Acórdão nº 01805/15.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução07 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., J. e F., instauraram ação administrativa comum contra a Junta de Freguesia (...), todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação desta a repor a situação em que o Jazigo nº 29 - secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos seus avós no referido jazigo, e a pagar-lhes a quantia de €1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto concluiu-se: - Pela ilicitude do acto praticado pela Ré; - Mas por não se mostrar possível a efectiva concretização da reposição natural da situação, julgou-se improcedente o pedido na parte em que vem peticionada a reposição da situação em que o Jazigo nº 29 - secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo, convidando-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo.

Finalizou-se assim: -Julga-se parcialmente procedente a acção e, ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA, convidam-se as partes a acordarem no montante da indemnização a que os AA. têm direito, no prazo de 20 dias, prorrogável até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se em momento próximo.

Desta decisão vem interposto recurso pela Ré. Alegando, concluiu: 1- a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, em matéria de direito; 2- é contrária à letra da lei, nomeadamente, o D.L. nº 411/98, de 30 de Dezembro, nomeadamente o seu artº 3º, a interpretação no sentido de o mesmo exigir a autorização de todos os co-titulares da concessão de jazigo, nos actos de inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres; 3- a interpretação correcta do artº 3º do D.L. nº 411/98, de 30 de Dezembro, seria no sentido que, o requerimento de exumação e trasladação poderia ser subscrito por qualquer herdeiro (alínea d) do artº 3º); 4- o deferimento de requerimento subscrito pela herdeira M., cumpriu o legalmente estatuído, nomeadamente, o D.L. 411/98, de 30 de Dezembro, porquanto é herdeira do defunto não havendo classe de sucessíveis anteriores; 5- É inexigível à R. que os actos de inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, conforme o estatuído no D.L. 411/98, de 30 de Dezembro, careçam de ser requeridos por todos os herdeiros dos defuntos; 6- A mera autorização para intervenção em jazigo concessionado a particulares, a quem seja concessionário do mesmo, não carece de consentimento ou autorização dos demais co-concessionários.

Sem prescindir, 7- a condenação ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA representa modificação objectiva da instância; 8- a condenação da R. abrigo do disposto no nº 1 do art.º 45º do CPTA, é desproporcional e injustificada, e por isso nula.

Termos em que deve ser julgado procedente por provado o presente Recurso de Apelação, modificando-se a decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pedido, com as demais consequências, com o que se fará JUSTIÇA! Não foram juntas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1) Em 9 de Junho de 1968 a Junta de Freguesia (...) concedeu a M. , R. e M., em terreno de duas sepulturas no cemitério paroquial de (...)- cf. doc. Junto ao PA; 2) o cemitério paroquial de (...), a secção C, nº 29 existe um jazigo de duas sepulturas que, em 23/1/96, se encontrava em nome de M. , R. e M.- cf. doc. Junto ao PA; 3) Em reunião da Junta de Freguesia (...) de 27 de Junho de 1995 procedeu-se ao averbamento de duas partes do jazigo referido em 2) em nome de M., sendo que, uma das partes do jazigo foi doada por sua irmã R.- cf. doc. Junto ao PA; 4) Com data de 10/7/1998 a Junta de Freguesia (...) remeteu a M. o ofício seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. doc. 4 junto coma p.i.

5) Com data de 15/7/1998 M. respondeu à carta antecedente nos seguintes termos:6) [imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. fls. 178, verso do processo físico; 6) Em 26/1/2004 M. remeteu à Ré a seguinte carta: [imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 179 do processo físico; 7) A Junta de Freguesia respondeu à carta antecedente nos seguintes termos: [imagem que aqui se dá por reproduzida] cf. fls. 178 do processo físico; 8) M. faleceu em 28/11/2012, deixando como herdeiros os seus filhos A., J. e F. - cf. doc. Junto ao PA; 9) O Autor, J. em requerimento de 11/3/2013 requereu o averbamento do jazigo referido em 2) em nome dos actuais herdeiros: M.

, A., J. e F. – cf. PA apenso; 10) O referido requerimento foi deferido por despacho do Presidente da Junta de 5/4/2013 – cf. PA apenso; 11)Em 16/4/2013 o Presidente da Junta de Freguesia (...), emitiu a declaração seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. doc. 1 junto com a p.i.; 11) Em 12 de Novembro de 2013, M. dirigiu ao Presidente da Junta de Freguesia (...) o requerimento seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. doc. 2 junto com a p.i.; 12) Em 11/11/2013, L. emitiu a declaração seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. doc. 3 junto com a p.i.; 13) Em 13/11/2013, a Junta de Freguesia (...) emitiu guia de receita referente a transladação das ossadas de A. e de C. da Secção C Jazigo 29 para 6ª Secção Jazigo nº 6 – cf.

