Acórdão nº 865/20.0BELSB-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A............., SA e outros, interpõem recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto que determinou a caducidade da adjudicação do lote I do Concurso Público Internacional para a “celebração de contrato de seguros de pessoas e aquisição de serviços de corretagem para as empresas do Grupo A............” e do acto de adjudicação do mesmo lote à proposta do Agrupamento M............., SA e F………………, SA, Contra-interessado neste autos.

Em alegações são formuladas pelos Recorrentes, A............., SA e outros, as seguintes conclusões: “A. A sentença recorrida incorre em errado julgamento da matéria de facto, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, uma vez que é omissa quanto aos factos expressamente referidos e invocados pelas ora Recorrentes nos artigos 45.º, 46.º, 47.º, 84.º, 85.º e 86.º do requerimento inicial, os quais se encontram provados quer documentalmente, por via dos documentos disponíveis nos links referidos nos mencionados artigos, quer por acordo das partes.

  1. Termos em que se requer o aditamento à matéria de facto dada como provada de três pontos, com a seguinte redação: “15) Os contratos para a aquisição dos serviços aos quais os contratos suspensos pela presente ação se destinavam a dar continuidade cessaram a sua vigência em 30/04/2020.”; “16) As Rés aprovaram planos de contingência para fazer face à pandemia da COVID-19, que determinam que, por forma a minimizar os riscos de contágio, a organização do trabalho é feita, nomeadamente, através da organização de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em caso de necessidade.”; “17) As Rés debatem-se com falta de trabalhadores para assegurar plenamente as atividades de serviço público que lhes são cometidas.”.

  2. A interpretação que o Tribunal a quo faz quanto à dimensão do ónus de alegação e prova que recai sobre as ora Recorrentes, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, configura a exigência de uma verdadeira probatio diabolica, desproporcional e violadora da referida norma do CPTA, bem como do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

  3. A sentença recorrida adota uma interpretação do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA que se revela fortemente restritiva e que esvazia a referida norma, a qual claramente não comporta essa interpretação.

  4. O grau de exigência probatória que a sentença recorrida prevê para que as ora Recorrentes lograssem alcançar o seu desiderato no incidente em apreço implica a violação do princípio de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efetiva, vertido no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

  5. A sentença recorrida parece olvidar que o processo dos autos respeita a um incidente no âmbito de um processo urgente, para o qual o legislador previu uma tramitação célere, e que, nesse âmbito, a prova a que o legislador se refere será sempre uma prova sumária, tal como, aliás, sucede nos procedimentos cautelares (cfr. artigo 365.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA).

  6. Do entendimento vertido na sentença sob recurso resulta que, para efeitos de levantamento do efeito suspensivo, se mostra necessário que se tenha efetivamente consumado o prejuízo invocado pelas entidades demandadas, interpretação que não é consentida pela lei, pois que a exigência de prova que o legislador fez constar do n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA se basta com a suscetibilidade da lesão do interesse público.

  7. Semelhante interpretação do regime plasmado no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA encontra-se em direta contradição com a jurisprudência do douto acórdão de 12 de julho de 2019 do TCA Norte, proferido no âmbito do processo 02842/18.1BEPRT-S1, nos termos do qual “[o] risco da produção de um dano comporta (e exige apenas) uma probabilidade séria, não a certeza da sua inevitável verificação”.

    I. Contrariamente ao entendimento vertido na sentença recorrida, as Recorrentes efetivamente demonstraram que, atendendo à natureza dos contratos objeto do procedimento pré-contratual, à sua efetiva importância para a satisfação de necessidades coletivas, ao período de tempo previsível para a obtenção de uma decisão na ação, à situação em que se encontra a prestação dos serviços objeto dos contratos suspensos, bem como aos custos decorrentes da situação de suspensão, a manutenção do efeito suspensivo acarreta in casu graves danos para o interesse público, inexistindo quaisquer outros meios de atenuação de tal prejuízo, sendo o levantamento da suspensão automática associada à presente ação o único meio de evitar que o referido interesse público seja lesado.

  8. Foi alegado e demonstrado pelas ora Recorrentes que o “universo total de trabalhadores e elementos do respetivo agregado familiar abrangidos pelo contrato de seguro objeto do procedimento identificado (…) cifra-se em 8988” (cfr. ponto 5 da matéria de facto provada), que as ora Recorrentes estão adstritas a contratar o seguro em causa aos seus trabalhadores (extensível aos cônjuges não separados de pessoas e bens ou equiparados e filhos ou equiparados) (cfr. ponto 12 da matéria de facto provada) e que a empresa F…………., S.A., comunicou às ora recorrentes, em 18 de maio de 2020, que “mantendo-se o efeito suspensivo do contrato (…) está suspensa a utilização de cartões de saúde da rede M........., bem como a comparticipação em caso de cuidados prestados na rede convencionada (…), com necessidade de ressarcimento das quantias suportadas indevidamente (…) em despesas relativas às diversas coberturas do seguro de saúde” (cfr. ponto 13 da matéria de facto provada).

  9. As Recorrentes desenvolvem um serviço essencial, como reconhecido através do Despacho n.º 3547-A/2020, do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, publicado no Diário da República n.º 57-B, 2.ª Série, de 22 de março de 2020.

    L. Em causa não está apenas a comparticipação de despesas de saúde, mas sim o próprio acesso a cuidados de saúde, podendo a suspensão dos contratos comprometer um conjunto de atos médicos e ter consequências irreversíveis na saúde das quase nove mil pessoas seguras, conduzindo ao postergar de intervenções etratamentos, por razões decorrentes da ausência de cobertura de seguro de saúde, com a inerente assunção de responsabilidade financeira imediata.

  10. No atual contexto pandémico da COVID-19 a cobertura por um seguro de saúde revela-se ainda mais necessária para garantir a prestação de cuidados de saúde aos trabalhadores das empresas do G............., tanto mais que, nos termos da alínea e) do ponto 6 do Anexo I ao Caderno de Encargos, o seguro de saúde contratado pelas ora Recorrentes assegura a cobertura de doenças infectocontagiosas quando em situação de epidemia declarada, derrogando, assim, uma exclusão que regra geral vigora nos seguros de saúde.

  11. Tendo em conta a exiguidade de trabalhadores com que as Recorrentes se debatem e a necessidade determinada pelas circunstâncias de aqueles terem de trabalhar em regime de turnos sem contacto pessoal e da constituição de equipas de reserva em isolamento para substituição em casos de necessidade, é particularmente determinante, para evitar quebras de prestação de serviço público desenvolvido pelas oras Recorrentes, que os seus trabalhadores possam continuar a beneficiar do seguro de saúde.

  12. A falta de cobertura dos trabalhadores e dos respetivos agregados familiares por um seguro de saúde consubstancia a violação do n.º 1 das cláusulas 63.º dos ACT publicados no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 41, de 8 de novembro de 2018, o que, nos termos do artigo 521.º do Código do Trabalho, constitui uma situação passível de contraordenação laboral, a que estão associadas elevadas coimas, entre € 1 961 877 e € 4 981 374, sendo, assim, suscetível gerar elevados prejuízos económico-financeiros para as Recorrentes.

  13. Qualquer solução alternativa para assegurar a continuidade dos seguros de saúde não anula os invocados prejuízos, pois que, designadamente o contrato celebrado com a Contrainteressada F............ apenas vigorará até 15 de novembro de 2020 e, para além de não promover a concorrência, implica custos acrescidos e, consequentemente, a violação da observância da contenção de gastos operacionais face ao verificado em 2018.

  14. Os danos resultantes do efeito suspensivo repercutir-se-ão negativamente em terceiros, Municípios e populações utilizadores dos serviços de públicos de abastecimento de água para consumo humano e de saneamento de efluentes, quer por via das potenciais falhas de serviço, quer por via dos inevitáveis aumentos tarifários.

  15. A decisão recorrida interpretou erradamente e violou o n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA, bem como o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, devendo, com esse fundamento, ser revogada e substituída por acórdão que decrete o levantamento do efeito suspensivo.

  16. A interpretação prosseguida pelo Tribunal, ao absolutizar o conceito indeterminado de “gravemente prejudicial” em detrimento da necessária ponderação entre os vários interesses em presença, viola o referido artigo 2.º, n.º 5 da Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, com a redação dada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, bem como o princípio da interpretação conforme ao Direito da União Europeia, devendo, com esse fundamento, ser revogada e substituída por acórdão que decrete o levantamento do efeito suspensivo.

  17. Sem prejuízo de, na resposta ao requerimento inicial do incidente, as Autoras se terem limitado a defender a insuficiência dos fundamentos apresentados pelas Rés para o levantamento do efeito suspensivo, não tendo alegado qualquer interesse próprio que pudesse ser posto em causa ou lesado com o levantamento do efeito suspensivo requerido, mostra-se possível...

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