Acórdão nº 00935/15.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução09 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:* I – RELATÓRIO 1.1.

PATRÍCIA RAQUEL GOMES BARRETO CORREIA, advogada, com domicílio profissional em Rua (…), propôs a presente ação administrativa contra o Estado, representado pelo Mº P, ao qual, procedendo requerimento da Autora, vieram a ser associados, como intervenientes principais passivos, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), com sede na Rua de (…), e a Ordem dos Advogados (O.A.), com sede em Largo (…).

Formula o pedido nos seguintes termos: “A). Declarar-se e reconhecer-se o direito da A. em manter, na sua esfera jurídica-laboral, o direito de exercer cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial em conformidade com a Legislação anterior ao abrigo da qual adquiriu tal direito.

B). Julgar-se inconstitucionais as normas constantes· do art. 3º/13 da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, do art. 165º/1; alª a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, artº 3º/4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artº 85º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação dos árts.47º, 17º, 18º,.2º e 20º da CR E, em consequência, declarar-se a desaplicação das referidas normas à situação jurídico-laboral da A., exposta no caso concreto.» Alegou, para tanto, em síntese, que exerce a profissão de advogada desde 03/11/1995, e que no ano de 2010 e no quadro da legislação então em vigor, candidatou-se e frequentou o 1º Curso de Agentes de Execução, ministrado pela então designada Câmara dos Solicitadores e obteve aprovação no mesmo, após a frequência de um estágio de 10 meses; Assim, após um investimento considerável, tanto a nível intelectual como patrimonial, ficou legalmente habilitada e credenciada para o exercício das funções de Agente de Execução, tendo iniciado as mesmas em 16 de junho de 2011, em cumulação com o exercício do mandato judicial, atividade profissional que já exercia desde 1995; Refere que a partir do momento em que se propôs ao Curso de Agentes de Execução supra referido, adotou um conjunto de medidas tendentes à compatibilização do exercício das funções a que, por Lei, passaria a estar habilitada, com as limitações e restrições dispostas pela legislação então em vigor, e por isso, alterou o modo de exercer a profissão de Advogada; Desde logo, alterou o seu domicílio profissional para um espaço maior, para reunir as referidas condições, nomeadamente, uma sala própria para consulta dos processos, tanto por parte dos executados, como por parte dos exequentes, e Estruturas e Meios Informáticos do Escritório do Agente de Execução, conforme regulamento aprovado em Assembleia Geral de 22 de maio de 2010, da Câmara dos Solicitadores, o que aumentou os custos mensais; Mais alegou, que a Lei Nº 154/2015, de 14 de setembro procedeu à transformação, no ordenamento jurídico português, da “Câmara dos Solicitadores” em “Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução” e aprovou “o respetivo Estatuto; E que, por seu turno, a Lei Nº 145/2015, de 9 de setembro, aprovou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e revogou a Lei Nº 5/2005, de 26 de janeiro e o Decreto-lei Nº 229/2004, de l0 de dezembro; Acontece que com a entrada em vigor dos diplomas supra citados, designadamente por força da conjugação dos artigos 3º nº 13 da Lei 154/2005, 165º nº 1 alª a) do Estatuto da OSAE, 3º nº 4 da Lei nº 145/2015, de 9/9 e artigo 85º nº 3 do Estatuto da OA, criou-se uma incompatibilidade “ex novo” entre o exercício do mandato judicial e o exercício de funções de agente de execução, com que se colocaram em causa os direitos adquiridos da Autora, frustrando-se a legítima expectativa de colher o fruto dos seus sobreditos investimentos humanos e materiais, o que provocou uma diminuição abrupta e qualitativa dos seus rendimentos do trabalho; Invoca que o art.º 3º nº 12 da Lei nº 154/2015 e o artigo 86º do novo Estatuto da OA parecem dispor que as novas incompatibilidades “não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior”, porém, logo o nº 13 daquele primeiro artigo reduz esta ressalva a nada, criando uma “exceção à exceção”, norma cuja desaplicação requer, por ser manifestamente ilegal e inconstitucional, desde logo, por violar o princípio fundamental da proteção da confiança e segurança jurídicas, consagrado no artigo 2º e no artigo 20º da CRP, por violar o direito à liberdade de escolha da profissão (artigo 47º 1 da CRP) ao impedi-la de continuar a exercer uma profissão para que legalmente se habilitara, o princípio da Igualdade e o da Proporcionalidade (artigo 18º da CRP e artigo 7º do CPA), o princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4ºdo CPA) e o princípio da boa-fé (artigo 10º nº 2 do CPA).

1.2.

Citado, o Réu Estado, representado pela Digna Procuradora da República, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, alegou: (a) A incompetência material deste Tribunal, por não se tratar, aqui, de uma relação jurídico-administrativa, mas simplesmente da aplicação de um ato político de natureza legislativa. Na verdade, o que verdadeira e unicamente se pede é a declaração da inconstitucionalidade de determinadas normas legislativas, quando só ao Tribunal Constitucional compete apreciar a constitucionalidade das leis.

(b) A Ilegitimidade do Réu Estado, pois os atos cuja desaplicação se pede são emanados da Assembleia da República, sendo certo que a Doutrina ensina que quando o ato impugnado for da Assembleia da República é este órgão, então dotado de capacidade judiciária ad hoc, que se deve demandar.

(c) Falta de interesse em agir por parte da Autora, uma vez que o que se pede é o reconhecimento de um direito, mas não há qualquer situação de dúvida quanto ao sentido das leis em causa, que torne útil, para a Autora, a pronúncia do Tribunal.

Na defesa por impugnação, impugnou os factos alegados e não provados com documento autêntico, grosso modo os relativos ao currículo da Autora, suas despesas e seus proventos profissionais.

Quanto ao direito rebateu as teses da petição, sustentando, designadamente, que a alteração legislativa cuja aplicação à Autora e aos demais advogados na sua situação é reputada inconstitucional, longe de ser inesperável, vem no seguimento de todo um labor legislativo cerceador de cumulação das duas funções em causa, desde que em 2003 foi criada a figura do solicitador de execução como profissional liberal incumbido de funções públicas que outrora competiram às secretarias judiciais e aos juízes; longe de ser injustificável por um interesse público constitucional prevalecente, vem responder a um imperativo de imparcialidade, isenção e credibilidade da função de agente de execução, bem como da de Advogado; longe de desproporcionada e violadora da confiança dos profissionais, fica-se pelo necessário e até conferiu, tal como haviam pedido as respetivas ordens, um período transitório de adaptação dos profissionais abrangidos, fixado até 31 de dezembro de 2017.

Além disso frisou que não está verdadeiramente em causa o exercício da profissão de advogado, mas tão só o exercício do mandato judicial, que é apenas uma das dimensões do exercício daquela.

Termina pedindo a absolvição da instância pela verificação das exceções deduzidas ou a absolvição do pedido.

1.3.

Citada, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção, alegou a falta de interesse em agir relativamente ao primeiro pedido e incompetência material para o segundo, com fundamentos redutíveis aos já relatados quanto à Réu Estado.

Por impugnação, rebateu as teses da Petição, sustentando, designadamente, além do redutível ao alegado pelo Réu Estado, que só por via da falta de agentes de execução em exclusividade, no início da reforma que criou estas profissão e função, é que o legislador tolerou o concurso das funções de agente de execução com o exercício de mandato judicial em geral, conforme bem revela o preâmbulo do DL nº 226/2008, de 20/11; e que este apartamento de funções é, além do mais, ditado, de um ponto de vista prático, pelo acesso que a mesma pessoa, mandatário judicial e agente de execução, pode ter, na qualidade, apenas, de agente de execução, a bases de dados pessoais que ao mandatário judicial, enquanto tal, não são acessíveis; que o exercício quer da profissão de advogado quer da de agente de execução é ditado pela Lei, sem ter qualquer definição constitucional, pelo que as suas conformação e alteração legais em nada contendem com o direito à liberdade de escolha e de exercício da profissão; que o princípio da confiança e o artigo 20º da CRP (acesso à justiça) só estariam violados pela retrospectividade (que não é o mesmo que retroactividade) destas alterações legais se não fossem ressalvados os mandatos já conferidos, o que não foi o caso.

Sem embargo, termina dizendo que caberá ao tribunal aferir se o desígnio do legislador podia ser alcançado por meio menos agressivo, no respeitante às expectativas dos advogados que já eram agentes de execução.

1.4.

Citada, a O.A. contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que já ao abrigo da anterior legislação vigorava a atual incompatibilidade, a qual decorria, aliás, da legislação citada pela Autora na PI, pelo que a mesma não é nova.

O artigo 115º nº 2 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, ao determinar que o solicitador ou advogado que “foi” – pretérito perfeito – agente de execução estava impedido de exercer mandato judicial em representação do exequente e do executado durante três anos a partir da extinção da execução, já pressupunha que o solicitador ou advogado não podiam exercer, cumulativamente e em geral, a atividade de agente de execução e o mandato judicial, contrariamente ao que pretende supor a Autora. Assim, a lei 145/2915 de 9/9 e a Lei nº 154/2015 de...

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