Acórdão nº 03013/13.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I. RElatório R., inconformado com a decisão proferida em 2019-02-25 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o recurso de contraordenação que interpôs tendo por objeto a decisão da Diretora da Alfândega do Aeroporto do Porto, proferida no processo de contraordenação n.º 177/13, que lhe aplicou uma coima no valor de EUR 35.000,00, acrescida da sanção acessória de perda do montante “que exceda EUR 150.000,00”, por não ter declarado à entrada do território nacional um montante de dinheiro líquido superior a EUR 10.000,00, por si transportado, em infração ao disposto nos arts 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1889/2005, de 26/10 e 3.º, n.º 1, do DL 61/2007, de 14/03, punível nos termos previstos no art. 108.º, n.º 6, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: F) CONCLUSÕES I. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida nos autos em 25/2/2019, que veio indeferir o recurso de impugnação judicial intentado pelo ora Recorrente, tendo por objecto a decisão do Director da Alfândega do Aeroporto do Porto, proferida em 30/9/2013, no âmbito do processo de contraordenação n.º 177/13, que o condenou, pela prática da contraordenação de descaminho, no pagamento de uma coima no valor de € 35.000,00, e em sanção acessória de perda a favor do Estado de montantes não declarado às Autoridades Alfandegárias, nos termos conjugados do disposto nos artigos 28.º n.º 2 e 108.º n.º 6 do RGIT.

  1. Tendo a referida coima sido paga voluntariamente, nos termos do artigo 78.º n.º 1 do RGIT, o âmbito do presente recurso restringe-se à sanção acessória aplicada.

  2. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar que “face ao pagamento voluntário da coima o Recorrente deixou de ter interesse em discutir o cometimento da infração”, em tudo o que diz respeito à sanção acessória aplicada.

  3. A faculdade de pagamento voluntário, em contrapartida de desconto no valor da coima, nos termos do artigo 78.º do RGIT tem subjacentes critérios de racionalidade económica, colocando ao visado a opção de fazer cessar a discussão em torno da coima aplicável, pagando um valor reduzido e economizando nos custos processuais envolvidos na sua eventual defesa administrativa e impugnação judicial.

  4. O pagamento voluntário da coima, realizado pelo Recorrente para os efeitos previstos no artigo 78.º n.º 1 do RGIT, não consubstancia uma sua conformação, ou sequer confissão, quanto à putativa verificação do delito subjacente em tudo o que diga respeito à sindicância da aplicabilidade de sanção acessória – neste caso, a prevista no artigo 28.º n.º 2 do RGIT – quanto às quais se mantêm as suas garantias fundamentais de defesa, ancoradas no princípio da presunção de inocência, nos termos do atrigo 32.º n.º 10 da CRP.

  5. Ao contrário do decidido na sentença em crise, e em conformidade com entendimento que tem sido defendido pelos Tribunais Superiores, bem como pelo tribunal Constitucional, a interpretação do artigo 78.º n.º 1 do RGIT no sentido de que o pagamento voluntário de coima impede o arguido de impugnar judicialmente a decisão que condene na correspondente sanção acessória invocando razões de facto e de Direito atinentes à própria existência do delito que lhe é imputado, sempre seria MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por incorrer numa violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da presunção de inocência, previstos nos artigos 20.º n.º 4 e 32.º n.º 2 da CRP – o que desde já se invoca para todos os efeitos.

  6. Apesar de, num momento inicial, o Recorrente ter tentado ocultar das autoridades a totalidade do dinheiro líquido que trazia consigo em 29/5/2013, ao entrar em Portugal através do aeroporto do Porto, ele conformou-se de seguida com o dever declarativo que lhe impunha, tendo informado voluntária e oportunamente os funcionários da Alfândega que transportava o montante de USD 1.000.000,00, ficando esse valor a constar do formulário declarativo.

  7. A conduta do Recorrente, assim descrita nos autos, não preenche os elementos do delito de descaminho previsto no artigo 108.º n.º 6 do RGIT, porquanto o mesmo exige, para ser aplicável, que o comportamento do agente se traduza no não preenchimento, ou preenchimento incorrecto, de formulário formal de declaração de dinheiro líquido – razão pela qual esse delito não se consumou, para todos os efeitos.

  8. A conduta a considerar, poderia, eventualmente, traduzir-se em actos de execução da referida contraordenação, passíveis de serem qualificados como tentativa, nos termos do artigo 12.º do RGCO.

  9. Nesse pressuposto, comportamento relevante do Recorrente culminou numa desistência eficaz dessa tentativa, por ter actuado no sentido de evitar que o delito se consumasse, ficando desse modo excluída a punibilidade da tentativa, nos termos do artigo 14.º do RGCO – o que desde já se invoca para todos os efeitos.

