Acórdão nº 00144/09.3BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução23 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M. instaurou ação administrativa comum contra ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., ambas melhor identificadas nos autos, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 81.950,50, correspondente (i) € 52.212,50 à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 do prédio rústico denominado “Barreiros”, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (ii) € 5.000,00 referentes à quantia necessária a repor o prédio rústico “Barreiros” em condições de produzir produtos agrícolas, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (iii) € 3.750,00 referentes à perda de rendimento imposta pela plantação de nova vinha, (iv) € 17.000,00 referentes à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 do prédio rústico denominado “Mata do Barroco”, acrescidos de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (v) € 2.200,00 referentes à quantia necessária a repor o prédio rústico “Mata do Barroco” em condições de produzir produtos agrícolas, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (vi) € 1.500,00 referentes à perda de rendimento imposta pela plantação de nova vinha, (vii) € 288,00 referentes às taxas de justiça e multas pagas pela Autora.

Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção e absolvida a Ré do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1ª - A Autora e ora Recorrente instaurou a presente ação administrativa comum há mais de dez anos, peticionando a condenação da Ré e ora Recorrida, EP - Estradas de Portugal, E.P.E., hoje denominada “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, no pagamento à Autora da quantia de € 81.950,50 euros, correspondentes à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 de dois prédios rústicos de que é dona e legítima possuidora, e da quantia necessária para repor aqueles prédios rústicos em condições de produzir produtos agrícolas.

  1. - Em 15/12/2003, a Recorrente foi notificada pela Recorrida através de carta registada do aviso de receção de que iria ser requerida a Declaração de Utilidade Pública, com caráter de urgência, da expropriação de uma parcela 96S com a área de 10.669 m2 a destacar do prédio “Barreiros” e de três parcelas, 96B, 96BS1 e 96BS2, com a área de 3031 m2, a destacar do prédio “Mata do Barroco”.

  2. - Tendo colaborado sempre com a Recorrida, decorridos 5 anos sem que esta a contactasse, requereu ao Tribunal Judicial de Lousada a avocação do processo de expropriação, tendo aí vindo a saber que, afinal, as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não tinham sido expropriadas e sendo condenada em multas/custas processuais nos valores de € 96,00 e € 192,00; 4ª - Por ter sido notificada pela Recorrida em 15/12/2003 de que iriam ser expropriadas aquelas parcelas e que a Recorrida iria tomar posse administrativa dos terrenos, o que, aliás aconteceu após a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a Recorrente foi obrigada a deixar de cultivar aqueles terrenos agrícolas.

  3. - Em consequência de ter sido enganada pela Recorrida, que cinco anos depois a informou que, afinal, não ia expropriar aquelas parcelas, a Recorrida deixou de receber os proveitos que correspondiam ao cultivo daquelas parcelas, onde colhia uvas para fazer vinho (num total de 7 pipas por ano) e cultivava batatas, hortaliça e milho.

  4. - Tendo ficado a vinha totalmente inutilizada em virtude de não ter sido podada, sulfatada e regada durante aquele período, para limpar o terreno, adquirir e plantar vinha nova, a Recorrente teria de despender também uma avultada quantia, sendo certo que a vinha nova só começaria a produzir ao fim de três anos.

  5. - O comportamento da Recorrida, ao enganar a Recorrente em relação à expropriação daquelas parcelas, violou os princípios da justiça e da boa fé e o direito de propriedade da Recorrente, pelo que a Recorrida está obrigada a indemnizá-la dos prejuízos que lhe causou.

  6. - Independentemente da licitude ou não licitude do comportamento da recorrida, o artigo 9º do Decreto-Lei 48051 de 21 de novembro de 1967 (norma idêntica à do artigo 16º da Lei nº67/2007, de 31 de dezembro) estabelece que o Estado e demais pessoas coletivas públicas são obrigados a indemnizar os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.

  7. - No decurso do processo houve uma perícia colegial que culminou com a elaboração de um relatório pericial e das respostas aos quesitos formulados, através de um documento que foi subscrito unanimemente pelos três peritos nomeados e que concluiu com toda a clareza que a Recorrente deixou efetivamente de cultivar aqueles terrenos quando foi notificada da expropriação e da tomada de posse administrativa do terreno por parte da Recorrida e calculou de forma rigorosa a perda de rendimento que essa cessação da atividade de exploração agrícola gerou para a Recorrente.

