Acórdão nº 2485/14.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Ministério Público, requerente nos autos de outros processos instaurado contra T.....

, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 7.2.2019, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou a acção de oposição à aquisição de nacionalidade improcedente e absolveu o Requerido do pedido.

O Recorrido não contra-alegou.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e manteve a sentença recorrida na ordem jurídica.

O Recorrente reclamou para a conferência, requerendo que seja proferido Acórdão em Conferência, após prévio cumprimento do disposto no artigo 652º, nº 3 in fine, do Código de Processo Civil.

Notificada para o efeito, o Recorrido não apresentou resposta.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º, como se verifica no presente caso.

A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões da alegação de recurso que fixam o thema decidendum.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: « «I. O disposto no artigo 567º do CPC aplica-se na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e essa aplicação não é incompatível com o disposto no artº 83º/4 do CPTA, na redação em vigor à data da propositura da ação.

  1. Consequentemente, se o cidadão estrangeiro regularmente citado não contestar, como aconteceu no caso dos autos, consideram-se confessados os factos alegados pelo MP na petição inicial, nos termos do artº 567º/1 do Código de Processo Civil.

  2. Devia, por isso, a sentença recorrida ter considerado provados todos os factos articulados pelo MP, incluindo aqueles que considerou como não provados - pontos A. e B. de III.I..

  3. A inserção desses factos na matéria não provada deveu-se a um erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts. 83º/4 do CPTA e 567º/1 do CPC, gerando um erro no julgamento de facto efetuado pela sentença recorrida.

  4. Deve, por isso, ser alterado o julgamento da matéria de facto efetuado pela sentença recorrida, nos termos dos arts. 149º do CPTA e 662º/1 do CPC e, consequentemente, devem ser dados como provados e aditados os seguintes factos, nos termos do artº 567º/1 do CPC, mantendo-se os demais considerados provados: 1 - O R. não tenha qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional.

    2 - Todo o processo de crescimento e maturação do R., com a consequente absorção de costumes, referências e valores sociais e culturais, tenha ocorrido, em exclusivo, no Brasil e no Reino Unido.

  5. Alterada e aditada a matéria de facto provada, nos termos ora descritos, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar a ação improcedente por falta de prova da inexistência de ligação efetiva do R. à comunidade nacional, padece, também, de erro de julgamento de direito.

  6. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo nº 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

  7. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efetivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

  8. Essa ligação revela-se por fatores como o conhecimento da língua portuguesa, oral e escrita, o domicílio, a integração social e cultural, o conhecimento da história e da cultura, os quais, todos conjugados, conferem o sentimento de pertença à comunidade.

  9. Analisando a matéria provada pela sentença recorrida e aqueles que devem a ela ser aditados, supra descritos em V., verificamos que se provou nos autos que: - o R. nasceu no Brasil e é filho de pais brasileiros; - casou no Brasil; - apresentou a declaração para aquisição de nacionalidade portuguesa através de procurador, juntando um comprovativo da situação cadastral para efeitos fiscais onde indica residir no Brasil; - em momento que não foi possível apurar foi viver para o Reino Unido; - não tem qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional; - todo o seu processo de crescimento e maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores sociais e culturais, ocorreu, em exclusivo, no Brasil e no Reino Unido.

  10. Ante estes factos provados, é manifesto que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Juiz na fundamentação da sentença recorrida, não é apenas a circunstância de não residir em Portugal que demonstra a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

  11. O Réu nasceu, cresceu e viveu no Brasil, é filho de pais brasileiros, não vive em Portugal, viveu no Reino Unido e dos documentos que apresentou resulta que reside no Brasil e todo o seu processo de crescimento foi feito integralmente no seio da comunidade brasileira, cujos valores absorveu.

  12. Não tem, por isso, qualquer relação com a comunidade portuguesa, não tendo sequer prestado pessoalmente as suas declarações para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, recorrendo a um procurador para esse efeito.

  13. Destes factos provados apenas se pode extrair a conclusão de que o R. não tem nem nunca teve qualquer sentimento de pertença ou ligação especial à comunidade...

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