Acórdão nº 00118/10.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 05 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO 1.1.
C.
, residente na Rua (…), intentou junto do Tribunal Judicial de Penafiel a presente ação declarativa comum, com processo ordinário, contra Centro Hospitalar (...), E.P.E, com sede no Lugar (…), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 40.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, e a quantia de 35.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da prática do facto que serve de causa de pedir à presente ação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que no dia 13/04/2005, pelas 3 horas, deu entrada no serviço de obstetrícia da Ré, com diagnóstico e trabalho de parto, com uma gravidez de termo e que fruto dos procedimentos clínicos a que foi submetida, contrários à legis artis, sofreu lesões, que lhe determinaram danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver indemnizados.
1.2.
Citada, a Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns para apreciar a relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial, sustentando que como resulta desse articulado, o direito indemnizatório reclamado pela Autora funda-se exclusivamente em factos geradores de alegada responsabilidade civil extracontratual da Ré, quando esta era constituída por uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, depois transformada, em 31/12/2005, em Hospital EPE, pelo que a competência material para conhecer da relação material controvertida submetida pela Autora à apreciação do tribunal se encontra deferida aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Invocou a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que a Autora vem exercer nos autos, alegando que a presente ação foi intentada em 15/01/2009, quando os factos que lhe são imputados, segundo a tese da Autora, ocorreram em 13/04/2005, tendo o internamento decorrido até 15/04/2005, estando, consequentemente, à data da instauração da presente ação, decorridos mais de três anos desde a data em que a Autora teve conhecimento do pretenso direito indemnizatório que lhe compete; Impugnou parte dos factos alegados pela Autora, sustentando que nos procedimentos médicos a que esta foi submetida foram observadas integralmente a legis artis, não se verificando os requisitos da ilicitude, da culpa, sequer qualquer do nexo causal entre a ação assistencial realizada e os danos que aquela pretende demonstrar nos presentes autos, os quais decorrem antes de causa natural associada ao parto ou a outras situações, autónomas e estranhas a qualquer intervenção médica.
Conclui pedindo que se julgue as exceções que invocou procedentes e que a ação seja julgada improcedente por improvada.
1.3.
A Autora replicou concluindo pela improcedência das exceções invocadas pela Ré.
1.4.
Por decisão proferida em 08/06/2009, entretanto transitada em julgado, o Tribunal Judicial de Penafiel conheceu da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns para conhecer da relação jurídica material delineada pela Autora na petição inicial, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
1.5.
A Autora, com a concordância da Ré, requereu a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o que foi deferido por despacho de 06/11/2009.
1.6.
Realizou-se audiência preliminar, em que se proferiu despacho saneador tabelar, fixou-se a matéria assente e a base instrutória, não tendo havido reclamações. Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e uma vez concluídos os exames periciais a que se submeteu a Autora, designou-se data para a realização de audiência final, a qual teve o seu início em 26/02/2015 e termo em 14/07/2016, com vicissitudes várias no seu decurso, incluindo a realização de exames periciais.
1.7. Em 06/07/2020, foi proferida sentença, por juiz distinto daquele que presidiu à audiência final, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente ação, condenando-se o Réu ao pagamento à Autora de danos patrimoniais, no montante de €40.000,00 (quarenta mil Euros), e danos não patrimoniais, no montante de € 20.000,00 (vinte mil Euros), acrescidos de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se o Réu do remanescente pedido de condenação formulado pela Autora, no valor de €15.000,00.
Fixa-se o valor da causa em EUR 75.000,00.
Custas a cargo das partes na proporção de 80% para o Réu e 20% para a Autora, sem prejuízo do apoio judiciário a que tenha direito.
Registe e notifique”.
1.8.
Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: I- Conscientes do trilhar espinhoso do caminho, porém a quo animo, concluiremos nos pontos subsequentes o nosso entendimento fruto de uma representação ponderada da doutrina e jurisprudência, assente numa incursão expressiva destes institutos, com a certeza de que “Da mihi factum, dabo tibi jus”; II- O ora Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida pelo juiz a quo, porquanto, não interpretou nem aplicou corretamente aos factos constantes dos autos as normas de direito que lhe eram aplicáveis, violando a decisão ora o princípio da plenitude da assistência do juiz, porquanto, o Meritíssimo Juiz que proferiu a sentença não presidiu à audiência de discussão e julgamento, como tal, não tendo assistido a todos os atos de produção de prova encontra-se inquinada a habilitação para decidir sobre a matéria de facto (provada ou não provada), tendo dessa violação resultado um incorreto julgamento de facto e, subsequentemente, de Direito sobre a causa; III- A decisão recorrida enferma de erro de julgamento porquanto verifica-se contradição insanável entre os factos que considerou provados e não provados, pois que a prova testemunhal e documental em que assenta a sua convicção e fundamentação encontra-se ipisi verbis em manifesta oposição/contradição com o Tribunal a quo concluiu, como supra se encontra demonstrado quanto aos factos que erradamente considerou provados e não provados; IV- A decisão recorrida consubstancia uma clara e inequívoca violação das regras subjacentes ao instituto do onus probandi, pois que, caberia à Autora, não obstante aplicação dos princípios que regulam o nexo de causalidade no campo médico se revestirem de particular dificuldade, provar, pelo menos com grande probabilidade, que a ocorrência dos factos geradores do dano resultaram do incumprimento e /ou de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os atos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada; V- A decisão recorrida errou na apreciação da prova ao dar como provados os factos O) e Q), atente-se no depoimento da testemunha A. e no Relatório do Serviço de Urgência de Obstetrícia, de 13/04/2005, que facilmente permitem concluir que a A. foi acolhida no Serviço de Urgência por médico da especialidade, a que se seguiu internamento, local onde foi sempre acompanhada pelo corpo clínico do recorrente; VI- A decisão recorrida errou, do mesmo, ao dar como provado os factos V) e W) que merecem ser revistos no sentido de não provados em face dos depoimentos das testemunhas M. e M., que de forma unânime, espontânea e clara afastaram a prática da manobra de “Kristeller” no serviço de obstetrícia do Recorrente, e que impõem resposta diferente; VII- Na mesma senda, a decisão recorrida errou em toda a sua linha de raciocínio ao considerar como provado o facto Y, atribuindo ao corpo clínico do Recorrente a responsabilidade pela ocorrência da laceração perineal de 2.º grau sofrida pela A. Aqui, nesta que podemos considerar o núcleo central de todas as questões sub judice, com todo o respeito pelo Digníssimo Tribunal, o juízo sobre a prova produzida nos autos, testemunhal, pericial e documental correm em sentido diametralmente oposto, pese embora tenha sido com base nela que o Tribunal afirma a formação da sua convicção.
VIII- Com efeito, do computo da prova testemunhal produzida, veja-se os depoimentos testemunhas, M., M., J., A., J., M., que aqui se dá por reproduzida a transcrição parcial dos seus depoimentos, pois não é em sede de conclusões que os seus extratos devem constar, afirmaram de forma clara, espontânea e isenta, merecedores de todo o crédito, que as lacerações ocorrem devido a condições próprias, individuais, de cada paciente no momento do parto, não acontecem por razões externas relacionadas com a intervenção ou não intervenção da equipa médica que está a acompanhar o parto.
IX- Mais esclareceram o douto Tribunal que, a fim de evitar este tipo de lesões, na fase final do parto, no momento em que se aproxima a expulsão do feto, em que a vulva e a zona perineal estão completamente distendidas, se demonstrado sofrimento em face das investidas do feto com vista a concretizar o nascimento, é realizada episiotomia na tentativa de impedir e menorizar a ocorrência de lacerações, lacerações erráticas e graves, ao ponto da vagina e ânus se unirem num só; X- In casu, pese embora todo o cuidado e uso de todos os meios e práticas médicas ao alcance não foi possível evitar a sua ocorrência, porque aqui também manda a mãe natureza, e as características próprias e individuais de cada parturiente ditam o resultado final; XI- A questão sub judicie mereceu da testemunha J., que referindo-se ao caso em apreço refere que a formação de neuromas nunca poderá ser atribuída à episiotomia porque não chega tão profundamente, as lacerações ocorrem independente...
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