Acórdão nº 02065/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução15 de Abril de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO “C............. – Produção.............., SA”, com sede em ......, intentou no TAF de Lisboa uma Acção Administrativa Comum, na forma ordinária, contra o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas ou, caso não se reconheça legitimidade passiva a este, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 563.528,60, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes, causados pelas condutas lícitas que determinaram a proibição de comercialização e consequente destruição dos bens propriedade da autora, acrescido dos correspondentes juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

O TAF de Lisboa, por decisão datada de 3-3-2005, declarou-se incompetente em razão do território para conhecer do pedido e remeteu o processo ao TAF de Leiria [cfr. fls. 420/421 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

Por sentença do TAF de Leiria, datada de 29-5-2006, foi a acção julgada integralmente procedente e o Estado Português condenado a pagar à autora a quantia peticionada, acrescida dos juros entretanto vencidos e dos vincendos até integral e efectivo pagamento [cfr. fls. 663/686 dos autos].

Inconformado, interpôs o Estado Português recurso jurisdicional da sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “1 – A sentença é nula por não ter conhecido da questão, referida nos dois últimos artigos da contestação, que, tendo em conta o disposto no artigo 17º, nº 1 do Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho de 28-1-2002, afasta a responsabilidade do RE, no que respeita à destruição dos produtos em causa; 2 – Pois, nos termos deste incumbe aos operadores das empresas do sector alimentar, como é o caso da autora, assegurar a não introdução no mercado de géneros alimentícios que não preencham os requisitos da legislação alimentar aplicável às suas actividades; 3 – Ora, a destruição da carne de aves, fundamento do pedido de indemnização, apenas ocorreu pelo facto de, como se reconhece na sentença, ter havido uma crise no sector decorrente do facto de haverem sido detectados resíduos de Furaltadona em organismos de aves vivas pertencentes a alguns criadores, de tais factos haverem sido noticiados, deles decorrendo uma quebra drástica no consumo e como medida para restabelecer a confiança dos consumidores e a retoma no sector o que se conseguiu [pontos 2 a 12 da matéria de facto dada como provada].