  8. - O julgamento teve lugar no dia 5 de junho de 2014, tendo sido ouvidas as testemunhas cujos depoimentos se encontram gravados no CD que acompanha o presente recurso, as quais confirmaram por conhecimento pessoal direto, pois uma delas é irmão da Recorrente e vive no lugar onde se situam os terrenos e a outra era o Presidente da Junta de Freguesia de (...)à data da expropriação.

  9. - Passados mais de cinco anos após a data do julgamento foi proferida a sentença de que ora se recorre, por uma Senhora Juíza colocada no TAF de Penafiel para recuperar o atraso na decisão dos processos que, como este, se encontram pendentes há vários anos. Mas a verdade é que a situação deste processo é especialmente insólita, podendo mesmo considerar-se que configura uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, na medida que é elaborada uma sentença de um processo cuja audiência de discussão e julgamento teve lugar há mais de cinco anos, presidida por um outro Senhor Juiz.

  10. - Decidiu, aquela Senhora Juíza, pela total improcedência da ação, numa sentença com a qual a Autora não se pode conformar e de que ora se recorre, quer quanto à decisão de facto quer quanto à decisão de direito.

  11. - A Meritíssima Juíza a quo não se coíbe de alterar o despacho saneador proferido nos autos e transitado em julgado, que considerou assentes os factos nele constantes e fixou a base instrutória, ainda ao abrigo do antigo Código de Processo Civil, chegando mesmo a afirmar que “foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes ou dados como assentes no despacho de 3.12.2009, com as limitações esclarecidas supra”, assim violando o disposto nos artigos 619º e 620º do atual Código de Processo Civil (idênticos aos artigos 671º e 672º do CPC de 1961).

  12. - Ao não considerar as respostas dadas unanimemente pelos Senhores Peritos aos quesitos 3º a 10º do objeto da perícia, a Senhora Juíza a quo violou o disposto no nº 5 do artigo 607º do CPC, visto que a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” e o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação técnica, que não existe na sentença recorrida.

  13. - A sentença também andou mal no que respeita à apreciação da prova testemunhal, pelo que se requer aos Senhores Juízes Desembargadores a reapreciação da prova gravada e face às transcrições acima feitas da prova gravada e tendo também em conta as respostas aos quesitos 3ª a 10ª dadas pelos Senhores Peritos no seu relatório, a decisão da matéria de facto deve ser corrigida no sentido de considerar provados os factos 1 a 6 do elenco de Factos não provados da sentença, nos exatos termos do relatório pericial quanto ao valor do rendimento normal que a ora Recorrente obteria caso tivesse podido cultivar os terrenos como fazia habitualmente, após a notificação que lhe foi feita pela Recorrida de que as parcelas em causa seriam expropriadas e até julho de 2008.

  14. - As testemunhas depuseram com autenticidade e conhecimento de causa, sobretudo o Presidente da Junta de Freguesia de (...) à data da expropriação, confirmando que os terrenos em causa eram cultivados pela Recorrente e que esta, não só deixou de os cultivar após o recebimento da notificação de expropriação como, depois da tomada de posse administrativa dos terrenos por parte da Recorrida e o início da obra, não teria possibilidade de os cultivar uma vez que o local ficou transformado em estaleiro, com máquinas a trabalhar e camiões a circular permanentemente nas imediações.

  15. – É discutível o enquadramento do caso no âmbito do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, aplicando as regras gerais da aplicação da lei no tempo, visto que o facto que está em causa é a ausência de informação prestada pela Recorrida à Recorrente de que não iria expropriar as parcelas em causa, corrigindo a notificação que lhe tinha sido feita a 15 de Dezembro de 2003, ausência de informação essa que se prolongou até julho de 2008, pelo que se trata de um facto continuado, sendo que, nesta data já se encontrava em vigor a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.

  16. - Mas no que diz respeito ao caso presente, a questão da aplicação da lei no tempo não é determinante para a decisão porque as normas aplicáveis da lei nova e da lei antiga dispõem no mesmo sentido.

  17. – A sentença aplica mal o direito, pois apenas enquadra o caso no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, concluindo que a administração não violou o princípio da boa fé.

    1. - Como se encontra densificado em vários Acórdãos dos Tribunais superiores e...

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