisos», que vieram a ser adoptados pela Direcção Geral de Saúde na circular n.º 22/DSO e acabaram por merecer consagração legal.

    1.4 O Recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões: «1 - Nos termos do disposto no art. 25.º, nº 3 e 80.º, n.º 60 [(() Trata-se, manifestamente, de lapso de escrito. Por certo se queria referir o n.º 6.

    )] do CIRS e do 44. n.ºs 1 e 2 do EBF estão previstos benefícios em matéria de tributação em IRS às pessoas com deficiência cuja grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente seja igual ou superior a 60%.

    2 - A lei fiscal não dá qualquer definição de pessoa com deficiência, não estabelece qual a entidade competente para comprovar a deficiência estabelecer o grau da respectiva incapacidade, nem o modo por que devia ser feita a prova desses factos.

    3 - Quer antes da entrada em vigor do DL n.º 202/96, de 23 de Outubro, quer depois, por força do que ficou expressamente consignado neste diploma, as sub-regiões de saúde eram competentes para, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidade, (dec.lei n.º 341/93, de 30 de Outubro) avaliar a incapacidade da pessoa com deficiência e emitir atestado respectivo, com vista à obtenção dos benefícios previstos na lei, designadamente, aos benefícios fiscais em sede de IRS.

    4 - Os pressupostos de que depende a atribuição daqueles benefícios fiscais estão fixados na lei - cfr. artes 25.º e 80.º do CIRS e 44.º n.º5 do EBF) e uma vez preenchidos tais requisitos , a concessão daqueles é automática - cfr. artigo 11 e n.º2 do art.º4 ., ambos do EBF - , estando fora de causa qualquer possibilidade de a Administração Fiscal aditar novos pressupostos ou alterar os existentes , sob pena de violação, além de outros do artigo 106 da Constituição da República.

    5 - Acresce que aquela mesma Administração Fiscal não pode pôr em causa a eficácia de um acto administrativo praticado por um outro serviço de Estado, uma Sub-Região de Saúde, dentro do quadro normativo em vigor ao tempo da sua prática, já que tal acto é constitutivo de direitos , não é nulo nem, por quem de direito e na forma devida , foi anulado ou declarado ineficaz.

    6 - Nem tão pouco, poderá retirar a um documento autêntico - artigo 363.º e sgs do Civil) - elaborado com observância de todos os requisitos substanciais e formais exigidos às data da sua emissão, a sua aptidão para provar o facto nele certificado, ou seja, no caso, o grau de deficiência da impugnante.

    7 - A Administração Fiscal não pode recusar um atestado médico emitido pela entidade competente, antes da entrada em vigor do D.L. n.º 202.96, de 23 de Outubro, que comprova o facto de que a lei faz depender o direito ao beneficio fiscal a que a recorrida se arroga, - grau de invalidez de 84.6% - após avaliação efectuada de acordo com o critério legal então vigente .

    8 - A liquidação impugnada foi, pois, efectuada com desrespeito pelos normativos vigentes no ano em que foram auferidos os rendimentos tributados,-1995-; E, 9 - A sentença em apreço ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 25.º, n.s 1 e 3, 80º do CIRS, 4º, 11.º e 44.º do EBF e artigo 106.º nºs 2 e 3 da CRP, arts 12,n.1 do CCivil, art.º 7.º n.º 1.º e 2.º do D.L n. 202.96 de 23 de Outubro, sendo estas as normas jurídicas violadas.

    10 - Deve, pois ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação com todas as consequências legais designadamente, declarando que a liquidação impugnada deve ser anulada e restituídas as quantias pagas indevidamente, por força da liquidação ilegal, e, 11 - Reconhecendo que existiu erro imputável aos serviços ordene o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, nº 1 da LGT, norma jurídica também violada na sentença em apreço. - artigo 43.º da LGT Nos termos sobreditos e noutros que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra em que se julgue procedente a impugnação com todas as consequências legais e reconheça para todos os efeitos que existiu erro imputável aos serviços».

    1.5 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    1.6 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.7 Com dispensa de vistos, por se tratar de questão já amplamente debatida e decidida (cfr. art. 707.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC)), cumpre apreciar e decidir.

    1.8 A questão sob recurso, delimitada pelas conclusões do Recorrente, é a de verificar se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que a AT pode recusar, com referência ao ano de 1995 e para efeitos do benefício fiscal previsto nos arts. 25.º e 80.º do Código do IRS (CIRS) (() Todas as referências ao CIRS reportam-se à versão anterior à revisão operada pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho.

    ) e 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (() Todas as referências ao EBF reportam-se à versão anterior à revisão operada pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho.

    ), o atestado médico apresentado pelos Contribuintes e respeitante ao marido, no qual a avaliação da incapacidade foi efectuada ao abrigo do DL n.º 341/93, de 30 de Setembro.

  2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «- Os impugnantes são tributados em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares na 1a Repartição de Finanças de Oliveira de Azeméis; - Em 30 de Abril de 1996 apresentaram a declaração modelo 2 de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares referente a 1995, de que há cópia a fls. 14 e seguintes, acompanhada do anexo H; - Face a essa declaração resultou um reembolso de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares no montante de 724 848$00; - Na sequência de uma visita de fiscalização ao contribuinte em que este foi notificado para apresentar um atestado médico comprovativo da sua incapacidade emitido em data posterior a 15 de Dezembro de 1995 para substituir o de 26 de Janeiro de 1995, de que há cópia a fls. 21 e com base no qual demonstrou a sua incapacidade, resultou a liquidação oficiosa nº 5320024853, no valor de 955 411$00, e cujo montante foi pago em 22 de Março de 2000; - No dia 16 de Junho de 2000, os impugnantes deduziram a presente impugnação do acto de liquidação».

    2.1.2 Ao abrigo do disposto no art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC), consideramos provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão a proferir, alguma da qual havia sido já considerada como assente na sentença recorrida: a) Os Contribuintes apresentaram a declaração de rendimentos relativa ao ano de 1995, para efeitos de IRS (cfr. fls. 14 a 20); b) Naquela declaração foi mencionado que o sujeito passivo A possuía uma grau de invalidez permanente superior a 60% (cfr. fls. 14); c) Como comprovativo da deficiência declarada, os Contribuintes apresentaram o Atestado Médico de Incapacidade com...

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