Acórdão nº 2285/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 21 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO M..... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a presente acção onde o A. e Recorrente impugnava o despacho do Director Nacional (DN) Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do Ministério da Administração Interna (MAI), de 27/10/2020, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente e ordenou a sua transferência para a Alemanha, por ser esse o país responsável pela sua retoma a cargo.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “
-
O Recorrente não foi acompanhado por advogado quando prestou declarações, existindo uma violação da constituição portuguesa, mais concretamente dos direitos de acesso à assistência jurídica.
-
As declarações prestadas pelo Recorrente consideradas para efeitos da decisão, a redacção do art. 5º, n.º 6 do Regulamento de Dublin, tem que ser considerando inconstitucional à luz da ordem jurídica nacional, por violação do princípio do acesso ao direito, mais concretamente no art. 20º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
-
O Estado-membro responsável por analisar o pedido de asilo é a Estado Português, pelo facto da Estado Alemão não revelar condições para a analise destes pedidos, tendo falhas sistémicas.
-
Não existem nos autos elementos que possam comprovar o cumprimento da Comunicação da Comissão Europeia sobre a COVID – 19, designadamente a indagação sobre as consequências da forte pressão exercida no sistema de saúde no estado-Membro primeiramente responsável (Alemanha) para a eventualidade de acolhimento do aqui recorrente.
-
O Tribunal “a quo” deveria ter concluído pela inexistência de condições para transferência do Recorrente para o Estado Alemão, ficando Portugal a ser o Estado responsável.
” O Recorrido não contra-alegou.
O DMMP emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso: Nos termos dos art.ºs. 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), acrescenta-se o seguinte facto, por provado: 9) Consta do doc. de fls. 34 e 35 do PA, relativo às indicações do Sistema Eurodac, que o pedido de protecção internacional apresentado na Alemanha e referido em 2) teve a referência DE- Heidelberg, reportou-se à data de 21/01/2019 e foi rejeitado pela Alemanha.
II.2 - O DIREITO As questões a decidir neste processo são: - aferir do erro decisório e da violação do princípio do acesso ao direito, por inconstitucionalidade na aplicação do art.º 5.º, n.º 6, do Regulamento de Dublin e respectiva lei nacional, por o Recorrente não ter sido acompanhado por advogado aquando da entrevista; - aferir do erro decisório por não se ter aberto oficiosamente uma fase de instrução para confirmar a existência de falhas sistémicas no procedimento protecção e de acolhimento dos requerentes de protecção internacional na Alemanha.
Dos factos provados, não impugnados neste recurso, decorre que o A. e Recorrente formulou em 14/09/2020, junto do SEF, um pedido de protecção internacional.
Iniciada a instrução desse procedimento, verificou-se que o A. e Recorrente entrou no Espaço Schengen pela fronteira externa da Alemanha, onde pediu protecção internacional.
Solicitada a retoma a cargo à Alemanha, este Estado-Membro aceitou o pedido.
Em 29/09/2020, foi realizada uma entrevista com o A. e Recorrente, em língua que entendia, na qual se explicou que o pedido de protecção internacional seria analisado pelo país de entrada no Espaço Schengen. Nessa entrevista, o A. e Recorrente relatou que chegou à Alemanha em 2019, que depois foi para a França e aí viveu até vir para Portugal. Mais relatou o Recorrente, que não foi admitido o seu pedido de protecção internacional pelas autoridades alemãs e que em França lhe disseram que o iriam mandar para a Alemanha, porque viram as suas impressões digitais da Alemanha.
A recusa de tal pedido de protecção internacional pelas autoridades alemãs vem também confirmada no PA.
Estipula o art.º 20.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, o seguinte: “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
-
Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
-
A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça…” Determina o art.º 49.º, n.º 7, da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo - LA), que “na prestação de declarações a que se refere o artigo 16.º, os requerentes de asilo ou de proteção subsidiária podem fazer-se acompanhar de advogado, sem prejuízo de a respetiva ausência não obstar à realização desse ato processual”. Esta garantia vem também prevista nos art.ºs 23.º, n.ºs 3 e 4, da Directiva n.º 2013/32/EU de 26/06/2013 (Directiva Procedimentos) e 5.º, n.º 6, do Regulamento n.º 604/2013, de 26/06/2013 (Regulamento de Dublin).
