Acórdão nº 01092/06.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução23 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO U., SA (devidamente identificada nos autos) contrainteressada na ação administrativa especial em que são autores C. e outros (todos devidamente identificados nos autos) e ré a Associação de Beneficiários de (...), com sede em S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra – na qual foi impugnada a deliberação de 02/02/2006 da Comissão Administrativa da Ré, que aprovou a colocação de um tubo de 4 polegadas de diâmetro enterrado a 20 cm de profundidade pelo fundo do canal, sem alterar as características do mesmo, desde o açude do Rio Caima até ao matadouro explorado pela contrainteressada U., SA, cuja declaração de nulidade foi peticionada, bem como a condenação da ré a pagar aos autores a quantia a liquidar em execução de sentença devida pelo facto de estes não disporem de água desde 24/06/2006 –inconformada com a sentença datada de 31/03/2020 (fls. 2351 SITAF) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgando procedente a ação declarou nula a deliberação impugnada, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 2413 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:

  1. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou procedente a presente ação e, em consequência, declarou a nulidade do acto praticado em 02.02.2006, praticado pela Comissão Administrativa da Ré; b) Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo errou ao ter declarado nulo o acto praticado, porquanto, a decisão proferida não só consubstancia uma decisão surpresa, como a factualidade provada é manifestamente contrária à solução jurídica apontada pelo Tribunal a quo, vejamos; c) Em primeiro ligar, a nulidade conhecida pelo Tribunal a quo na decisão recorrida não foi invocada pelo Autores, os quais imputaram ao acto impugnado outros vícios que o Tribunal a quo entendeu não se verificarem; d) No que respeita à nulidade declarada pelo Tribunal a quo – deliberação que extravasa as competências da Ré – na medida em que os trabalhos autorizados pela Ré eram trabalhos complementares que se destinavam a aumentar a utilidade da obra, cuja respectiva execução pressupunha um projecto aprovado pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, tal questão, nem de facto, nem de Direito, foi discutida no âmbito dos presentes autos; e) Ainda que o Tribunal a quo possa conhecer de outros vícios não alegados pelas Partes, sempre estava obrigado a ouvir as Partes sobre a invalidade do acto que pretendia conhecer, nos termos do artigo 95.º n.º 3 do CPTA; f) Na verdade, detectando o Tribunal um vício (não alegado) susceptível de invalidar o acto impugnado, o Tribunal, no uso dos seus poderes inquisitórios, está obrigado a notificar as Partes para alegações complementares, pelo prazo comum de 10 dias, em cumprimento pelo princípio do contraditório; g) E sendo tal decisão proferida sem que as Partes tenham gozado da possibilidade de sobre elas se pronunciarem, tal decisão é nula, sob pena de, caso assim não fosse, as Partes se confrontarem, a final, com uma verdadeira decisão surpresa; h) E, nem mesmo se diga que a Ré e a aqui Recorrente referem nas suas contestações que a Ré pode efetuar trabalhos complementares que se destinavam a aumentar a utilidade da obra, desde que previamente sujeitos a um projecto elaborado pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, porquanto, a referência a tais atribuições foi efetuada apenas em tese e no âmbito do quadro das atribuições da Ré, sem que daí se possa retirar que a Ré ou a aqui Recorrente entendessem que os trabalhos efetuados se subsumissem a trabalhos dessa natureza, factualidade que, insista-se, nunca foi discutida nos presente autos; i) E, não tendo a natureza dos trabalhos sido invocada pelos Autores, nem tendo sido dada às Partes a possibilidade de se pronunciarem sobre tal questão - nomeadamente, fazendo prova do tipo de trabalhos efetuados e o respetivo fim – o Tribunal a quo decidindo sobre tal questão sem ouvir as Partes, praticou um acto ferido de nulidade (por violação do disposto pelo artigo 3º, nº 3, do CPC aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA); j) O Tribunal a quo estava obrigado a notificar as partes, em obediência ao preceituado pelo artigo 95.º n.º 3 do CPTA, advertindo-as para a possibilidade de vir a ser decidida a causa, com fundamento distinto daqueles que, expressamente, foram invocados pelos Autores; k) E, não o tendo feito, ofendeu o princípio constitucional fundamental do acesso aos Tribunais, que tem implícita a proibição da indefesa, de modo a evitar que as partes sejam confrontadas com uma decisão, cujos fundamentos, de facto e de direito, não tiveram oportunidade de contraditar; l) O exercício do princípio do contraditório, que se encontra ao serviço do princípio da igualdade das partes, segundo o qual cada uma destas é chamada a deduzir as suas razões, de facto e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e outras, é condição «sine qua non» do cabal desempenho do direito de defesa, sob pena de violação do estipulado pelo artigo 18º, da Constituição da República; m) E, a falta da indispensável audição prévia das Partes, consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 201º, nº 1, do CPC ex vi o artigo 1.º do CPTA, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos; n) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se diga que o Tribunal a quo errou ao considerar provado que os Autores são associados da Ré (alínea N) da factualidade provada), porquanto tal prova não foi efetuada; o) Com efeito, era sobre os Autores que impedia o ónus de provar a sua qualidade de associados, porém, estes não só não juntaram aos autos nenhum dos documentos referidos nos estatutos da Ré que atestam essa qualidade, como dos documentos juntos não resulta tal prova uma vez que i) tais documentos não têm qualquer identificação dos Autores como associados da Ré e ii) nos termos dos estatutos, os não associados pagam taxas de conservação e reparação; p) Salvo o devido respeito por opinião diversa, a prova documental junta aos autos não se revela suficiente para demonstrar a qualidade de associados da Ré, atentos os requisitos elencados no artigo 1.º dos Estatutos desta; q) A prova documental junta aos autos não prova nem que os Autores eram associados da Ré, nem que possuíam a qualidade de empresários agrícolas ou eram proprietários, possuidores ou industriais de prédios rústicos que integrem a zona beneficiada, nem os Autores juntaram qualquer documento que ateste que eram proprietários dos prédios rústicos integrantes da zona beneficiária da obra hidroagrícola de (...); r) Por outro lado, a qualidade de associado/sócio da Ré não só não advém do exercício de funções nos órgãos sociais da Ré, pelo que nenhuma relação pode ser efetuada entre a qualidade de sócio/associado e o exercício de funções nos órgãos sociais; s) Assim deve a factualidade elencada na alínea N) da factualidade provada ser considerada NÃO PROVADA, e, em consequência, devem os Autores ser considerados partes ilegítimas nos presentes autos; t) Acresce ainda que não assiste razão ao Tribunal a quo ao considerar que os herdeiros dos Autores têm legitimidade para prosseguir a ação, ainda que a qualidade de associado, por ter uma natureza pessoal, não se transmita, nem inter vivos nem mortis causa, nos termos do artigo 180.º do Código Civil; u) Os fins que os associados/Autores pretendiam alcançar com a instauração da presente ação, porque diretamente relacionados com a sua qualidade de associado/sócio da Ré, têm também eles uma natureza pessoal, pelo que tais fins não podem ser prosseguidos por quem não tem (nem pode ter) a qualidade de associado, pelo que o Tribunal a quo deveria ter declarado a extinção dos presentes autos, relativamente aos Autores entretanto falecidos.

  2. Mesmo que assim não se entenda, diga-se que, tendo o Tribunal a quo considerado que os trabalhos realizados se subsumiam a trabalhos de melhoramento da obra hidroagrícola, então nesse caso, os Autores nunca teriam legitimidade para impugnar a deliberação, na medida em que, tendo apenas estes direito a zelar pela conservação da obra, qualquer acto que extravase a mera conservação ou reparação não é suscetível de ser sindicado pelos associados; w) Por fim, diga-se que os Autores não têm qualquer interesse no desfecho da presente ação nem na utilização da obra hidroagrícola de (...), o que resulta demonstrado não só pela posição que assumiram em juízo (e que levou que a ação estivesse prestes a ser julgada deserta por diversas vezes) como pelo total desinteresse na utilização da água nos seus terrenos (e que também está demonstrado pela desistência formulada quanto ao pedido de indemnização); x) A obra publica hidroagrícola de (...) está ao abandono, tendo os seus beneficiários e gestora se desinteressado totalmente da sua gestão e manutenção. Apenas a Recorrente tudo fez para manter em funcionamento a obra, e 14 anos volvidos, apesar de ter cumprido escrupulosamente a deliberação da Ré, vem surpreendentemente a ser confrontada com uma decisão judicial desfasada do Direito e da realidade e manifestamente injusta; y) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se diga que a sentença errou na aplicação do Direito aos factos, sendo manifesto que, perante a factualidade considerada provada pelo Tribunal a quo (cfr. alíneas B), D), E) F) G) H) I), J)) outra deveria ter sido a decisão proferida; Vejamos, z) Conforme resulta, quer dos Estatutos da Ré, quer do artigo 4.º do Decreto-Regulamentar n.º 84/82, de 4 de Novembro, as atribuições da Ré são distintas consoante se tratem de i) obras de mera conservação ou reparação ou ii) obras destinadas a aumentar a utilidade da...

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