Acórdão nº 00274/11.1BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:* P.

, id. nos autos, interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Mirandela, julgando improcedente apresente ação administrativa especial intentada contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.

, indicando como contra-interessados A., A., A., C., C., D., M., M., M., M., O., S. e S., id. nos autos, pedindo a anulação da deliberação de 12 de abril de 2011, do Conselho Diretivo do INFARMED que homologou a lista de classificação final do concurso para instalação de uma nova farmácia no Lugar de (...), freguesia de (...), concelho de (...), bem como a condenação do INFARMED à prática do ato de homologação de nova lista de classificação final na qual a Autora seja classificada em primeiro lugar no âmbito do concurso público para a instalação de uma nova farmácia no Lugar de (...).

Sob “conclusões”, desfila o seguinte: A. A sentença objeto do presente recurso, proferida pelo TAF de Mirandela, julgou improcedente a ação intentada pela ora Recorrente de impugnação do ato de homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos, praticado pelo Conselho Diretivo do INFARMED em 12 de abril de 2011, relativo ao concurso público para a Instalação de Nova Farmácia no Lugar e Freguesia de (...), Concelho de (...), Distrito de Vila Real.

  1. A sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, tendo incorrido em erro ao julgar determinados factos como provados ou não provados e, bem assim, ao julgar improcedente o pedido da Recorrente, por considerar que o despacho impugnado não padece de qualquer vício que conduza à respetiva declaração de nulidade ou anulação.

  2. Desde logo, andou mal o Tribunal recorrido ao dar como provados os factos constantes dos pontos 29. e 30. da fundamentação de facto da sentença, os quais foram incorretamente julgados.

  3. Tendo ainda incorrido em erro na apreciação da matéria de facto ao dar como não provados os factos constantes de alíneas a) a d).

  4. Sendo que a prova produzida no processo impunha uma decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto acima indicados, pelo que a Recorrente não pode deixar de os impugnar.

  5. Quando ao ponto 29 dado como provado, impunha-se decisão diversa pelo facto de ter ficado demonstrado no processo que a casa adquirida pela Recorrente no Porto não se destinou à sua habitação permanente, desde logo porque apresentou dois atestados de residência – emitidos pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia de (...), um dos quais corroborado ainda por testemunhas, considerado como meio de prova necessário e suficiente da residência dos candidatos à atribuição por via de concurso público de alvará de farmácia.

  6. O atestado em causa, tendo sido emitido pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia de (...), é um documento autêntico (cfr. artigo 363.º n.º 2 do Código Civil), porque foi exarado, na observância das formalidades legais, por autoridade pública no limite da sua competência, sendo a sua força probatória a que decorre do artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil – os documentos autênticos detêm valor probatório pleno, que só pode ser posto em causa com base na respetiva falsidade.

  7. Significa isto que, não obstante ser indubitável que o que releva para efeitos do concurso é a residência da Recorrente e não a atestação dela, o facto é que o atestado de residência da Recorrente fazia prova plena dos factos nele atestados, de modo que apenas poderiam ser ilididos se demonstrada a sua falsidade.

    I. Não só tal demonstração e declaração de falsidade manifestamente não sucedeu ainda que a Contrainteressada o tenha alegado, como, mais do que isso, todos os documentos apresentados e exigidos em sede de concurso convergiam no sentido da residência da Recorrente em (...), incluindo o Bilhete de Identidade da Recorrente à data da sua candidatura ao concurso.

  8. Cabe, ainda, referir, a este respeito, que a Recorrente explicou, em sede de audiência prévia, que o pedido de emissão de novo bilhete de identidade, em 24 de setembro de 1997, se ficou efetivamente a dever ao facto de a mesma ter perdido o seu anterior, sendo que este veio espelhar a realidade à data da sua emissão – isto é, a residência da Recorrente em (...).

  9. Acresce que é em (...) que a Recorrente tem sediada a sua conta bancária desde 1991, tendo ficado também demonstradas nos autos outras circunstâncias da vida da Recorrente que, pese embora evidenciem a existência de uma conexão profissional temporária com a cidade do Porto, não significam, de todo, que a mesma tenha deixado de ter residência habitual e permanente do concelho de (...).

    L. Ficou demonstrado que a Recorrente se licenciou em Ciências Farmacêuticas na Universidade do Porto, tendo nessa cidade iniciado a sua atividade profissional como farmacêutica, face à inexistência de tais oportunidades no Concelho de (...), o que levou a que, por uma questão de necessidade, passasse a pernoitar alguns dias por semana na cidade do Porto.