    Ainda que assim não se entenda – o que se concebe por mera hipótese, sem conceder – sempre haveria a considerar o seguinte: XI. A norma presente no artigo 28.º n.º 2 do RGIT é MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º da CRP, na medida em que prevê uma sanção acessória à contra-ordenação de descaminho (prevista no artigo 108.º do RGIT) sem o estabelecimento de critérios juridicamente sindicáveis de determinação da mesma – o que desde já se invoca para todos os efeitos.

  10. Acrescendo, em qualquer dos casos, que o artigo 28.º n.º 2 do RGIT é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, bem como do princípio da legalidade criminal/contraordenacional, nos termos conjugados do disposto no artigo 18.º n.º 2 e 29.º n.º 1 da CRP, por não conter uma relação directa, ou sequer indirecta, entre a sanção aí prevista e a gravidade, em concreto, do delito de descaminho previsto no artigo 108.º do RGIT – o que desde já se invoca para todos os efeitos.

    Caso não proceda a questão invocada, o que se concebe hipoteticamente, sempre se releve o seguinte: XIII. A ratio / teleologia da sanção acessória em causa, expressa nos instrumentos internacionais que conduziram à sua criação pelo legislador – incluindo as recomendações do GAFI, Regulamento (CE) n.º 1889/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro e o Regulamento (UE) n.º 2018/1672 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro – inculca que a mesma só será aplicável quando, conexamente com a contraordenação de descaminho, existam suspeitas de que o dinheiro envolvido tem origem ilícita e se destina à prática do crime de branqueamento de capitais.

  11. No caso vertente, o Recorrente informou oportunamente as autoridades de que o dinheiro que lhe fora apreendido provinha da venda de imóvel, em Angola, e se destinava à abertura de um negócio em Braga no ramo da restauração, bem como à compra de uma habitação em Portugal – ficando desse modo ilustrada a origem e a destinação perfeitamente lícitas do dinheiro.

  12. As autoridades nunca levantaram suspeitas sérias quanto à origem lícita do referido dinheiro, nem dos autos resultam tão pouco indícios de que o mesmo tivesse proveniência ilegal; tanto que nunca foi instaurado, ao que sabe o Recorrente, qualquer procedimento criminal destinado a investigar a origem do dinheiro, na perspectiva da repressão do branqueamento de capitais.

  13. Nestas circunstâncias, a sanção acessória prevista no artigo 28.º n.º 2 do RGIT é inaplicável, porquanto não surge justificada, como necessariamente deveria, pela prevenção e dissuasão do branqueamento de capitais, antes carecendo de qualquer finalidade material legítima e efectiva.

  14. A interpretação do artigo 28.º n.º 2 do RGIT que considere admissível a aplicação da sanção aí prevista a casos em que, tendo sido cometida a contraordenação de descaminho, previsto no artigo 108.º n.º 6 do RGIT, as verbas não declaradas tenham proveniência lícita, não havendo suspeitas de branqueamento de capitais, é MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por traduzir uma restrição desproporcional ao direito fundamental à propriedade, nos termos conjugados do disposto nos artigos 62.º e 18.º n.º 2 da CRP – o que desde já se invoca para todos os efeitos.

    Sem prescindir do que fica exposto, e para a hipótese de assim não se entender que se concebe por dever de patrocínio, XVIII. A gravidade da infracção cometida, enquanto requisito de aplicação da sanção acessória em causa, nos termos do artigo 21.º do RGCO, deve ser aferida mediante uma valoração dos actos concretamente praticados pelo Recorrente, e não apenas com base na qualificação abstracta providenciada pelo artigo 23.º do RGIT.

  15. A actuação do Recorrente, tal como descrita nos autos, não pode ser qualificada como grave, tendo em conta a origem lícita do dinheiro envolvido na suposta infracção, e a inocuidade da mesma, em concreto, para afectar os bens jurídicos tutelados (economia legítima e mercado lícito) pelo que fica afastado o requisito da “gravidade previsto no artigo 21.º do RGCO.

  16. Acresce que o Recorrente agiu perante as autoridades na convicção de que em Portugal vigoraria uma proibição absoluta de entrada de dinheiro a partir de certo montante, fosse ele declarado ou não e ainda que tivesse, como tinha, origem lícita; e pretendeu apenas furtar-se ao confisco puro e simples do seu dinheiro, com que queria estabelecer-se em Portugal.

  17. O Recorrente não sabia que, à data, era permitida a sua entrada em Portugal com qualquer quantia de dinheiro, desde que o declarasse na Alfândega.

  18. A falta de consciência do Recorrente quanto à norma que acabou por, inadvertidamente, incumprir traduz-se num erro sobre a ilicitude, nos termos do artigo 9.º do RGCO, que é de molde a afastar o juízo subjectivo de censura sobre a sua conduta e...

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