Na mesma senda, os art.ºs 49.º, n.ºs 1, al. c), 5 e 6 e 59.º, n.º 4, da LA, prevêem que uma vez assistido por advogado, o requerente de protecção seja informado quanto à decisão sobre a admissibilidade do pedido e do correspondente teor por intermédio deste. Aqueles artigos prevêem também que o referido advogado tenha acesso às informações constantes do processo e aos locais de detenção ou de trânsito para poder prestar o devido aconselhamento jurídico. Estas mesmas garantias são atribuídas pelos art.ºs 12.º, n.º 1, als. d) e e), 17.º, n.º 5, 23.º, da Directiva Procedimentos e 26.º, n.ºs 1 e 3, do Regulamento de Dublin.
Por seu turno, conforme o art.º 25.º, n.º 4, da LA, o requerente de protecção internacional goza do benefício de protecção jurídica aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime legal previsto para a nomeação de defensor de arguido para diligências urgentes. Ou seja, é concedido ao requerente de protecção internacional o direito a solicitar apoio jurídico e designadamente a nomeação célere de um defensor oficioso, que será seu mandatário forense. Estas mesmas garantias estão previstas nos art.ºs 19.º a 21.º da Directiva Procedimentos e 27.º, n.º 6, do Regulamento de Dublin.
No art.º 5.º, n.º 6, parte final, do Regulamento de Dublin, sob a epígrafe, “entrevista pessoal”, estipula-se o seguinte: “o Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo. O Estado-Membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil.” Já no art.º 27.º, n.ºs 5 e 6 do Regulamento de Dublin, determina-se o seguinte:” 5. Os Estados-Membros garantem o acesso da pessoa em causa a assistência jurídica e, se necessário, a assistência linguística.
-
Os Estados-Membros garantem que a assistência jurídica seja concedida a pedido e gratuitamente, se a pessoa em causa não puder suportar os respetivos custos. Os Estados-Membros podem prever que, relativamente aos custos e outras despesas, o tratamento dos requerentes não seja mais favorável do que o tratamento geralmente dado aos seus próprios nacionais em matéria de assistência jurídica.
Sem restringir de forma arbitrária o acesso à assistência jurídica, os Estados-Membros podem prever que a assistência jurídica e a representação não sejam concedidas gratuitamente se a autoridade competente ou um órgão jurisdicional considerar que o recurso ou revisão carece de perspetivas reais de êxito.
Se a decisão de não conceder gratuitamente assistência jurídica e representação nos termos do presente número for tomada por uma autoridade que não seja um órgão jurisdicional, os Estados-Membros devem prever o direito a uma via de recurso efetiva da decisão para um órgão jurisdicional.
Ao satisfazerem os requisitos previstos no presente número, os Estados-Membros devem assegurar que a assistência jurídica e a representação não sejam restringidas de forma arbitrária, e que o acesso do requerente à justiça não seja dificultado.
A assistência jurídica inclui pelo menos a preparação dos necessários documentos processuais e a representação perante órgãos jurisdicionais, e pode ser limitada aos advogados ou conselheiros especificamente designados pela lei nacional para assistir e representar as partes.
Os procedimentos relativos ao acesso à assistência jurídica são estabelecidos no direito nacional.” Conforme o considerando 23 da Directiva Procedimentos “nos procedimentos de recurso, desde que sejam respeitadas certas condições, deverão ser facultadas aos requerentes assistência jurídica e representação legal gratuitas por pessoas competentes nos termos da lei nacional. Além disso, em todas as fases do procedimento os requerentes deverão ter o direito de consultar, a expensas suas, advogados ou consultores autorizados como tal nos termos da lei nacional”.
Assim, no art.º 23.º, n.ºs 3 e 4, da Directiva Procedimentos, relativamente ao âmbito da assistência jurídica e da representação na fase da entrevista, estipula-se o seguinte: “3. Os Estados-Membros devem autorizar o requerente a fazer-se acompanhar na entrevista pessoal por um advogado ou outro consultor admitido ou autorizado nessa qualidade nos termos do direito nacional.
Os Estados-Membros podem determinar que o advogado ou outro consultor apenas possa intervir no final da entrevista pessoal.
-
Sem prejuízo do disposto no presente artigo ou no artigo 25.
o, n.
o 1, alínea b), os Estados-Membros podem...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO