Acórdão nº 1674/09.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público, em representação do R., Estado Português, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 08.09.2017, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa comum sob a forma ordinária intentada por M...

e A...

, em representação de V...

, contra o Estado Português [Autoridade Nacional de Proteção Civil] – cfr. despacho de fls. 398, ref. SITAF -, Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários das C...

e Companhia de Seguros A....

Nas alegações de recurso que apresentou o Recorrente culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 1021 e ss., ref. SITAF: «(…) 1.ª Afigura-se-nos que a matéria de facto dada como provada, pontos 1.8 a 1.22 dos factos provados, págs. 14 a 21 da sentença proferida, não mereceu por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a adequada subsunção normativa com o consequente erro na aplicação do direito, na deficitária fixação da matéria de facto e no vício de falta de fundamentação que a seguir se concretizam.

  1. Em termos de inadequada subsunção normativa daquela matéria de facto dada como provada, entendemos que ficando provado todo o circunstancialismo relativo ao carroçamento da viatura da marca Mercedes-Benz, de matrícula, 6..., melhor identificada em 1.8 desses factos, não logrou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria aplicar à relação contratual estabelecida entre o então Serviço Nacional de Bombeiros e a sociedade adjudicatária, a firma «E... Comunicações, Lda.» e ainda a entidade subcontratada por esta última para a transformação da referida viatura, a «F... - F..., Lda.» o adequado enquadramento jurídico, na medida em que não considerou em concreto a aplicação do Decreto-Lei n.° 383/89, de 6 de novembro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.° 85/374/CE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos.

  2. A aplicação do referido regime legal, do qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria fez tábua rasa, determinaria a responsabilidade das firmas «E... Comunicações, Lda.» e «F... - F..., Lda.», nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 383/89, enquanto produtores e independentemente de culpa, pelos danos causados pelos produtos colocados em circulação.

  3. Produtos esses, carroçamento e principalmente a integração de gerador, que se mostram defeituosos, nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do referido diploma que define como produto defeituoso o que: «não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.» (sublinhado nosso).

  4. Defeito do produto, e responsabilidade do produtor que não escapam à sagacidade desde logo porque ficou dado como provado que, de acordo com o facto 1.20, que se transcreve, o gerador «tinha um escape localizado na parte inferior do veículo, com um suporte no chassis, cuja saída estava orientada para a parte da frente do veículo, perto de um buraco no chassis com cerca de 0,12m de diâmetro, sem tamponamento com recurso a uma tampa de plástico rígida, que é de origem.».

  5. Falta de tamponamento essa que, segundo o relatório de peritagem ao veículo 6... elaborado pela S... e as conclusões do mesmo, que constam da matéria de facto dada como provada (em 1.57) veio a determinar valores de concentração de monóxido de carbono demasiado elevados na cabine do veículo onde V... se encontrava a descansar e que determinaram, conforme relatório médico- legal, a sua morte.

  6. Salientando-se que, das especificações técnicas gerais que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dá como assentes em 1.10 dos factos provados apenas consta em relação ao gerador o «Trabalho de embutir na carroçaria (zona inferior da viatura), um Gerador monofásico de 7KWA (sendo este insonorizado)» e não a colocação do mesmo no exato sítio onde foi integrado, colocação essa ao critério da entidade adjudicatária ou da sua subcontratada e não da entidade adjudicante.

  7. A morte de V... por intoxicação por monóxido de carbono deveu-se assim a um defeito do produto contratado - carroçamento e integração de gerador - da exclusiva responsabilidade do seu produtor pois o mesmo «não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias» nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 383/89 (sublinhado nosso).

  8. Os danos ocorridos são da exclusiva responsabilidade do produtor, que se encontra legalmente obrigado ao seu ressarcimento, nos termos da artigo 8.° do Decreto- Lei n.° 383/89, pelo que deveria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ter averiguado, no campo das relações internas entre a «E... Comunicações, Lda.» e a «F... - F..., Lda.» a gravidade da culpa de cada uma delas e a sua contribuição para o dano causado, a morte de V..., nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do mesmo diploma (sublinhado nosso).

