Acórdão nº 1604/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | RICARDO FERREIRA LEITE |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório A....., maior, nacional do Senegal, Recorrente/Requerente nos presentes autos, em que é Recorrido/Requerido o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, vem recorrer a decisão do TAC de Lisboa, datada de 30 de Outubro de 2020 que absolveu o Recorrido do pedido formulado e que visava impugnar a decisão proferida em 19 de Agosto de 2020, pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor e determinou a sua transferência para Itália.
Para tanto, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1º Com devido respeito pela douta sentença, foram violadas no entanto as seguintes normas: Os artigos, 15º e 22º e 32º todos da C.R.P., art.º 3.º. nº 3 do C.P.C., artº 7º da Lei do Asilo, art.º 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, art.º 33, nº 1ª, parte, da Convenção de Genebra de 1951, Artº3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dos artigos, 1º, 3º, 18º e 19º, nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 78º do tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artº 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dos artigos, 1º, 3º, 18º e 19º,nº2 da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia e do art.º 78º do tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 25º,nº1 do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho, artigos 58º e 163nº1, todos do C.P.A.
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Deste modo, os Estados Membros, tem o dever e obrigação de ponderarem todas as informações conhecidas sobre o Estado, considerado responsável pela analise do pedido de protecção Internacional , sempre que não possam desconhecer os factos que possam determinar a violação do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ( C.D.F.U.E) no Estado de destino de molde a aferir se existem no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, nomeadamente a existência de um risco real, directo ou indirecto de o Recorrente ser sujeito a tratamento desumano, ou degradante, na acepção dos artigos 3º da Carta Europeia dos Direitos do Homem, (C.E.D.H) e do artº 4º( C.D.F.U.E).
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Ora, face ás informações conhecidas sobre a situação sobre a situação dos requerentes de Protecção Internacional, no Estado Italiano, verifica-se que o acto impugnado, incorre em déficit de Instrução, no que concerne aos factos essenciais à decisão de transferência e por conseguinte, à decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção Internacional formulado pelo Recorrente.
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A decisão recorrida violou o principio da não expulsão, invocado pois nas situações em que um primeiro pedido de protecção Internacional tenha sido já conhecido e indeferido por outro estado membro, o reencaminhamento do requerente para o seu país de origem será uma certeza.
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Ora a aplicação a este caso concreto verificados que estejam os pressupostos do princípio da não expulsão é precisamente um factor que pode obstar a esse reencaminhamento, não tendo esta questão sido conhecida na decisão recorrida, quando face ao exposto deveria ter sido.
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Assim existe ausência de informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano de acolhimento dos requerentes de protecção Internacional em Itália - não se mostra possível aferir em concreto da violação do invocado princípio da não expulsão, nem da responsabilidade pela analise do pedido de protecção Internacional, deve a douta sentença do tribunal recorrido ser revogada Nestes termos e nos mais de Direito, que V.Ex.as sempre supriram, deve a Decisão Recorrida ser revogada, e assim mais uma vez, será feita á vossa costumada Justiça.”* A entidade recorrida, por sua vez, não apresentou contra-alegações.
* Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer que antecede, concluído, em síntese, pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
* II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA): A questão a dirimir nos autos prende-se com saber se a decisão em crise incorreu em erro de julgamento por não ter equacionado a necessidade ponderar/averiguar as condições de acolhimento em Itália e do sistema de asilo italiano.
*III. Factos (dados como provados na sentença recorrida): “ a) O Autor, A....., é nacional do Senegal (Louga) ─ cfr. informações constantes do PA e passaporte a fls. 7 e ss..
b) O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 16/7/2020, pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º .....
, tendo indicado no inquérito preliminar como motivo para a saída do país de origem: «problemas familiares» ─ fls. 5/6 e 31 do PA.
c) Foi consultado o sistema EURODAC e foi detectado um Hit positivos com o n.º de referência: .....
, inserido pela Itália, em Lecce, a 3/1/2017 ─ cfr. fls. 3 do PA.
d) A 24 de Julho de 2020, pelas 12h44m, o A. prestou declarações junto do SEF, em língua mandinga, por assim ter solicitado, na presença da inspectora do SEF .....
e do intérprete .....
─ fls. 34 a 41 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
e) Durante a entrevista o Requerente foi perguntado, particularmente, sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinha sido encontrado um registo na base de dados de impressões digitais Eurodac recolhido em Itália; referiu, a esse propósito, como segue: (…) Ainda sobre o pedido de asilo que apresentou em Itália, foi-lhe perguntado e teve oportunidade de responder: (…) f) Foi elaborado em seguida, e no mesmo auto, um documento nominado “Relatório” (a fls. 42 a 44 do PA) do qual consta (…) ─ cfr. fls. 42 a 44 do PA.
g) Foi organizado o processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional ─ que recebeu o n.º .....
─ e a 4 de Agosto de 2020 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades italianas, invocando o art.º 18.°/1/d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho — cfr. fls. 49 a 54 do PA.
h) A 19 de Agosto, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que consideravam que o pedido de retoma a cargo do Requerente havia sido tacitamente aceite — cfr. fls. 55 do PA.
i) A 19 de Agosto de 2020, foi elaborada proposta de decisão (informação n.º .....
), com base na qual foi proferida, nesse mesmo dia, decisão do seguinte teor: «De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º - A e no n.º 2 do artigo 37.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º .....
do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A.....
, nacional do Senegal, inadmissível Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de Maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho».
fls. 58-63 do PA.
j) Tal Decisão foi transmitida ao Autor, a 4 de Setembro de 2020, pela leitura da notificação da mesma em língua mandinga «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referida em i) – conforme auto de notificação a fls. 66 do PA.
k) A 01/06/2018, foi publicado na página oficial do Jornal Folha de S. Paulo na internet, no endereço https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/expulsar-imigrantes-sera-prioridade-diz-novo-ministro-do-interior-italiano.shtml, o artigo intitulado "Expulsar imigrantes será prioridade, diz novo ministro do Interior italiano" cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…)Além de aumentar as expulsões, o novo ministro disse nessa sexta (1º), após ser empossado, que pretende reduzir o número dos que chegam e os recursos gastos pelo país com refugiados e solicitantes de asilo».
l) A 28/08/2017 foi publicada, na página oficial do Jornal Expresso, notícia sob o título “PM italiano debate migrações com parceiros da EU e África perante grande protesto de apoio a refugiados”, [disponível em https://expresso.pt/internacional/2017-08-28-PM-italiano-debate-migracoes-com-parceiros-da-UE-e-Africa-perante-grande-protesto-de-apoio-a-refugiados ], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…) Entre janeiro e junho deste ano, quase 100 mil requerentes de asilo desambarcaram na costa italiana e as autoridades continuam sem conseguir garantir o acolhimento e integração destas pessoas.// (…) No sábado, milhares de requerentes de asilo e italianos que saíram em sua defesa marcharam pela capital com cartazes onde se lia "Os refugiados não são terroristas", exigindo o fim dos despejos e garantias de habitação adequada aos requerentes de asilo – depois de, na véspera, o conselho municipal de Roma, cuja câmara é liderada pelo movimento populista Cinco Estrelas, ter chegado a um acordo com a empresa que detém o edifício em causa para que 40 refugiados idosos, doentes e menores possam continuar a viver ali nos próximos seis meses enquanto aguardam novas casas».
m) A 21 de Agosto de 2018, no mesmo site, foi publicada notícia...
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