Acórdão nº 00278/16.8BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO J.

(devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa que instaurou em 08/09/2016 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela contra a FREGUESIA DE (...) inconformado com a decisão proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo no despacho-saneador datado de 06/12/2018 (fls. 89 SITAF) pela qual, entendendo que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo à jurisdição comum, absolveu o réu da instância com fundamento na verificação da exceção de incompetência material, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 101 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: Não foram apresentadas contra-alegações.

*Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, e nele notificada a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não emitiu Parecer.

*Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

*II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso é objeto do presente recurso a decisão proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo em 06/12/2018 (fls. 89 SITAF) em sede de despacho-saneador, pela qual entendendo-se que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo à jurisdição comum, se absolveu o réu da instância com fundamento na verificação da exceção de incompetência material, sendo a questão essencial a decidir a de saber se a identificada decisão incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada, como propugnado pelo recorrente, por o Tribunal a quo ser materialmente competente.

*III. FUNDAMENTAÇÃO 1.

Da decisão recorrida Pela decisão proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo em 06/12/2018 (fls. 89 SITAF) em sede de despacho-saneador, entendendo-se que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo à jurisdição comum, absolveu-se o réu da instância com fundamento na verificação da exceção de incompetência material.

Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever: «A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra matéria (art.º 13º do CPTA). Pelo que, importa, de imediato, apreciar a suscitada excepção de incompetência material, averiguando se este Tribunal é o competente em razão da matéria para os termos da presente acção.

Para aferir da competência dos tribunais administrativos importa convocar as disposições respeitantes ao âmbito da jurisdição, previstas nos art.os 1º, 4º e 5º do ETAF e a Exposição de Motivos à Proposta de Lei n.º 93/VIII, que aprovou o ETAF.

Da análise das identificadas disposições do ETAF resulta serem os tribunais administrativos e fiscais os competentes para conhecer dos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais, devendo os respectivos preceitos ser conjugados e articulados com o disposto no art.º 212º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A referida norma constitucional consagra o princípio da competência ordinária dos tribunais administrativos e fiscais, ao abrigo do qual estes são competentes para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Desta forma, deixaram os tribunais administrativos e fiscais de ter uma competência especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, para constituírem os tribunais comuns ou ordinários em matéria administrativa.

Porém, muito embora compita, em regra, aos tribunais administrativos e fiscais conhecer dos litígios em matéria administrativa e fiscal, a lei consente que questões de natureza administrativa e fiscal possam ser atribuídas, mediante lei especial habilitante, a outros tribunais.

Consagra-se, desta forma, não a reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos e fiscais, mas o princípio da reserva relativa de competência.

A existência de várias categorias de tribunais [cf. art.º 209º, n.º 1, alíneas a) e b) da CRP] pressupõe a existência de um critério de repartição de competências. Optou o legislador por estabelecer um critério de natureza objectiva, atendendo essencialmente à natureza das questões, e não um critério subjectivo, em função da categoria das pessoas.

A Constituição reserva a jurisdição judicial ou comum como sendo de competência residual, para todas as matérias não atribuídas às restantes categorias ou ordens judiciais, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 211º da CRP.

Mas importa ainda conjugar esta regra com determinados regimes especiais de atribuição de competência, como sejam os litígios que envolvam os titulares de determinados órgãos de soberania, o contencioso eleitoral ou o conhecimento dos litígios resultantes de alguns processos de contra-ordenação. Pelo que, determinadas matérias são ressalvadas da competência dos tribunais administrativos.

Neste sentido aponta a Exposição de Motivos à Proposta de Lei n.º 93/VIII, que aprovou o ETAF: “Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de «relações jurídicas administrativas e fiscais». Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática (…)”.

Conforme refere o Tribunal de Conflitos, no seu Acórdão n.º 02/12, de 20/09/2012, “A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos, sendo que em sede da indagação a proceder a este nível irreleva o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente à viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão.” – no mesmo sentido, vd. MANUEL DE ANDRADE, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 91.

Assim, «para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir)» – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/11/2010 (proc. 021/10). Isto é, deve atender-se à pretensão material do autor bem como aos factos invocados com relevância jurídica que, segundo este, preenchem a previsão normativa invocada.

Pelos presentes autos o A. pretende que a R. seja condenada a reconhecer o direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial; a reconstituir a situação existente mediante delimitação do prédio; e, a título subsidiário, a indemniza-lo pelo valor da parcela de terreno perdida a favor do caminho por fim e a pagar-lhe uma indemnização a título de danos patrimoniais pela queda das árvores.

Examinando a causa de pedir, verifica-se, em suma, a seguinte alegação: - o A. é proprietário do prédio rústico, situado na (…), FREGUESIA DE (...), concelho de Vinhais, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 412 e inscrito na matriz predial rústica da FREGUESIA DE (...) sob o artigo 2234; - o referido prédio veio à posse do A. por doação e partilha em vida de seus pais, anteriores possuidores; - que por si e ante possuidores há mais de 10 e 20 anos que tal prédio se encontra na sua posse, ignorando lesar direitos de outrem, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição e praticando sobre o mesmo os actos de um proprietário; - quanto mais não fosse, sempre o A. o teria adquirido por usucapião; - no prédio em causa o A. tem vindo a desenvolver a cultura de cerejeiras para madeira e, nas extremas, no topo de um talude, carvalhos, azevinhos e cedros; - em final de Abril, princípio de Maio de 2015, o A. constatou que havia sido removida a base dos taludes de suporte das árvores que ali tem plantadas, em toda a extrema do seu prédio para alargamento do caminho da (...); - o que provocou a derrocada de parte do terreno e a alteração da configuração do prédio, com perda de 66 m2 a favor desse caminho; - há mais de 10 anos que, na extrema sul do prédio do A. está situado um tubo danificado que transporta água para a aldeia; - na mesma altura da remoção da base dos taludes, a R. abriu igualmente uma vala ao longo e dentro da propriedade do A., removendo, também aí, a base de sustentação do talude e ocupando uma faixa de terreno do A. de aproximadamente 19,40 m2, impossibilitando o A. de entrar na sua propriedade.

Em resumo, o A. alega que a R. violou o seu direito de propriedade, já que, sem qualquer autorização ou consentimento, invadiu o seu prédio e aí destruiu plantações e construções existentes, impedindo-o inclusivamente de aceder ao seu prédio. Pretende que a R. seja condenada a reconhecer o direito de propriedade que...

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