Acórdão nº 449/20.2BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O MUNICÍPIO DE FARO, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 10.12.2020, que julgou procedente o pedido de «intimação para emissão de certidão de destaque», contra si deduzido pela R... - R..., S.A.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 331 e ss., ref. SITAF: «(…) a. Do ponto de vista do Recorrente, é manifesto o erro de julgamento de que padece o raciocínio jurídico perfilhado e exposto pela sentença recorrida, até porque o acórdão invocado pelo Tribunal a quo (ac. do TCA Sul, de 14/7/2011) não poderia ter sido utilizado - como foi - em substituição da análise jurídica que se impunha (!) que tivesse sido realizada pelo Tribunal a quo, do disposto nos artigos 112.° e 113.° do RJUE, nomeadamente do ponto de vista da sua sistemática e da sua ratio.

b. Ademais, a aplicação analógica do regime dos artigos 104.° e seguintes do CPTA (intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) ao pedido da Recorrida por aplicação do n.° 7 do art.° 112.°, conjugado com os números 5 e 6 do art.° 113.° do RJUE, não é de todo consensual na doutrina e na jurisprudência.

c. Prova disso, aliás, é o acórdão também mencionado na sentença recorrida, proferido mais recentemente a 29 de maio de 2020, no processo n.° 03113/19.1 BEPRT, no qual se defendeu que a “intimação para a prestação de informações, prevista nos artigos 104.° e seguintes do CPTA, visa a prestação de informações e passagem de certidões e não a intimação das partes para a prática de quaisquer outros atos, para os quais existem no nosso ordenamento contencioso administrativo, outro tipo de ações tendentes, designadamente, à “prática de ato devido”.”. (…) d. Ora, é justamente esta a conclusão que se extrai da análise jurídica dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, cuja conjugação não permite, de facto, concluir pelo enquadramento de um pedido de emissão de certidão de destaque no meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, como a Recorrida entendeu (erroneamente) ser possível, antes se impondo o recurso a uma forma especial de intimação tendente à prática de ato devido - como, aliás, decorre justamente do artigo 112.°, n.° 1 do RJUE.

e. Neste sentido, cabe destacar que o regime legal consagrado nos artigos 112.° e 113.° do RJUE está construído para ser aplicado exclusivamente às situações da alínea a) do art.° 111.° do RJUE, nas quais o caso dos autos desde logo não se enquadra.

f. No caso concreto, o silêncio do Recorrente no âmbito de pedido de emissão de certidão de destaque enquadra-se, como reconhecido nos autos, na al. c) do art.° 111.° do RJUE, e não nas situações da al. a), respeitantes exclusivamente “aos atos que devessem ser praticados por qualquer órgão municipal no âmbito de um procedimento de licenciamento”, g. O que é especialmente relevante porque, conforme se demonstrará em seguida, o regime dos art.°s 112.° e art.° 113.° do RJUE só é aplicável aos atos enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE, ou não começasse o n.° 1 do art.° 112.° do RJUE por dizer que “No caso previsto na alínea a) do artigo anterior, o interessado pode deduzir junto dos tribunais administrativos um pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.” (…).

h. Além disso, nos termos dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, a consequência prevista para o silêncio da Administração não é o deferimento tácito do pedido, mas sim a possibilidade de o interessado deduzir junto dos tribunais um pedido de intimação dirigido à entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.

i. Assim, é evidente que este regime legal [contemplado nos art.°s 112.° e 113.° do RJUE] não se confunde com o regime do deferimento tácito, o qual se forma com o mero decurso do prazo no qual a Administração deveria ter proferido uma decisão e não o fez.

j. Por sua vez, muito embora a sentença recorrida tenha enquadrado o deferimento tácito verificado nestes autos no regime do art.° 113.° do RJUE, a verdade é que bastaria uma vez mais ter-se atentado na letra deste artigo para concluir que esse enquadramento jamais seria possível, porquanto o art.° 113.° do RJUE pressupõe a aplicação prévia do regime do art.° 112.° do RJUE.

k. Por conseguinte, é manifesto que o art.° 113.° do RJUE não é de aplicação direta e autónoma a todas as situações enquadráveis no RJUE em que ocorra deferimento tácito, antes se aplicando o seu regime apenas nas situações previstas no n.° 9 do art.° 112.° do RJUE, ou seja, em que o interessado deduziu um pedido de intimação junto dos tribunais administrativos para que a entidade competente fosse interpelada para o cumprimento do dever de decisão e em que, fixado um prazo não inferior a 30 dias pelo juiz (cfr. n.° 6 do art.° 112.° do RJUE), esse prazo já decorreu e, mesmo assim, a Administração não praticou o ato que lhe era devido, podendo o interessado, nesse caso e só nesse momento, prosseguir de acordo com o previsto no art.° 113.° do RJUE.

