Acórdão nº 1410/14.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO ..... – Futebol SAD (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 28.04.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), referente ao exercício de 2006.

A 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “1. Entende o Aresto recorrido que a aqui Recorrente não alegou factos que sustentem a sua pretensão quanto custos declarados aos atletas G....., H....., O..... e D......

  1. Sucede que a Recorrente explanou a dedutibilidade de tais custos com recurso à operação efectuada quanto ao atleta G....., 3. Extraindo-se, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, da explicação facultada (e que foi validade pelo Aresto Reocrrido), conjuntamente com os demais elementos probatórios constantes dos Autos, as razões de similitude das operações, que impõem idêntica conclusão jurídica.

  2. Considera a sentença recorrida que impende sobre a Recorrente um ónus de prova subjectivo, o qual não foi cumprido (fls. 96).

  3. A sentença recorrida acompanha integralmente a posição sustenta pela AT, considerando que o ónus da prova imposto pelo artigo 59.º do Código do IRC não se mostrou satisfeito, não sendo bastante a apresentação dos contratos e factura que titulam a operação controvertida (fls. 97, 98 e 99).

  4. A Recorrente não concorda com a existência de um ónus da prova subjectivo em matéria fiscal, dado que no procedimento e no processo tributários vigora o princípio de inquisitório, ao contrário do que se verifica no processo civil, orientado pelo princípio do dispositivo.

  5. O princípio do inquisitório impõe, designadamente, que a actuação da AT seja orientada para a descoberta da verdade material, analisando todos os meios de prova disponíveis e efectuando as diligências que se mostrem necessárias, de modo imparcial, mesmo que tal se revele contrário aos seus interesses.a 8. A Recorrente disponibilizou os contratos e respectiva factura, bem como correspondência existente, documentos que titulam a operação controvertida, sendo a aquisição do atleta em questão pública.

  6. Se os documentos referidos são idóneos para fundamentar a correcção em apreço, então também o deverão ser para fundamentar os elementos que têm de ser alegados pela Recorrente, deles se extraindo o seu conteúdo integral.

  7. A posição sustentada pela AT e partilhada pela sentença recorrida, no sentido de exigir os elementos probatórios adicionais (como prova documental das relações comerciais estabelecidas entre a V..... e o K....., às quais a Recorrente é totalmente alheia) surte o efeito prático de criar uma presunção inilidível de recusa da aceitação fiscal de determinados gastos pelo simples facto de o respectivo pagamento ter sido efectuado a uma entidade residente numa jurisdição sujeita a um regime fiscal mais favorável, o que é incompatível com o princípio da legalidade e com o princípio da tributação pelo rendimento real.

  8. Com efeito, ao refúgio da inversão do ónus da prova operada pelo artigo 59.º do Código do IRC, a sentença recorrida ignora os elementos de prova juntos pela Recorrente, exigindo elementos probatórios adicionais (fls. 99).

  9. A efectividade da operação decorre assim (i) do contrato celebrado entre as partes, (ii) do pagamento efectuado, (iii) da retenção na fonte efectuada a qual é reveladora de um rendimento obtido em território português e (iv) do facto de a aquisição do atleta ser do conhecimento público.

  10. Assim, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de erro sobre os pressupostos quer de facto quer de direito ao considerar que não ficou demonstrada a efectividade da operação em causa e que “nestes casos não está em causa que tenha existido um negócio efectivo. O que exige o art.º 59.º, do CIRC, é que se demonstre que tal negócio é devido a uma efectiva intervenção da entidade sedeada em país ou território de tributação privilegiada.” (a fls. 97).

  11. Consubstancia igualmente um erro de julgamento o facto de a sentença recorrida ignorar o a circunstância de ter sido retido imposto pela Recorrente no pagamento efectuado à V....., facto determinante para prova da efectividade da operação.

  12. A sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento (fls. 98) ao afirmar que “Impugnante assinou um contrato com o K..... F.C., no qual se declarou que a Impugnante pagaria o fee do agente do jogador”, porquanto decorre da prova documental junta que o valor pago ao agente de jogador é pago por dedução ao valor de compra, por indicação do K...... Não há, com efeito, serviço algum contrato pela Recorrente ao jogador.

  13. Tendo a operação ocorrido efectivamente é natural que tenham ocorrido os respectivos pagamentos, cujos montantes não são exagerados face ao sector de actividade da Recorrente.

    Nestes termos e nos demais que V. Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida”.

    A FP não apresentou contra-alegações.

