Acórdão nº 1083/10.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | SUSANA BARRETO |
Data da Resolução | 15 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por I... - I..., S.A, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o n° 891..., referente ao exercício de 1998, de que não resultou imposto a pagar.
Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões: A. A sentença recorrida parte de erro nos pressupostos de facto e de direito, quando subsume a correção ao excesso de endividamento da impugnante à violação do princípio da livre circulação de capitais consagrado no art.° 56° do Tratado UE, nos termos da interpretação consagrada por Acórdão do TJUE (processo n° C-282/12).
B. Sendo certo que a impugnante veio suportar o pedido de anulações das referidas correções fiscais suportando-se apenas na interpretação que retirava da disciplina contida no art.° 43° do Tratado UE, atinente ao ‘Direito de estabelecimento’ e jurisprudência comunitária a ele relativo e, subsidiariamente, na alegada violação do art.° 25° da CDT celebrada entre Portugal e França.
C. Sucede, porém, que o quadro jurídico em apreciação no Acórdão, extensivamente invocado pela sentença impugnada, se reporta aos artigos 58°, n.° 4 e 61° do Código do IRC, nas versões plasmadas no ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n° 198/2001 e Lei 60-A/2005.
D. Disposições e redações posteriores àquelas que estribaram a fundamentação da correção feita in casu: a saber, o art.° 57°-C do Código do IRC, na versão em vigor em 1998, data da ocorrência dos factos tributários.
E. E sendo o fulcro daquela pronúncia do TJUE a existência em Portugal de um regime jurídico fiscal discriminatório, no que respeita ao tratamento dos encargos com a obtenção de crédito junto de uma entidade residente em estado-terceiro, face ao tratamento dado aos encargos do mesmo tipo contraídos junto de entidade residente, reputa-se que tal não tem aplicação face ao quadro legal nacional vigente no ano de 1998.
F. Com efeito, nesta data o art.° 57°-C do Código do IRC densificava, quanto ao endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente, as regras genéricas definidas para as correções a efetuar em caso de serem detetadas “relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC”, levando a que “o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações“, como se postulava no art.° 57° do mesmo Código.
G. Âmbito de aplicação onde se incluíam as relações especiais mantidas com entidades residentes, como resultava da redação dos nº 1 e 4 do referido art.° 57° do Código do IRC, sendo defensável que o regime das correções aí preconizadas seria até mais gravoso do que o consagrado no art.° 57°-C.
H. Ficando evidenciado nos autos que a impugnante tinha um endividamento de 4,08 vezes o valor da participação no seu capital próprio da sociedade não residente, patente se torna a não aceitação para determinação do lucro tributável dos juros que contabilizou com o financiamento obtido junto desta, sem que por isso se possa apontar carácter discriminatório face ao Direito Comunitário ou violação da CDT celebrada entre Portugal e França.
I. O que dita o erro de julgamento da decisão aqui impugnada, na dupla medida em que não só não apreciou as pretensas ilegalidades neste conspecto peticionadas pela impugnante, como veio a ditar a anulação das correções que resultaram da atuação estritamente vinculada da AT, em obediência à disciplina contida no art.° 57°-C do Código do IRC, suportando-se em apreciação incidente sobre normas legais entradas em vigor posteriormente aos factos tributários.
J. Aponta-se erro de julgamento na sentença proferida pelo Tribunal quando postula que a inexistência de presunção legal de transmissibilidade de bens e a impossibilidade de aplicação analógica de norma do Código do IVA em sede de IRC, ditam a ilegalidade das correções respeitantes a proveitos não declarados.
K. Desde logo, a AT não fundamentou a correção aplicando analogicamente o art.° 80° do Código do IVA, que só invocou precisamente na correção feita em cédula de tributação sobre o consumo.