l. É justamente porque o regime do art.° 113.° do RJUE está construído desta forma que, novamente no RJUE comentado, se lê que “O artigo 113.° tem como epígrafe “deferimento tácito”. Porém, este título não joga perfeitamente com o disposto no seu primeiro número (...) porque parece impedir que aos deferimentos tácitos praticados ao abrigo do disposto na alínea c) do art.° 111.° possa seguir-se o disposto neste diploma (,..)”. (…).

m. Efetivamente, assim é, sendo a letra dos respetivos preceitos legais (isto é, o seu elemento literal), como é sabido, o ponto de partida para a interpretação do seu âmbito de aplicação.

n. Poderia apontar-se como exceção o disposto no n.° 2 do art.° 114.° do RJUE, em que o legislador já não distingue entre a impugnação administrativa de atos proferidos em procedimento de licenciamento e a impugnação administrativa de outros atos (o legislador refere-se apenas à “impugnação administrativa de quaisquer atos"), atribuindo a todos nesse caso o “deferimento tácito” como consequência.

o. Porém, a explicação para tal exceção é simples e consta do ponto 3 da anotação do art.° 114.° do RJUE comentado, onde se explica que “Esta diferenciação relativa às consequências da omissão do dever legal de decisão no âmbito dos procedimento de licenciamento [artigo 111.°, alínea a)] motiva-se, sobretudo, pelo facto de aqui se desencadear uma segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele, pelo que os dados normativos a mobilizar para uma tomada de decisão se encontram mais concretizados.”. (…) p. Donde, portanto, se retira que, não fosse estar já em causa uma “segunda apreciação do mesmo processo ou de elementos dele" - pois, sendo impugnação administrativa, já terá sua base uma primeira decisão administrativa -, a consequência aplicável aos atos previstos na al. a) do art.° 111.° do RJUE não seria o deferimento tácito e, portanto, seria diferente da prevista para os demais atos, ou seja, os da al. c) do art.° 111.° do RJUE.

q. Em face do exposto, não pode proceder o entendimento do Tribunal a quo de que o pedido da Recorrida, muito embora não se enquadre nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, poderá mesmo assim, por absurdo, ser julgado nos termos do regime legal àqueles aplicável, nomeadamente os artigos 112.° e 113.° do RJUE.

r. Se assim fosse, por que motivo teria o legislador feito uma distinção entre os atos da al. a) e da al. c) do art.° 111.° do RJUE? E porque teria criado um regime de tramitação especial só para os atos enquadráveis nessa al. a) do art.° 111.° do RJUE? s. Ademais, mesmo o entendimento doutrinário constante do acórdão do TCA Sul de 14/7/2011, constante da anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE comentado, a verdade é que não se lê em parte alguma dessa anotação 3 que o meio processual de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões é um meio processual adequado ou passível de aplicação analógica aos pedidos de emissão de certidão de destaque, como aquele que é formulado nos autos! t. Aliás, essa anotação 3 ao artigo 113.° do RJUE analisa o n.° 5 deste artigo sempre na perspetiva da passagem de alvará de licença ou autorização de utilização (cfr. previsto na letra desse artigo), não se defendendo a utilização deste meio processual para a emissão de uma certidão de destaque! u. Tanto assim é que se conclui nessa anotação 3 ao n.° 5 do art.° 113.° do RJUE que “A sentença judicial emitida pelo Tribunal Administrativo de Círculo da área da sede da autarquia, ao abrigo deste processo, é, na sua essência, uma sentença condenatória, na medida em que visa a intimação da câmara à passagem do alvará de licença ou autorização".

v. Assim, nem sequer nos termos dessa anotação 3 ao art.° 113.° do RJUE, que é invocada no acórdão proferido pelo TCA Sul, de 14/7/2011, se faz qualquer menção à possibilidade de utilização deste meio processual de intimação no caso de um pedido de emissão de certidão de destaque que, portanto, não se enquadraria nos atos da al. a) do art.° 111.° do RJUE, mas sim nos da al. c) do art.° 111.° do RJUE.

w. Termos em que se requer a V.Exas seja declarado o manifesto erro na forma de processo adotada pela Recorrida nos presentes autos, nomeadamente a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ao abrigo dos artigos 104.° e seguintes do CPTA, por manifesta impossibilidade de aplicação a um pedido de emissão de certidão de destaque do regime legal dos artigos 112.° e 113.° do RJUE, que apenas se debruçam sobre as situações enquadráveis na al. a) do art.° 111.° do RJUE.

CASO, POR ABSURDO, ASSIM NÃO SE ENTENDA, x. Mesmo admitindo que o n.° 5 do art.° 113.° do RJUE é autonomamente aplicável às situações deferimento tácito...

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