Acórdão nº 1355/15.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério da Administração Interna interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 04.12.2016, que julgou procedente a ação administrativa especial contra si intentada por B...

, através da qual impugnou a decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 179 dias.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 194 e ss., ref. SITAF: «(…) A. A Sentença Recorrida padece de erro nos pressupostos de direito.

B. Ao contrário do que foi decidido e considerando o teor do artigo 46° do RDPSP, a escolha da pena disciplinar de 179 dias suspensão além de ter sido adequada, encontra-se devidamente fundamentada.

C. Com efeito, os factos pelos quais foi condenado revelam por parte o Recorrido “(...) negligência grave, acentuado desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais (...)” sem esquecer que afetou “(...) gravemente a dignidade e prestigio pessoal (...)” bem como o prestigio “(...) da função (...)” D. Na dosimetria da pena foi considerado que a simples detenção de armas proibidas põe por em causa os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, e o facto de o Recorrido ser agente de autoridade, sobre quem recaem especiais deveres de cumprimento da lei, sobretudo quanto em matéria de detenção de armas ou objectos típico do cometimento de crimes.

E. Sendo que, quanto “(...) à natureza e gravidade da infração, atendendo à características e quantidade de armas que o arguido detinha, deverá considerar-se elevada, até porque na sociedade se verifica uma proliferação de armas proibidas, flagelo que a PSP, tem vindo a combater deforma enérgica (...)” F. Acresce que, no que se refere à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, mais foi considerado que “(...) importa desde logo ter em conta todo o enquadramento dos acontecimentos, as circunstâncias em que ocorreram, todo o percurso profissional do arguido devendo as “...penas disciplinares ...” ser “ ...aplicadas com um fim e sentido pedagógicos e com uma finalidade corretiva, educativa e simultaneamente assegurar a prevenção, visando ao mesmo tempo a proteção dos bens jurídico-disciplinares, tendo em conta o principio da proporcionalidade (...)” G. Sobre o Recorrido, enquanto agente de autoridade, recaem especiais deveres de cumprimento da lei, principalmente quando está em causa a detenção de armas, H. Esteja ou não no exercício das suas funções, tal como decorre do dever de aprumo, o qual “(...) consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação (...)” - cfr. artigo 16.°n .° 1, do RDPSP.

I. No que concerne ao facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido em multa em nada releva para efeitos da determinação da pena disciplinar, J. Dada a autonomia existente no nosso ordenamento jurídico entre o ilícito criminal e o ilícito disciplinar - que o mesmo é dizer, entre o processo criminal e o processo disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos.

k. Essa autonomia caracteriza-se, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios, bem como dos fundamentos e fins das respectivas penas: o processo criminal dirigido a interesses e necessidades específicos da sociedade em geral; processo disciplinar dirigido ao interesse e necessidades do serviço ou da função (só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão).

L. Atenta a gravidade da conduta do Recorrido, outra não poderia ter sido a pena aplicada, a qual se escorou num processo disciplinar que respeitou escrupulosamente as normas do Regulamento Disciplinar da PSP.

M. Pelo que não pode concluir a Sentença como o fez de que não foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 43.°, do RDPSP.

N. Os factos pelos quais o Recorrido foi sancionado revestem extrema gravidade, quer do ponto de vista objetivo quer subjetivo, pois a sua conduta foi diametralmente oposta à que é exigível a um agente da PSP.

O. A graduação da sanção disciplinar constitui uma atividade incluída na discricionariedade administrativa.

P. Discricionariedade esta que confere ao órgão administrativo o poder- dever de escolher “(...) de entre uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça em concreto mais adequado à satisfação da necessidade publica especifica prevista na lei (…)” Q. Desta maneira a fiscalização jurisdicional da atuação da administração no âmbito dos poderes discricionários só pode ser efetivada se a mesma se revestir de erro manifesto ou grosseiro, e aí, sim, podemos estar perante a violação do principio da proporcionalidade, R. O que nos presentes autos não se verificou, nem na Douta sentença foi identificado qualquer erro grosseiro ou manifesto, pois a entidade com competência disciplinar no âmbito do seu poder discricionário aplicou, fundamentadamente, a pena que entendeu ser a mais adequada à satisfação dos interesses quer da corporação quer do interesse público, o qual se traduz nomeadamente na confiança que a população em geral, deposita nas forças de segurança, a qual jamais pode ser abalada.