4 – Pelo que se a autora tivesse demonstrado que a carne das suas aves não se encontrava contaminada, nos termos do artigo 17º, não havia necessidade de proceder à sua destruição e a mesma não teria os prejuízos que reclama; 5 – Assim, a apreciação de tal questão levaria à absolvição do RE; 6 – Foram assim violados os artigos 17º, nº 1 do Regulamento citado e o artigo 668º, nº 1, alínea d), 1ª parte do CPCivil; 7 – O valor da indemnização em que o RE foi condenado não pode ser aferido pelo custo da produção, como o foi, mas pelo valor de mercado da carne de aves, pois esta se destinava à venda, aliás já se encontrava no início do circuito de venda, uma vez que estava congelada, e era esse o valor que a autora receberia pela mesma, quaisquer que fossem os seus custos de produção, era essa a situação que existiria não fora a sua destruição, sendo pois esse o valor que o artigo 562º do Cód. Civil determina que se deverá atender; 8 – Dos documentos 7 e 8, apoiados nos depoimentos das testemunhas Maria de Fátima e Maria da Luz, decorre que o valor de venda, o valor de mercado dos produtos do stock da autora é o constante do quesito 19º, reportando-se o constante do quesito 18º ao valor do custo de produção, que não poderá ser aqui tomado em conta; 9 – Pelo que, ao contrário do que se decidiu, deverá ser dado como provado o constante do quesito 19º, e não o constante do quesito 18º, sendo pois de € 154.268,74 o valor a considerar na eventual indemnização; 10 – Não o fazendo e dando-se como provado, na matéria de facto, o quesito 18º e não o 19º, foram violados os artigos 653º, nº 2, 659º, nº 3, 690º-A, nº 1 e 712º, nº 1, alíneas a) e b), todos do CPCivil, e o artigo 562º do Cód. Civil; 11 – Não foi alegado pelo RE, no domínio da causalidade, a existência de causa virtual, a qual se encontra tipificada na lei para as situações em que opera, mas antes a causalidade adequada, entendida esta conforme o disposto no artigo 563º do Cód. Civil, nos termos do qual "a indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras: o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido", sendo que a causalidade adequada se refere ao "processo factual que, em concreto, conduziu ao dano"; 12 – Pese embora a actuação do RE seja a causa directa e imediata dos prejuízos da autora, aquela só ocorre atenta a crise dos nitrofuranos, pela qual o sector, onde a autora se insere, e ela própria, são responsáveis; 13 – Tendo em conta o acima referida no que respeita à causalidade adequada, os prejuízos que a autora sofreu não são os que decorreriam adequadamente da actuação do RE, já que, atento o ponto 11 da matéria de facto dada como provada se retira que o congelamento da carne se ficou a dever à necessidade "de começar a congelar a carne em excesso, decorrente da quebra de consumo, para evitar a sua deterioração e consequente inutilização no sentido da sua posterior venda, que no entanto nunca ocorreria atentas as suspeitas da contaminação", sendo que a quebra de consumo decorre da notícia de existência de nitrofuranos na aludida carne [pontos 8 e 9 da matéria de facto]; 14 – É pois a ordem dada uma causa naturalística do dano, não contendo contudo a mesma a adequação, entendida esta nos mencionados termos legais, para produzir o dano, pois o mesmo decorria do comportamento do mercado atenta a existência de nitrofuranos nos produtos a vender, o aludido processo factual, pelo que a autora e outros produtores de frango são responsáveis; 15 – Falece pois o nexo causal, em termos de causalidade adequada, pois provavelmente os danos ainda seriam maiores se não fora a acção do RE e assim a acção terá, por esse motivo, de improceder; 16 – De qualquer modo este comportamento, do sector e da autora, na crise que levou à quebra do consumo e a actuação do RE para recuperar o sector, deverá ser tomado em consideração na redução equitativa da indemnização nos termos do artigo 494º do Cód. Civil; 17 – Para além disso o dano não é especial, pois a medida tomada não visou uma pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa, antes recaiu sobre os operadores económicos que comercializavam carne de aves congelada de origem nacional, não especificando quaisquer destes; 18 – Na verdade, a medida teve em vista não apenas a autora, mas vários cidadãos, não os concretizando, nem os determinando, pelo que os prejuízos em causa não podem ser considerados como especiais, por não revestirem uma natureza de especificidade subjectiva na consideração de quem os suporta; 19 – Também a medida decorre da crise dos nitrofuranos que advém da reincidência em infracções no que respeita aos ingredientes que alguns produtores colocam na alimentação das aves, desrespeitando o legalmente estipulado, e tem em vista restabelecer o consumo que tinha caído a pique, tendo pois a máquina estatal sido motivada pela actuação do sector e visando o relançamento deste, com sacrifício de alguns dos bens dos operadores desse mesmo sector; 20 – Assim, os prejuízos invocados não podem deixar de ser integrados naquele número de sacrifícios que o sector, e não apenas determinadas pessoas ou entidades, teria de suportar para restabelecer a confiança dos consumidores e relançar o consumo, sendo que a saúde pública se bastava com a proibição da comercialização do frango antes ordenada; 21 – Não são pois tais prejuízos de considerar como «"anormais", pois que são inerentes aos riscos normais da vida em sociedade, concretamente aos riscos da actividade comercial, suportados por todos os cidadãos que se encontrem em situações idênticas à da recorrente», ou seja, no caso à da autora; 22 – Atentas as condições e o modo como actualmente se criam as aves, as quais vêm ao conhecimento público através das notícias que, principalmente nos tempos de crise do sector, a comunicação social, e sobretudo a televisão, dão conta, e de que a crise dos nitrofuranos é apenas mais um exemplo, sendo que estas são cada vez mais frequentes, devem ser considerados tais riscos como...

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