  10. Nunca deixou, porém, de residir com caráter de habitualidade em (...), (...), mesmo após do seu casamento, aí centrando a sua vida e o seu dia-a-dia. Tanto que, assim que teve oportunidade, candidatou-se, sem pensar duas vezes, à instalação de uma farmácia não só no seu Concelho, mas na sua terra, em (...).

  11. Mais se dirá que o facto de os pais da Recorrente lhe terem oferecido um apartamento no Porto não significa que, por essa razão, a mesma tenha para lá alterado a sua residência habitual e permanente, uma vez que este apartamento teve apenas em vista garantir que a Recorrente tivesse uma casa para pernoitar no Porto, de forma acessória, sempre que os motivos profissionais aludidos o exigissem.

  12. Acresce ainda que o facto é que os documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o presente recurso constituem mais uma evidência de que a Recorrente sempre residiu em (...), (...), uma vez que nas referidas escrituras, celebradas em 1991 e 1996, a Recorrente figura como residente em (...) verificada, respetivamente, por exibição do Bilhete de Identidade emitido em 17 de novembro 1989 e por conhecimento pessoal da Senhora Notária.

  13. Pelo que, em face do exposto, não poderia o Tribunal recorrido ter concluído como concluiu, no ponto 29 da matéria de facto dada como provada – no sentido de que a casa adquirida no Porto se destinou à habitação permanente da Recorrente – devendo ter dado este facto como não provado ou, ao invés, ter dado como provado o seguinte facto: “A casa adquirida pela Recorrente em 02.02.1993 na Rua (…), Porto não se destinou à sua habitação permanente, sendo a sua residência habitual e permanente no concelho de (...)”.

  14. Acresce que tão pouco deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 30. Nos termos em que o fez, uma vez que, sendo certo que, em 22 de fevereiro de 1993, a Recorrente declarou que o imóvel em discussão se destinava à sua residência, é certo que ficou também demonstrado que o fez exclusivamente com vista à obtenção de isenção de contribuição autárquica.

  15. Não pode, assim, a recorrente conformar-se com os termos em que o Tribunal recorrido dá o referido facto como provado, impondo-se que antes o tivesse feito nos seguintes termos: “A Recorrente declarou, em 22/02/1993, que tal imóvel se destinava à sua residência própria e permanente apenas para efeitos de obtenção de isenção de contribuição autárquica”; ou que, ao invés, tivesse dado o facto c) como provado.

  16. O que vem sendo dito implica, ainda, que o Tribunal devesse ter dado como provados os factos elencados de a) a d), considerados como não provados.

  17. Assim, o Tribunal errou ao dar como provados os factos 29 e 30 da fundamentação de facto da sentença recorrida e ao não dar como provados os pontos a) a d), impondo-se, pois, a sua substituição por outra que decida nos termos supra expostos.

  18. Entrado na matéria de direito, apesar de, na decisão recorrida, o Tribunal a quo ter concluído que “(…) a retoma do procedimento administrativo tendente à (re)classificação dos candidatos ao concurso público para a instalação de nova farmácia no lugar e freguesia de (...), concelho de (...), e a deliberação do júri que procedeu à mesma, bem como o despacho que a homologou, inscreveram-se no dever de executar a referida sentença anulatória”, não pode a Recorrente, salvo o devido respeito, concordar com tal entendimento.

    V. Como é consabido, com o trânsito em julgado de sentenças judiciais, recai sobre a Administração um dever que a vincula à execução daquelas decisões, sendo que, como se refere no Acórdão do STA, de 14 de fevereiro de 2002, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que a julga e, transitada, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele”.

  19. Sendo que da conjugação deste entendimento com o conteúdo do artigo 173.º, n.º 1 do CPTA em vigor à data resulta que, na sequência da anulação de um ato administrativo, os deveres que para a Administração decorrem em sede de execução da respetiva sentença são essencialmente os de (i) reconstituição da situação que existiria caso o ato ilegal não tivesse sido praticado; (ii) cumprimento dos deveres que a Administração não havia cumprido na vigência do ato ilegal; e (iii) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas.

    X. Assim, por um lado, não pode a Administração reproduzir o ato, reincidindo nas ilegalidades individualizadas e declaradas na sentença, sob pena de incorrer em nulidade, devendo, por outro, respeitar o princípio da reconstituição da situação hipotética atual.

  20. Neste âmbito, constitui jurisprudência assente (cfr. acórdãos supracitados) que os limites objetivos do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos se determinam pelo vício que fundamenta a decisão, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita e delimitada...

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