S. Pelo que a sanção disciplinar aplicada, atentos os factos imputados ao recorrido, não se mostra desproporcionada, não violando o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que é defendido na sentença recorrida (…).».

O Recorrido B..., apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue - cfr. fls. 222 e ss., ref. SITAF: «(…) a) A aplicação de uma pena disciplinar de suspensão é manifestamente desproporcional em face daquilo que verdadeiramente sucedeu, b) A decisão que proferiu a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão não foi devidamente fundamentada quanto à medida da culpa do A. na violação dos deveres funcionais dos quais foi acusado, c) deveres esses que sempre cumpriu, executando as suas funções com elevado sentido de missão, com competência, dedicação, zelo e brio profissional, o que se impõe à classe que representa, e o A. reconhece.

d) Pelo que, por douta Sentença proferida a 4 de dezembro de 2016 foi proferida decisão, a julgar procedente, por provada, a ação administrativa especial interposta pelo A., ora Recorrido e, em consequência, anulou o acto que determinou a aplicação da pena disciplinar de suspensão, por 179 dias.

e) Porquanto considerou, e bem a nosso modesto ver, que o acto que fora impugnado pelo ora Recorrido incorria em violação de Lei, por violação do princípio da proporcionalidade e por falta de fundamentação da medida da culpa do A. relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado.

f) Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a decisão de aplicação da pena disciplinar de suspensão por 179 dias não foi, do leque das sanções disciplinares previstas no art.° 25° do RDPSP, a sanção adequada nem proporcional a aplicar ao caso concreto, g) Sofrendo, deste modo, do vício de violação de lei, que é fundamento para a anulação daquele acto, nos termos do art.° 135° do CPA (então em vigor).

h) Andou de igual modo bem a douta decisão ao considerar que se verificou a falta de fundamentação da medida da culpa do A. relativamente à violação dos deveres funcionais de que foi acusado.

i) Não existindo qualquer ponderação e fundamentação que levassem a concluir que a pena aplicada era a mais adequada e proporcional para satisfazer o interesse público visado no caso concreto, verificou-se o vício de violação de Lei.

j) A pena de suspensão aplicada, além de ser injusta, colide com um princípio estruturante do ordenamento jurídico, que, ao cabo, reside no facto de a escolha da sanção dever ser adequada e proporcional à factualidade em apreço, a gravidade da infração e o grau de culpa do alegado infractor.

k) Decidiu bem o Tribunal a quo ao decidir que a necessidade de aplicação de uma pena disciplinar de 179 dias de suspensão não se encontrava devidamente fundamentada, l) Nem a mesma se mostra proporcional face aos factos provados, cujo grau de culpa também não foi devidamente fundamentado, m) Entendeu bem o tribunal a quo que a decisão de suspensão aplicada pelo ora Recorrente não fora devidamente fundamentada nem proporcional e necessária face aos factos dados como provados uma vez que apenas aplicou a referida sanção por ter ocorrido uma detenção de tais armas e não pelo seu concreto e efectivo desempenho nas funções policiais.

n) Não se provando de igual modo no respectivo processo disciplinar - e bem - pelo Tribunal a quo, que tais armas tenham alguma vez saído do quarto do A., nem que tenham sido usadas por este, muito menos no exercício de funções policiais.

o) Tendo sido dado como não provado que tais armas tenham alguma vez sido usadas pelo ora Recorrido e que alguma vez tenham saído do quarto onde foram apreendidas, nem dado como provado que a propriedade das mesmas seriam deste, nunca poder-se-ia considerar que tenha alguma vez existido violação do dever de aprumo, como agora invoca o Recorrente.

p) Deste modo, não foi devidamente fundamentada, a adequação, necessidade e proporcionalidade da concreta sanção aplicada ao ora Recorrido.

q) Pelo que, como bem decidiu o Tribunal a quo, verificou-se a violação do principio da proporcionalidade, r) Tal violação consubstancia um vício de violação de lei, que é fundamento para anulação daquele acto nos termos do art.° 135° do CPA (então em vigor).

s) Não incorrendo o Douto Tribunal a quo em qualquer erro na aplicação ou nos pressupostos do direito.».

Neste tribunal, a DMMP emitiu parecer no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT