Acórdão nº 00501/08.2BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2010
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2010 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO C…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Penafiel, datada de 27/01/2010, proferida no âmbito de acção administrativa comum, sob forma ordinária, que o mesmo havia movido contra o ESTADO PORTUGUÊS e que, julgando procedente a excepção peremptória da prescrição, absolveu aquele R. do pedido indemnizatório deduzido no quadro do regime do seguro escolar (à data decorrente do DL n.º 35/90, de 25.01 e Portaria n.º 413/99, de 08.06) [condenação daquele R. no pagamento das quantias de 46.052,11 € a título de danos patrimoniais e de 13.534,70€ relativa a danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos juros legais desde a citação].
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 340 e segs. - paginação processo físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões: “… 1. O Tribunal a quo, apreciando de Direito, refere que: «É certo que o A. pede a condenação do R. no pagamento de uma indemnização por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de um acidente escolar, regulado pela Portaria n.º 413/99, de 08/06, mas não deixa a presente acção de estar submetida à temática da responsabilidade civil extracontratual do Estado e não pode deixar de se lhe aplicar o regime da prescrição do direito de indemnização previsto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil (…)» (itálico nosso); 2. A douta decisão recorrida não refere nem os fundamentos de facto, nem os de direito, que estiveram na sua origem, assentando numa conclusão sem premissas; 3. A douta decisão recorrida não elucida as partes, nomeadamente o Recorrente, a respeito dos factos, das normas jurídicas e dos motivos que levaram o Meritíssimo Juiz a quo a concluir que o acidente escolar se funda na responsabilidade civil do Recorrido, apenas conclui que é este o instituto jurídico aplicável, sem qualquer referência a factos, normas e premissas; 4. Salvo o devido respeito por opinião diferente, a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do M.º Juiz; 5. Porque ao M.º Juiz cabe extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sub judice, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é a emanação correcta da vontade da lei; 6. Assim, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não especificando a douta decisão do Tribunal a quo os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, deve a mesma ser declarada nula; 7. Os eventuais danos advindos do acidente escolar verificado estão cobertos pelo previsto no DL n.º 35/90, de 25/01, assente que está na socialização do risco inerente à actividade escolar, de garantir a cobertura financeira na assistência a alunos sinistrados; 8. Sob a epígrafe «Prevenção e seguro escolar», estabelece o artigo 17.º do citado Dec. Lei n.º 35/90 que «nos estabelecimentos de ensino existirá um programa de prevenção de acidentes e seguro escolar», dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que «O programa referido no número anterior consiste em acções educativas no campo da segurança e prevenção de acidentes nas actividades escolares e num esquema de seguro que garanta a cobertura financeira da assistência a prestar aos sinistrados, complementarmente aos apoios assegurados pelo sistema nacional de saúde»; 9. Conforme jurisprudência dominante, consagrada no Ac. do STA, de 04/10/2006 e Ac. da R.P. de 18/11/2003, Proc. N.º 0322171, «O chamado seguro escolar é uma medida de assistência social ou segurança social, um serviço público. A terminologia usada pelo legislador, ao falar em seguro, reporta-se ao que a doutrina vem classificando de seguro social, onde o Estado, intervindo embora como segurador, desempenha um serviço público e a relação de seguro nasce directamente da lei»; 10. Nos termos do disposto no art. 3.º da Portaria n.º 413/99 «1 - Considera-se acidente escolar, para efeitos do presente Regulamento, o evento ocorrido no local e tempo de actividade escolar que provoque ao aluno lesão, doença ou morte; 2 - Considera-se ainda abrangido pelo presente Regulamento: a) O acidente que resulte de actividade desenvolvida com o consentimento ou sob a responsabilidade dos órgãos de gestão do estabelecimento de educação ou ensino; b) O acidente em trajecto nos termos dos artigos 21.º e seguintes do presente Regulamento» (itálico nosso); 11. A lei (n.º 1 do artigo 3.º supra) atribui aos alunos abrangidos pelo chamado seguro escolar o direito de serem indemnizados pelos danos decorrentes de acidente escolar ocorrido no local e tempo da actividade escolar, independentemente de resultar de actividade desenvolvida com o consentimento ou sob a responsabilidade dos órgãos de gestão do estabelecimento de educação ou ensino; 12. A lei consagra no mesmo preceito dois tipos de acidente escolar: por um lado, os acidentes fortuitos (art. 3.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), e art. 21.º) e, por outro, os acidentes escolares que ocorrem em actividades desenvolvidas com o consentimento ou sob a responsabilidade dos órgãos de gestão do estabelecimento de ensino (art. 3.º, n.º 2, al. a)); 13. À segunda tipologia devem-se aplicar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na medida em que poderão estar em causa acções ou omissões ilícitas e culposas dos órgãos de gestão do estabelecimento, susceptíveis de produzir danos, com nexo causal entre as acções ou omissões e esses danos, já assim, no modesto entendimento do Recorrente, não será no caso da …; 14. No que diz respeito à primeira tipologia, o Estado-Recorrido, na sua função sócio-educativa, avocou para si mesmo o dever de indemnizar o aluno por qualquer evento danoso ocorrido no local e tempo de actividade escolar, independentemente de existirem acções ou omissões ilícitas e culposas dos órgãos de gestão do estabelecimento; 15. Se a queda de um aluno dentro do recinto escolar, durante o intervalo de uma aula, implicasse responsabilidade extracontratual dos órgãos do estabelecimento de ensino, então frustrar-se-iam as expectativas do legislador de estabelecer um «esquema de seguro que garanta a cobertura financeira da assistência a prestar aos sinistrados, complementarmente aos apoios assegurados pelo sistema nacional de saúde», conforme consagrou no artigo 17.º do Dec. Lei n.º 35/90, de 25/01; 16. Como é do conhecimento geral, não raras vezes o sistema nacional de saúde não tem capacidade para assegurar o necessário ressarcimento dos danos ao aluno sinistrado, daí que a norma do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria 413/99 tenha como escopo o espírito do legislador de garantir um sistema complementar ao aluno de cobertura financeira independentemente de existir, ou não, responsabilidade dos órgãos do Estado, neste caso do estabelecimento de ensino; 17. Logo, a indemnização a atribuir, por se conter nesse estrito âmbito, é excluída do regime comum da responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos de gestão pública; 18. A acção baseada na culpa é, portanto, independente do seguro, e vice-versa e, por isso, autónoma e independente do accionamento do seguro escolar; 19. O Recorrente não imputa ao Recorrido qualquer acto ou omissão ilícito(a) e culposo(a) pela produção do acidente escolar dos autos, porquanto o Recorrente apenas tropeçou e caiu em estabelecimento público de ensino, no tempo de actividade escolar, pelo que o pedido indemnizatório não tem a suportá-lo acto ilícito (facere ou non facere) dos órgãos do Recorrido; 20. O prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização é o geral ordinário de 20 anos, consagrado no artigo 309.º do Código Civil, e não o de 3 anos relativo a responsabilidade extracontratual …”.
Conclui no sentido de que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o seu prosseguimento.
O R., ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 357 e segs.
), concluindo pela manutenção do julgado e improcedência do recurso, sem, todavia, formular conclusões.
O Mm.º Juiz “a quo” sustentou a decisão quanto à...
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