    Por seu turno, a 2.ª Recorrente, no recurso apresentado, formulou as seguintes conclusões: “

    1. Afigura-se relevante à decisão de mérito destes autos, ao abrigo dos arts. 640º n.º 1 e 662º n.º 1, ambos do CPC (ex vi art. 2º al. e) e do art. 281º ambos do CPPT), modificar a matéria de facto fixada em primeira instância, nos termos seguintes: i) Incluir como facto provado: No contrato de trabalho desportivo celebrado, em 30/08/2005, entre o atleta K..... e a ..... SAD, referido no facto provado 11), não se encontra expresso a participação de qualquer intermediário.

      A prova deste facto decorre do conteúdo de fls. 573 e 574 do processo administrativo (PAT).

      ii) Eliminar a segunda parte do facto provado 12 (“pelos serviços por esta prestados, relativos à resolução do contrato do atleta G..... com o F.C. e às condições do contrato com a Impugnante”), porque nenhum meio de prova foi apresentado que corrobore o aludido facto provado, e o documento que consta a fls. 571 do PAT nada indica no seu conteúdo nesse sentido.

    2. No decorrer do procedimento inspetivo, a AT considerou haver um conjunto de indícios que apontavam para que o custo contabilizado não correspondesse à contrapartida de um serviço de intermediação prestado em representação da ..... SAD, os quais foram desatendidos na sentença, com a fundamentação de que eram “sobretudo suposições e ilações”, “afirmações conclusivas, desprovidas de elementos concretos que as sustentem”, “motivação eminentemente subjectiva e fundada não em factos concretos mas em ilações”, ilações que “padecem de fragilidade existente a montante, o que não se aceita.

    3. Constitui facto objetivo que no contrato de trabalho desportivo não se encontra menção da existência de qualquer entidade (ou agente FIFA) agindo em nome da ..... SAD, o que se considera obrigatório nos termos dos art. 12º n.º 1 e 18º n.º 2 do Regulamento FIFA, cuja aplicação é impositiva, como resulta inequívoco da jurisprudência, ao legitimar a invocação e a vinculação dos agentes desportivos a Regulamento emanados pelas Federações de Futebol (vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 79/29/2008-7).

    4. A sentença ao desvalorizar este facto objetivo e ao considerar que se trata de formalidades ad substanciam, bem como ao entender que foi feita uma leitura “estritamente formalista” do Regulamento FIFA incorre em erro de julgamento de facto e de direito.

    5. O indício que tem de ser analisado pelo Tribunal como adequado a afastar a presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante, e que foi o indicado no RIT, é que o agente R..... não representou a ..... SAD, ou seja, não está em causa se a sociedade J....., em simultâneo, representou o jogador e a Recorrida, pelo que tendo a sentença analisado os factos ocorridos com base neste pressuposto inovatório, sofre de erro de julgamento.

    6. No contrato de trabalho desportivo celebrado, em 30/08/2005, entre o atleta K..... e a ..... SAD, não se encontra expresso a participação de qualquer intermediário, consequentemente estamos na presença de custo que não respeita à Impugnante, o qual não pode ser aceite nos termos do art. 23º do CIRC e resulta da jurisprudência dominante (vide Acs. do STA, procs. n.ºs 01077/08, e n.º 0171/11).

    7. Duas das faturas emitidas pela sociedade J..... tem morada do Chipre, que não é facto provado ser um “contacto”, pelo que incorre em erro de julgamento o sentenciado ao assim o considerar, e ao desvalorizar esse facto apurado em sede inspetiva, tanto mais que estamos perante uma morada situada num regime fiscal mais favorável, situado na rota de evasão e fraude internacionais.”.

    8. A celebração do contrato de trabalho desportivo e do documento “Agreement” ocorreram no mesmo dia (30/08/2005), e a Impugnante nunca apresentou qualquer contrato de representação prévio à transferência do jogador, o que evidencia que o agente desportivo não representou a Impugnante na negociação com o jogador, pois somente assim poderia ser entendido se nalgum daqueles documentos tivesse sido discutido as condições contratuais de transferência.

    9. A sentença desatendeu à relevância deste indício, bem como ao concreto facto provado de que a Impugnante declarou “não ter pago pelo jogador um prémio de transferência” (facto provado 11), o qual representa um facto concreto e não uma mera ilação, do que resulta erro de julgamento.

    10. O facto apurado em sede inspetiva e dado como provado que a Impugnante não pagou pelo jogador um prémio de transferência, não se coaduna com o pagamento de € 1.800.000 a um empresário, que não resulta provado que tenha intervindo na resolução do anterior contrato do atleta com a F.C. ....., e portanto, não estamos perante uma afirmação conclusiva, desprovida de elementos que a sustentem (dado que os usos comerciais e a experiência também tem valor jurídico – art. 3º n.º 1 do...

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