Acórdão nº 441/08.5BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M…..

, ora representada por M…..

, devidamente habilitada no presente recurso, tendo por objeto a liquidação de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) nº ….., respeitante ao exercício de 2003, no montante global de €106.727,27.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ 1. A decisão, proferida pelo Douto Tribunal a quo, que considerou procedente a Impugnação apresentada pela ora Recorrida, ao não acolher, como resulta do probatório, que no caso concreto em questão, as valorizações não foram ocasionais, nem fruto da acaso ou da sorte, fez uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso, tendo consequentemente violado o disposto nos artigos 15.º e 16.º, n.º 3, da LGT, 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT, 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

  1. E, em consequência, sentenciando que as proprietárias do terreno são apenas co-proprietárias.

  2. Entendimento, não perfilhado pela Administração Tributária (AT), que, atentos os factos, defende que a Impugnante e co-proprietária constituíram-se como sociedade irregular, com vista ao loteamento e posterior venda da parcela de terreno objecto de destaque, devendo tal acto ser tributado de acordo com o disposto no artigo 3.º do CIRC.

  3. Consequentemente, não se conformando com a sobredita decisão.

  4. Não se conformando a AT, desde logo, face aos documentos assinados pela Impugnante e a co-proprietária, bem como o alvará emitido em nome destas, a requerer o licenciamento do loteamento, para posterior venda dos lotes de terreno.

  5. Ficando, assim, provado que, desta forma, praticaram actos de comércio resultantes do exercício de uma actividade empresarial.

  6. Não obstante tudo isto, a Sentença, aqui recorrida, julgou procedente a Impugnação.

  7. Porém, conclusão diferente deveria ter sido retirada do probatório.

  8. Por do mesmo resultar que a Impugnante desenvolveu uma actividade comercial, no âmbito duma sociedade irregular, não se limitando a usufruir dos frutos propiciados pelo património comum, o que somente aconteceria se a parcela de terreno tivesse sido alienada no estado em que foi adquirida.

  9. Todavia, a decisão da Digna Magistrada, não obstante os documentos assinados pela Impugnante e co-proprietária, a requerer o licenciamento do loteamento, bem como a emissão do alvará em nome destas e, ainda, porque, dos factos carreados para os autos, nada permite concluir que não foram as próprias co-proprietárias a encetar, por sua conta e encargo, todas as operações de licenciamento para posterior venda dos lotes de terreno, praticando, desta forma actos de comércio, inseridos ou resultantes do exercício de uma actividade empresarial, acabaria por frustrar o veredicto expectável e aquele que julgamos como juridicamente aceitável.

  10. Desde logo, como demonstrado, a Impugnante e co-proprietária não se limitaram a vender a parcela de terreno em questão no estado em que a adquiriram.

  11. Tendo desenvolvido toda uma actividade de transformação da propriedade, distribuindo, entre elas, o resultado dessa transformação, ou seja o somatório do valor da alienação de 63 lotes urbanizados, pelo preço global de € 2.119.891,14.

  12. Como ensina o Prof. José Oliveira de Ascensão, in direito comercial, volume IV, sociedades comerciais, Lisboa 1993, “A distinção entre pré-vida e a irregularidade tem de se tornar essencialmente valorativa. Haverá irregularidade quando passar o prazo razoável em que se esperaria a formalização do contrato social.

  13. E a sociedade verdadeiramente irregular estará prevista no artigo 36/2, do CSC. Directamente não, pois aí se prevê um trecho normal da vida da sociedade em formação. É invocável, nesse sentido, o artigo 7.º da Directiva, que também só contempla esta situação normal ”Artigo 7.º - Se forem praticados actos em nome de uma sociedade em formação, antes de ela ter adquirido personalidade jurídica, e a sociedade não vier a assumir os compromissos daí decorrentes, as pessoas que os contraíram serão solidária e ilimitadamente responsáveis por tais actos, salvo convenção em contrário.

  14. Trata-se da Primeira Directiva do Conselho das Comunidades Europeias (68/151/CEE, publicada no JOCE n.º L65/8, de 14 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-membros às sociedades, na acepção do artigo 58.º do Tratado.

  15. Daí que, como também citado na douta Sentença, o Prof. António Pereira de Almeida, tipifique a sociedade de facto como sociedade irregular.

  16. Resulta assim, e porque é de uma sociedade de facto que se trata, que, para a AT, a formação de tributação dos rendimentos dessa actividade deva ocorrer no âmbito de sociedade irregular e em sede de IRC, embora a Impugnante o haja contestado.

  17. Como provado, a Impugnante associou-se à outra co-titular para desenvolver toda uma actividade de natureza empresarial, com a finalidade de converter aquela parcela de terreno, rústica, em parcela urbana, através de uma operação de loteamento, conforme Alvará de Loteamento n.º ….., emitido pela Câmara Municipal de Benavente em 21 de Julho de 2003.

  18. Já assim não sucederia se a citada parcela tivesse sido alienada no estado em que foi adquirida, e a operação de loteamento empreendida pela sociedade adquirente, tout court, a sociedade anónima, denominada de M….., SA.

  19. Efectivamente, tal como decorre da lei e da jurisprudência, os traços que distinguem as situações de compropriedade e de sociedade, são os que vêem esta como algo dinâmico, onde existe uma actividade comum exercida pelos sócios, visando a criação de uma utilidade nova, orientada para a obtenção do lucro, ao invés do que ocorre na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.

  20. Assim, ao invés alegado, pela Impugnante e co-proprietária, bem como do decidido pelo Tribunal “a quo”, entendemos que, no caso concreto, se verifica, no empreendimento que encetaram, a presença da denominada «affetio societatis», consubstanciada no desencadear daquele procedimento, que teve em vista a concessão do Alvará de Loteamento n.º ….., emitido pela Câmara Municipal de Benavente, de 21 de Junho de 2003, bem como a venda daqueles lotes de terreno urbanizado.

  21. E, nessa medida, as sociedades irregulares – comerciais quanto ao seu objecto, ainda que sem forma legal, e portanto destituídas de personalidade jurídica em face ao direito comum, mas com capacidade tributárias, como decorre, aliás, dos artigos 15.º e 16.º, n.º 3, da Lei Geral tributária (LGT) e 3.º, n.º 1 e 2 do CPPT – estão pois sujeitas ao regime geral do de IRC pelo lucro obtido no âmbito da actividade comercial exercida, como estatuído nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC.

  22. Na verdade, tal como consta ainda do n.º 3 do Preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas – texto de acordo com a republicação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro – “O ponto de partida para a definição da incidência subjectiva foi, assim, o atributo da personalidade jurídica. No entanto sujeitaram-se igualmente a IRC entidades com sede ou direcção efectiva em território português que, embora desprovidas de personalidade jurídica, obtêm rendimentos que não se encontram sujeitos a pessoas singulares ou colectivas que as integram. Deste modo, consideram-se passíveis de imposto determinados entes de facto, quando razões de ordem técnica ou outras tornem particularmente difícil uma tributação individualizada, evitando-se que a existência de tributação ou o imposto aplicável fiquem dependentes da regularidade do processo de formação dos entes colectivos”.

  23. Além de que, a liquidação ora impugnada foi efectuada na sequência de uma acção de inspecção efectuada pelos competentes serviços inspectivos desta Direcção de Finanças de Setúbal.

  24. Nessa acção de inspecção apuraram aqueles Serviços que a ora impugnante e M….., NIF: ….., que, relativamente a um prédio misto inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo n.º 12, da Secção BR, alienaram em 2003.12.11, na sequência de uma operação de destaque e subsequente operação de loteamento...

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