L. A putativa “presunção” decorre prima facies da postura não cooperante da recorrida, que tendo oportunidade para justificar as anomalias detetadas nos seus inventários inicial e final nada disse ou fez, e na constatação de que os bens saídos de inventário, não tendo sido faturados e não estando o seu destino evidenciado contabilisticamente, correspondiam a proveitos ou ganhos do exercício omitidos ao apuramento do lucro tributável, nos termos do art.° 20° do Código do IRC.
M. E sobre a relevância dos inventários no apuramento da matéria tributável das empresas, invoca-se o Acórdão proferido em 2015-11-05 nesse Tribunal Central (processo n° 02571/08): «I. O controlo efetivo das existências tem uma importância central na determinação da exata medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que é documentado e registado nos respetivos inventários de que, aquelas têm de dispor nos termos da lei comercial e fiscal.
(...) Dispõe o n.°1 do artigo 75° da LGT que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. Tal presunção não se verifica, porém, no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflete ou impeça o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (n° 2 do mesmo normativo).
(...) Pois bem, resultando a correção da matéria tributável declarada do facto de a ATA ter constatado uma diferença entre valores contabilizados pela Recorrente, é de considerar verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação no sentido da correção do lucro tributável, competindo por isso à Recorrente o ónus da prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito. (...)» N. Razões que se ponderam suficientes para conduzir à prolação de um juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, correspetivamente, confirmando-se a validade do ato tributário objeto de impugnação e menos avisadamente anulado pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos demais que esse Insigne Tribunal por bem entender suprir, defende a Fazenda Pública que se dê provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença ora impugnada, com o que se fará a sempre pretendida Justiça! A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: a) Na Douta Sentença sob recurso veio a considerar-se, e bem, “que o regime jurídico da "subcapitalização" previsto no art. 61.º, nº 1 do CIRC (à data da situação analisada naquele aresto e que manteve o regime previsto no anterior art. 57.º-C) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais prevista no art. 56.º do TCE (atual art. 63.º do TFUE) e, nessa medida; deve aquele normativo ser afastado por força do primado consagrado no art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa." b) De igual forma, e no que respeita à Correção Técnica Fundada na Presunção de Transmissão de Bens Registados em Inventário, bem andou a Sentença recorrida quando decidiu que "não existindo qualquer presunção legal de transmissibilidade de bens em sede de IRC, não podia ser considerado como proveito ou ganho o montante de € 85 294,44 (17.100.000$00)" relativo a «itens» dos Inventários que não foram faturados e contabilizados como proveitos ou ganhos do exercício", procedendo a impugnação também nesta parte." TERMOS EM QUE, Deve o recurso da recorrente ser julgado de não provado e improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida sem qualquer alteração, assim se fazendo JUSTIÇA.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação com fundamento em ilegalidade das correções efetuadas ao abrigo do disposto no art.º 57-C do CIRC (na redação aplicável) e ilegalidade da correção técnica fundada na presunção de transmissão de bens registados em inventário.
II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: 1. Em 19 de setembro de 1986 foi constituída a sociedade I... - I..., S.A., tendo como objeto a construção e montagem de veículos pesados e outros materiais rolantes, respetivas peças e acessórios, comercialização, importação e exportação dos mesmos, com um capital de 63.500.000$00, encontrando-se enquadrada em IRC no regime geral de tributação, coletada no Serviço de Finanças de Rio Maior, com o CAE 34.100 - Fabricação e montagem de semirreboques, reboques e cisternas; e em IVA no regime normal de periodicidade mensal; possuindo contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal - cfr. relatório de inspeção constante do Processo Administrativo (PA) apenso.
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No dia 15 de setembro de 1993 foi efetuado um reforço de capital da sociedade e a sua transformação em sociedade anónima, cifrando-se tal reforço em 112.000.000$00, passando o capital social para 175.500.000$00, estando assim repartido: "L..., S.A." com 89.505 ações nominativas (51% do capital social), "J..." com 38.610 ações nominativas (22% do capital social), "E..." com 32.299 ações nominativas (18.4% do capital social), "C..." com 20...
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