PA Apenso; 14) Em 25/7/2014 os Autores apresentaram notificação judicial avulsa da ora Ré nos termos do doc. 5 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 15) A lápide do jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) encontra-se colocada no jazigo de M., sito no mesmo cemitério, na 6ª secção nº 6 – com base no depoimento das testemunhas, M., L. e D.

; 16) O jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) antes da transladação apresentava alguma inclinação - com base no depoimento das testemunhas J., M., L. e D.

; 17) Os Autores, J. e F., a partir da altura em que transladaram as ossadas, deixaram de se deslocar à campa onde se encontram os avós - com base nas declarações de parte prestadas por J. e F.

; 16) Esta situação causa-lhes tristeza e angústia - com base no depoimento das testemunhas - com base nas declarações de parte prestadas por J. e F.

; DE DIREITO É objecto de recurso a sentença que ostenta este discurso fundamentador: Com a presente acção os Autores pretendem que o Tribunal proferia decisão condenatória da Ré a repor a situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...) se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a repor as ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo bem assim como a pagar aos Autores a quantia de €1 500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

No que tange ao primeiro pedido – de reposição da situação em que o Jazigo nº 29 – secção C, do Cemitério de (...), se encontrava antes da sua abertura, ou seja, a reposição das ossadas dos avós dos Autores no referido jazigo – os AA. sustentam a pretensão no facto de M. e L. não terem por si só capacidade para decidir a abertura do jazigo e proceder à transladação, uma vez que a primeira só detém ¼ da propriedade do jazigo e a segunda não ser, sequer, proprietária do jazigo; que a R. sabia e sempre teve conhecimento de que os AA. sempre foram contra; A R. só por si não poderia ordenar a abertura do jazigo sem a autorização de todos ou pelo menos ¾ dos seus comproprietários, ocorrendo, assim, clara violação do direito de compropriedade dos AA., pelo que a autorização de transladação é um acto anulável, devendo a R. ser responsabilizada, uma vez que a autorizou sem que se encontrassem reunidas as autorizações necessárias de todos os titulares da concessão.

O que está, pois, em causa é, em primeira linha, a apreciação da validade da decisão administrativa que autorizou a transladação dos restos mortais dos avós dos aqui AA. para um terceiro jazigo (cuja concessionária é M., tia dos AA.), com base no pedido de autorização de um dos titulares da concessão, mais concretamente, de M..

Vejamos então.

Discutindo-se nos presentes autos a actuação da Ré que, com base no pedido de um dos co-titulares do jazigo integrado em cemitério administrado por uma freguesia, autorizou a transladação de ossadas nele depositadas, cumpre, em primeiro lugar, ter presente que os cemitérios, quer os municipais quer os paroquiais, são bens do domínio público, qualidade essa que resulta dos mesmos pertencerem a uma autarquia local e se destinarem à inumação de todos aqueles que falecerem na circunscrição onde se situam e de serem de acesso livre ( artigos 34º, nº4 alínea b), e 66º, nº2 alínea h), da Lei nº166/89, de 18.09, alterada pela Lei nº5-A/2002, de 12.01, e pela Lei nº67/2007, de 31.12 e ainda a Lei 75/2013 de 12 de setembro) – cf. Acórdão do Tribunal de Conflitos 13/2015 de 17 de setembro de 2015; Ac. Rel. Porto 12 maio de 2009, Proc. 3376/08.8TJVNF-A.P1; Ac. Rel. Guimarães 09 de Março de 2017, Proc. 69/16.6T8PRG.G1.

Todavia, porque a existência de tais espaços encontra a sua justificação na contribuição que eles podem dar para que a inumação dos cadáveres se processe em condições higiénicas e sanitárias dignas e porque se considera que essa finalidade será melhor alcançada se o seu uso for privativo, os mesmos encontram-se divididos em parcelas de pequenas dimensões cujo uso é facultado, de um modo individual e através de títulos de concessão, às pessoas que dele necessitem. Estes títulos, que documentam a atribuição, por acto ou contrato administrativo, dessas parcelas pertencentes ao domínio público ao uso e utilização privativa de certa pessoa, que pode ser perpétua, permitem a...

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