  9. Acresce que o referido dever de ressarcir não se encontra afastado pois não se verifica nenhuma das causas de exclusão da obrigação de indemnizar previstas no artigo 5.° do mencionado diploma, sendo certo que, nos termos do n.° 2 do artigo 7.° do diploma a responsabilidade do produtor é tão ampla que nem sequer é reduzida caso a intervenção de um terceiro tenha concorrido para o dano.

  10. Ao fazer tábua rasa do enquadramento legal que os factos assentes, pontos 1.8 a 1.22 da matéria de facto dada como provada, deveriam merecer o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria desconsiderou as legítimas expetativas do então Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil enquanto adquirente de um serviço, ou seja, de um produto - carroçamento e integração de gerador - relativamente à sua conformidade ou perfeição com todas as regras legais aplicáveis nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 383/89 (sublinhado nosso).

  11. A aplicação do Decreto-Lei n.° 383/89 determinaria, forçosamente, a absolvição do Estado Português do pedido indemnizatório formulado pelos autores e a adequada compensação do dano morte e dos danos não patrimoniais por quem efetivamente é obrigado à proceder à sua indemnização, isto é, os “produtores” na terminologia do referido diploma responsáveis pelo carroçamento e integração de gerador na viatura 6....

  12. Enferma assim a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria de erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada com as legais cominações de tal vicissitude.

  13. Para além disso, vislumbra-se também uma deficitária fixação da matéria de facto dada como provada relativamente ao ponto 1.21 da mesma já que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria não cuidou de averiguar se o processo de emissão de certificado de matrícula da viatura 6... por parte da ex-DGV foi precedido da apresentação de projeto ou da subscrição de termo de responsabilidade por parte das entidades envolvidas no processo de carroçamento e de integração do gerador na referida viatura, termo de responsabilidade esse no qual é declarada a conformidade dos trabalhos realizados com as disposições legais aplicáveis.

  14. Tal deficitária fixação da matéria de facto permitiria reiterar toda a argumentação apresentada relativamente à responsabilidade das entidades que intervieram nas operações de carroçamento e de integração do gerador na viatura 6... enquanto «produtores» nos termos do regime jurídico da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos previsto no Decreto-Lei n.° 383/89, de 6 de novembro.

  15. E ainda para além disso, a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria falha também no que concerne ao papel da homologação do carroçamento da viatura Mercedes-Benz, de matrícula 6..., cometido à ex- Direção-Geral de Viação.

  16. Com efeito a sentença sob crítica limita-se a apresentar um quadro meramente conceptual sobre o papel da ex-DGV, socorrendo-se da “schutznormtheorie” sem que se digne concretizar, em momento algum, qualquer norma legal em abono do raciocínio de que a competência da referida entidade apenas visava assegurar a segurança rodoviária, enfermando assim esse segmento da sentença de vício de falta de fundamentação.

  17. Exigência de fundamentação essa que se reitera atenta a incongruência da argumentação apresentada pelo referido Tribunal que tanto considera que a homologação «é o acto através do qual a autoridade nacional competente (...) certifica que um modelo de veículo está em conformidade com os requisitos técnicos estabelecidos na legislação e que foi submetido aos ensaios e controlos exigidos, e ainda que as transformações (leia-se alterações da estrutura, carroçaria, motor, sistemas ou componentes, de um veículo matriculado de modelo aprovado) que impliquem alteração das características regulamentares dos veículos, nomeadamente no que se refere aos seus elementos de identificação ou classificação ou que alterem sistemas componentes ou acessórios objeto de homologação só podem ser efetuadas mediante autorização prévia do atual IMT» concluindo todavia singelamente que «essa competência visa apenas assegurar a segurança rodoviária» (sublinhado nosso).

  18. Mas, mesmo que estas críticas não procedessem - o que não se concede -, ainda assim sempre se pode afirmar que os montantes indemnizatórios fixados se revelam concretamente excessivos.

  19. A indemnização por danos morais, como acontece no caso dos autos, visa compensar as dores, sofrimentos e desgostos causados por factos ilícitos a outrem, mas estes só devem ser inteiramente ressarcidos se tiverem suficiente gravidade.

  20. A mensuração objetiva de tais danos é impossível de estabelecer, razão por que essa mensuração tem de ser encontrada através de critérios de equidade onde pontificam o grau de culpabilidade do agente, a situação económica das partes e as circunstâncias do caso.

  21. O respeito pelo...

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